“Só quem sabe é quando você passa a ter um familiar. E hoje em dia, está mais comum do que as pessoas imaginam.”
“Ela desaprendeu a fazer as coisas, deixava o botão do gás aberto.”
Assim como os familiares de Maria Bethânia e Gilvan, a cada 3 segundos, alguém é diagnosticado com demência no mundo. A previsão é de que, em 2050, um novo caso vai ser descoberto a cada segundo, atingindo mais de 150 milhões de pessoas. Os dados são da Associação Internacional de Alzheimer, entidade que se dedica a estudar o mal que acomete até 80% dos pacientes com demência. O Alzheimer é uma patologia neurodegenerativa que afeta o funcionamento do cérebro de maneira progressiva, comprometendo funções cognitivas como memória, linguagem e raciocínio lógico.
Neurologista do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, no Recife, Paulo Brito atende pessoas com Alzheimer há mais de 30 anos. Ele destaca que a doença pode permanecer silenciosa durante décadas. “No momento que a doença começa a dar o sintoma, e o esquecimento acontece em 71% dos casos, a pessoa já tinha aí 10, 15, 20 anos de doença guardada. E quando ela começa a esquecer, ainda vai levar um, dois, três anos para receber um diagnóstico. E aí a pessoa começa, progressivamente, a perder sua capacidade de conviver com o seu dia a dia.”
Foi assim com a mãe da professora Maria Bethânia Gomes de Albuquerque, que mora em Candeias, na Região Metropolitana do Recife. Ela conta que não deu atenção aos lapsos de memória da mãe por acreditar que se deviam à idade avançada. “Eu achava que o esquecimento dela era normal da idade. Minha mãe hoje está com 76 anos, mas foi diagnosticada com 73. Então, quando ela começou a desperdiçar dinheiro, foi quando eu comecei a perceber, tem algo errado aí. Mas não imaginava que era a doença de Alzheimer.”
A mãe de Maria Bethânia está na fase inicial da doença: ela consegue andar, falar, tomar banho e comer sozinha. Essa etapa, em que os sintomas se manifestam de maneira mais branda, é essencial para a aceitação do Alzheimer pelo paciente. De acordo com o neurologista Paulo Brito, esse período pode ser perigoso para pessoas com histórico depressivo. “Dez por cento se suicidam nessa fase leve, então a gente tem que ter muito cuidado quando faz um diagnóstico. A fase moderada é a pessoa que depende de alguém para viver, se não tiver ajuda ele não faz. E o severo é aquele que, mesmo com alguém, ele não faz mais. Você teria que fazer com ele, ajudar a dar o banho, porque ele começa a não saber mais como é que toma.”
O militar aposentado Gilvan Borges da Silva, de 72 anos, conhece bem os efeitos do Alzheimer na fase severa. Cuidador da esposa, também com 72 anos, ele conta que precisou criar artifícios para facilitar o cotidiano. “Eu criei uma chapinha pra ela usar no pescoço com o nome, a doença, no verso da chapinha o telefone da filha e do filho. Eu também criei um quadro de anotar as horas que ela fazia xixi, que ela evacuava, pra poder, no outro dia, eu saber se ela estava bem hidratada, se estava com prisão de ventre, porque eu não ia lembrar do dia anterior.”
O Mal de Alzheimer ainda não tem causa, nem cura. Por isso, é importante identificar os sintomas assim que eles aparecem e procurar ajuda. O diagnóstico precoce possibilita um tratamento dedicado a atrasar a evolução da doença. A medicação auxilia na produção de acetilcolina, substância responsável pela memória, atenção e comportamento do paciente. Em Pernambuco, a Secretaria Estadual de Saúde afirmou, em nota, que os medicamentos podem ser retirados gratuitamente na Farmácia do Estado, mediante cadastro. A Secretaria também declarou que dispõe de acompanhamento médico, mas para o neurologista Paulo Brito, o atendimento na rede pública ainda enfrenta desafios. “A gente tem uma quantidade enorme de pessoas para atender, não podemos ter qualidade nisso. Existe um despreparo, de uma forma geral. Reconheço que é um assunto difícil e complexo.”
De acordo com o Instituto Alzheimer Brasil, não há dados consolidadas sobre pacientes no País. A entidade estima que pelo menos um milhão de brasileiros convivam com a doença. A estigmatização e o desconhecimento contribuem para a subnotificação dos casos. Em Pernambuco, um grupo da Associação Brasileira de Alzheimer, Abraz-PE, atua para levar mais informação e apoio aos cuidadores e familiares de pessoas com a enfermidade. A presidente da Abraz no estado, Cleonice Albuquerque, conta como é feito esse trabalho. “O foco maior da nossa associação é voltado para as famílias e os cuidadores. E qualquer pessoa pode participar. Ela vai estar ali para aprender também, o que é a doença de Alzheimer e aprender como eu posso cuidar dessa pessoa.”
Em 2017, a Organização Mundial de Saúde, OMS, adotou um Plano Global de Demência, com metas a serem alcançadas até 2025. Entre as áreas de abordagem está o suporte para os cuidadores, que muitas vezes precisam se dedicar de maneira integral ao enfermo. Um trabalho que, para o aposentado Gilvan Borges, deve ser dedicado com todo carinho. “O cuidador, independente de ser parente ou não, tem que dar o máximo de si. Porque o zelo também é amor.”