Tradição e cultura popular marcam as festas juninas em Pernambuco

Em 22/06/2018
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Nos versos da música “São João sem futrica”, o sanfoneiro Luiz Gonzaga fala sobre o que considera indispensável na grande festa do povo nordestino. Mas, mesmo sem ser citados pelo Rei do Baião, outros elementos ajudam a formar essa celebração popular múltipla, que envolve as comunidades e compõe a identidade dos pernambucanos.

As quadrilhas, por exemplo, são responsáveis por trazer irreverência e animação às celebrações juninas. Algumas delas vão além da brincadeira e, graças a um organizado trabalho coletivo, garantem ao público espetáculos culturais grandiosos, que chegam a custar R$ 40 mil. O valor é investido para criar lições lúdicas de história e de cultura popular. Segundo o pedagogo Perácio Gondim, coreógrafo de dois premiados grupos de quadrilha da Região Metropolitana: a Junina Tradição, do Recife, e a Raio de Sol, de Olinda, o objetivo é envolver a comunidade.

“A quadrilha hoje é um brinquedo grande. Quando falo brinquedo é a manifestação de rua, de teatro de arena. Ela agrega jovens e tem uma cadeia produtiva muito grande dentro da comunidade”.

O sentido de pertencimento comunitário e a vontade de preservar uma tradição criada ainda no século XIX são os principais motivos apontados pelo educador físico Ivan Marinho para explicar o seu envolvimento com o bacamarte, outra manifestação artística tradicional do São João pernambucano. Marinho faz parte da Sociedade de Bacamarteiros do Cabo, do município do Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana.

“Uma coisa que sempre me impressionou desde que ingressei nas fileiras do bacamarte é o sentimento de fraternidade que existe entre os bacamarteiros. Talvez como resultado do fato de não existir competição entre grupos como vemos em outros tipos de gênero”.

Outro som ouvido nesta época do ano é o provocado pelas batidas dos tamancos de madeira dos integrantes do grupo de coco Raízes de Arcoverde, do município localizado no Sertão do Moxotó. A cantora Iran Calixto trabalha há 20 anos para manter viva essa tradição impulsionada pelo tio, o Mestre Lula Calixto. O ritmo do coco, que mistura elementos indígenas, da cultura negra e do povo sertanejo, é também bastante valorizado nos festejos juninos.

Cantor dos sucessos “Ana Maria” e “Tamborete de forró”, o forrozeiro Santanna defende que os artistas e os ritmos do Nordeste sejam priorizados na programação das festas de junho.

“A gente tem uma festa que Luiz Gonzaga codificou. E ele, além disso, de criar toda essa trilha sonora, transformou uma festa de dois dias em uma festa de um mês ou mais. Então tem que se valorizar, reconhecer e saber que muita gente vai viver melhor quando chega o período junino”.

O historiador e organizador do livro “Nos arraiais da memória 2: as quadrilhas juninas escrevem diferentes histórias”, Mário Ribeiro, defende a valorização das tradições locais, mas alerta que mudanças nas práticas populares são inevitáveis.

“A cultura é orgânica, é viva. Ela só tem sentido de existir porque é feita por pessoas. São os sujeitos que atribuem sentidos de existência a essas práticas culturais. Tomando como exemplo a quadrilha, ela é um bem cultural vivo, sempre em fluxo. Ela não cessa de se reinventar”.

Segundo o especialista, essas ressignificações são naturais e não devem ser vistas como algo que descaracteriza a tradição. Mas ele critica a oferta de cachês e espaços maiores para expressões culturais já muito valorizadas economicamente em detrimento daquelas produzidas pelas comunidades.

Preocupado com a invasão de ritmos do Sudeste nas festas de São João, o Governo do Estado, por meio da Fundarpe, desenvolve uma política de suporte às tradições tipicamente pernambucanas nas festas de junho. Segundo a presidente da Fundarpe, Márcia Souto, o órgão lança um edital de contratação de artistas locais que atuem com cultura popular, tradição junina, forró pé-de-serra ou Música Popular Brasileira. Após a seleção, o Executivo custeia os cachês para que os artistas se apresentam nas festas promovidas pelos municípios.