Os desafios do ensino de arte para crianças no Brasil

Em 12/10/2018
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“A arte existe porque a vida não basta”, disse o poeta maranhense Ferreira Gullar, durante uma palestra no Rio de Janeiro, em 2010. Para ele, a arte teria o papel de tornar a vida “mais rica, fascinante e encantadora”. Mas, para boa parte dos educadores, esse papel vai além: contribuir para a capacidade crítica e de compreensão do ser humano. Por isso, eles defendem que o ensino das artes comece cedo nas escolas.

Na Escola Waldorf do Recife, a arte permeia toda a prática de ensino, desde a educação infantil. A coordenadora pedagógica da escola, Kátia Galdi, explica que as crianças são estimuladas a desenvolver o agir criativo por meio da imaginação, da expressão corporal e do fazer artístico. “Aqui, a concepção de arte vai para a própria relação com a vida, não no âmbito tão profissional, mas na forma de você lidar com a vida, porque quando um ser humano se apropria das suas capacidades e se percebe superando as suas dificuldades, ele se torna um grande artista no centro da sua própria vida, e isso é o objetivo, entre outras coisas, da nossa escola.”

Na mesma linha, o professor de Arte-Educação da UFPE, Everson Melquiades, avalia que a arte é tão importante quanto a língua portuguesa, a matemática e as ciências. “A gente defende que o ensino de artes para a infância, ou na escola não é para formar um artista, mas é para a criança ter experiência com a arte e, a partir dela, desenvolver a sua cognição e seus processos de pensar.

O professor também é diretor da Escolinha de Arte do Recife, uma das pioneiras no Brasil. Fundada em 1953, foi concebida por educadores, intelectuais e artistas que defendiam a valorização do fazer e do pensar artístico das crianças. “Hoje, pode parecer algo simples, mas estou falando de década de 30, 40. Para esse período, criança nem era gente direito, quanto mais fazer arte? Então, era um escândalo você ensinar arte para crianças ou dizer que criança também produz arte.

A Escolinha de Arte é mantida por voluntários e atende atualmente cerca de 50 crianças. Ali, elas têm contato com diversas linguagens artísticas e são estimuladas a desenvolver a criatividade. Uma das abordagens pedagógicas é a chamada “proposta triangular”, desenvolvida pela arte-educadora Ana Mae Barbosa – referência na área no Brasil – como explica Everson Melquiades. “A professora Ana defende que a criança deve ter acesso à arte e deve ler e compreender obras de arte. Mas não só ficar na leitura e na compreensão. O professor deve contextualizar aquela obra para ampliar a compreensão da criança sobre ela; e depois a criança deve fazer.” 

O ensino de arte no Brasil foi incluído no currículo escolar a partir de 1971, e aplicado apenas como atividade. Ele só se tornou disciplina obrigatória na educação básica em 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Em 2008, a música se tornou conteúdo obrigatório e, em 2016, a dança, as artes cênicas e as visuais também foram colocadas como obrigatórias. As escolas têm até 2021 para se adequar, mas o maior desafio é a formação dos docentes.

Cláudio Anjos, diretor do Instituto Arte na Escola, associação civil que promove a formação continuada de professores, destaca que, dos mais de 500 mil educadores que lecionam artes nas escolas do País, apenas 6% têm formação específica. “Isso explica a baixa qualidade de propostas pedagógicas apresentadas aos alunos, independentemente da boa intenção dos professores.

Ele ressalta que a formação é importante para atualizar o professor do que acontece no mundo das artes e na produção de conhecimento artístico. “Mas é preciso também fortalecer as licenciaturas, reduzindo o déficit de docentes que se dedicam ao ensino de artes nas escolas brasileiras. A principal dificuldade é a falta de prioridade que a arte recebe na formulação de políticas educacionais. Isso se reflete no dia a dia da escola.”

Há cerca de vinte anos, o Instituto criou o Prêmio Arte na Escola Cidadã, que reconhece projetos inspiradores desenvolvidos por professores da área. O professor pernambucano Emanoel Guedes, do município de Itambé, na Mata Norte, foi um dos premiados em 2016, com uma proposta que levou a história, o valor artístico, os saberes e prática da cerâmica para alunos de uma escola da prefeitura. “Quando eu ingressei na rede municipal de Itambé, o ensino de arte, tanto pela inexistência de profissionais na área, como pela estrutura, ainda se pautava por atividades estereotipadas, desenhos mimeografados para colorir. A abordagem triangular que se pauta pela apreciação, reflexão, conhecimento e experimentação, era inexistente.

Emanoel afirma que as atividades geraram interesse e engajamento não apenas dos alunos, mas também da direção da escola. “A arte possibilita essa contribuição muito importante tanto na formação quanto no protagonismo, nas atitudes, no trabalho em grupo, no trabalhar a relação entre a pessoa, o ser humano, dentro de sua individualidade, mas também dentro de um trabalho em grupo.

Apesar do apoio, o professor ressalta que os arte-educadores ainda carecem de estrutura, material e, principalmente, de investimentos para a formação adequada e a promoção de uma educação mais ampla e justa para as crianças e adolescentes.