Essa é a trilha sonora que marca o fim da caminhada de quase vinte quilômetros feita por duzentos índios do povo Xukuru do Ororubá num sábado do mês de julho. Às sete e meia da manhã, eles já tinham andado por mais de cinco horas partindo de Canabrava e passado por outras sete aldeias. Eles se preparavam para subir a ladeira da Igreja de Nossa Senhora das Montanhas, na Aldeia de Vila de Cimbres, em Pesqueira, Agreste Central. Alguns chegaram vestidos com trajes típicos, saias de palha de coco e colares de sementes. Na mão, varas de cana-de-açúcar e instrumentos musicais próprios.
Tudo isso para homenagear a Mãe Tamain, associada a Nossa Senhora das Montanhas e considerada protetora do povo Xukuru. A celebração mistura espiritualidade e cultura, mas possui também reflexões políticas, como explica o cacique Marcos Xukuru, de 37 anos. “A caminhada traz exatamente esse simbolismo de que nós não podemos parar. A luta é contínua, foi a luta pela reconquista, agora é a luta pela manutenção dos direitos, é a luta pela garantia e a manutenção desse espaço sagrado.”
Fundado no século 17, o povoado dos Xukuru se encontra hoje em uma área de mais de 27 hectares ao longo dos municípios de Poção e Pesqueira, território homologado em 2001. Até o reconhecimento, a disputa pela terra motivou conflitos que resultaram, na década de 1990, nas mortes do procurador Geraldo Rolim, que defendia a regularização, e do cacique Francisco de Assis Araújo, o Xicão, pai de Marcos.
A população de índios em Pernambuco é de cerca de 48 mil, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena do Governo Federal. Dez territórios já tiveram o processo de demarcação concluído no Estado, segundo a Fundação Nacional do Índio, a Funai. Mesmo assim, episódios de violência demonstram que a tensão não está superada.
Recentemente, um incêndio destruiu uma casa sagrada do povo Pankará na Serra do Arapuá, em Carnaubeira da Penha, Sertão de Itaparica. O ataque, que queimou instrumentos, vestes, peças tradicionais e objetos de culto, teria sido motivado por disputa pelo território, que ainda não foi demarcado. Maria das Dores dos Santos, a cacique e vereadora Dorinha Pankará, de 52 anos, relata o desrespeito à cultura indígena. “A gente sofre essas perseguições e ameaças, têm momentos em que estamos no ritual e as pessoas colocam som alto para impedir, atiram pedra, gritam…”
A situação se repete com outros povos indígenas, como o Truká. Ailson dos Santos, conhecido como Yssô Truká, de 56 anos, sofreu um ataque em Caruaru, Agreste Central, quando se preparava para voltar para a aldeia no município de Orocó, Sertão do São Francisco. Ele foi atingido por quatro tiros vindos do carona de uma motocicleta. Apesar de evitar especulações sobre a motivação do crime, Ailson cita que enfrenta problemas relacionados à demarcação de terras. O líder indígena defende a apuração rigorosa do caso. “Estou com medo, eu tenho minha família, tenho a luta do meu povo, tenho uma série de questões para resolver e não estou me sentindo seguro para desenvolver minhas ações, mas preciso que as coisas se resolvam.”
A Secretaria Executiva de Direitos Humanos de Pernambuco informou que acompanha quatro lideranças indígenas, representantes dos povos Xukuru, Truká, Pankará de Itacuruba e Pankararu Entre Serras. Eles são protegidos porque estariam em situação de risco em razão da militância. O Ministério Público Federal aponta que, entre outros procedimentos, apura um homicídio na comunidade indígena Atikum, supostamente praticado por policiais militares. Também investiga agressões e ameaças contra indígenas da Aldeia Pankararu e casos de violência contra o povo Kapinawá.
O antropólogo da administração regional da Funai no Recife, Ivson José Ferreira, afirma que os atuais conflitos em Pernambuco diminuíram em relação aos da década de 1990. Mas, segundo ele, há uma tensão permanente em função da presença de não índios nessas terras e da pressão de grandes empreendimentos econômicos. Ele defende o fortalecimento das entidades de proteção aos indígenas. Do grupo Pankararu, a índia Elisa Urbano, de 44 anos, também pede mais políticas públicas voltadas para os índios, que, segundo ela, foram dizimados e desrespeitados ao longo da história brasileira. “O contexto histórico no Brasil em relação aos povos indígenas foi um etnocídio, o que a gente tem hoje é de resistência, em especial no Nordeste e Pernambuco, são povos que resistiram a uma demanda de etnocídio, de cultura, físico, enfim…”
Segundo o Censo 2010 do IBGE, o Nordeste tem uma população de cerca de 230 mil indígenas, a segunda maior do País, atrás apenas da região Norte. Entre os Estados, Pernambuco possui a quarta maior população autodeclarada indígena. O município de Pesqueira, visitado pela reportagem, abriga 9 mil e 300 índios, a sétima maior população indígena do País, em termos absolutos.