Série “Caminhos da Cidadania”: cultura e esporte transformam vidas em comunidades carentes de Pernambuco

Em 21/07/2016
-A A+

Quando tinha 21 anos, o operador de equipamentos Clécio Batista, conhecido como Kel, trocou uma arma por um pandeiro. Não sabia, mas estava salvando a própria vida. Desde os 13 anos, andava armado no Porto, no bairro do Recife, e já havia sido preso. Kel foi um dos convidados para uma oficina de percussão com o músico Antônio Silva, o mestre Lua, morador da Cidade Tabajara, em Olinda, Região Metropolitana. A partir da troca das aventuras nas ruas pelos encantos do instrumento musical, tudo mudou. “Quando eu cheguei no projeto, eu tava todo rebocado de cacete, porque a polícia tinha me pego com uma arma… E o mestre Lua olhou pra mim e disse ‘caraca, o que foi isso? Venda essa arma, vem pro curso sábado.’ Eu vendi a arma, comprei um pandeiro e fiquei pensando duas vezes em ser brabo. E aí a cultura foi melhorando o meu comportamento.”

Hoje, Kel, com 45 anos, é um multiplicador da experiência com a música como agente de transformação social. É também percussionista e dá aulas, no Alto do Pascoal, Zona Norte do Recife, para meninos  que, como ele, sonham com uma mudança de vida. Acreditar na cultura como um passaporte para abrir um novo olhar em torno de crianças e adolescentes em situação de risco é a proposta do trabalho de mestre Lua. Há 21 anos ele aplica oficinas de capoeira e percussão em comunidades como Cidade Tabajara, em Olinda, e Bode e Areinha, no Recife. “Eu utilizo a arte e a cultura como um atrativo para mostrar novos caminhos para crianças e jovens. É tanto que não é difícil encontrarmos vários  adultos que viviam no mundo do crime e hoje são educadores de capoeira, trabalham em escolas. Eram marginais, essa é a palavra, e hoje são mestres de capoeira”. A mudança é percebida no dia a dia pelas famílias, como observa a diarista Maria do Socorro da Silva, mãe do ex-aluno Rodolfo da Silva. Ele hoje tem 27 anos, é técnico em telefonia e também vive de música. “Tirou mais os meninos desse caminho errado. Muitos, como meu filho também, hoje em dia têm um conhecimento de música, de cultura, tudo através desse projeto.”

Realidade que também pode ser transformada com um outro ingrediente que seduz multidões: o futebol. Os números da Love-fútbol, uma ONG que facilita a construção de quadras e campos para a prática do esporte, impressionam. Desde 2006, a paixão pelo futebol já envolveu vinte e uma parcerias, 22 mil jovens, 40 mil horas de trabalho voluntário em vários países. Foram erguidos 16 campos e quadras de futebol, planejados, construídos e mantidos pelas próprias comunidades, beneficiando atualmente 11 mil crianças e jovens na Guatemala e no Brasil. O diretor de operações da Love-fútbol, Mano Silva, destaca que o mais importante é fortalecer a cidadania. “Nosso objetivo é fazer essa parceria com a comunidade, mas muito mais servir como facilitador, para que a comunidade seja a protagonista desse processo. Isso cria uma sentimento de orgulho mesmo, de apropriação do espaço público. Nós temos 90% dos nossos projetos que vão além do campo. A gente já teve ruas pavimentadas, parques que foram instalados, equipamentos de ginástica, espaços que foram arborizados, isso tudo partindo da própria comunidade.”

O projeto chegou ao Brasil em 2011 e já se instalou em São Paulo, Rio de Janeiro, Alagoas, Paraná. Pernambuco foi pioneiro: tem três iniciativas em execução, em São Lourenço da Mata e no Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife. A meta é chegar a dez localidades, envolvendo também o Agreste e o Sertão. Os benefícios são comemorados pelos líderes comunitários. O comerciário Gilberto Nascimento, conhecido como Giba Matuto, em Penedo de Cima, São Lourenço da Mata, constata as melhorias. “Tirar as crianças da ociosidade, da exposição das drogas. Já foram revelados cinco atletas de futebol profissionais. Mas a minha maior alegria é saber que várias crianças que estavam do lado do crime eles deixaram o lado do crime e hoje em dia são cidadãos normais.” Michael Lourenço, de 13 anos, morador de Penedo de Cima, não esconde a alegria de participar do projeto. “Foi tudo de bom pra gente, porque a gente não tem nada, a comunidade é pobre, não tinha onde brincar… A pessoa pode até ser um jogador. Se a pessoa tiver fé mesmo, é capaz até de realizar o sonho.”

Quem quiser ajudar a construir mais sonhos por intermédio da paixão pelo futebol pode acessar: www.lovefutbolbrasil.orgE para contribuir com as oficinas de capoeira e percussão, que são gratuitas para crianças e adolescentes, basta entrar em contato com o e-mail mestrelua@hotmail.com.