“Eu sou mãe de duas crianças autistas, de dez e nove anos, e digo que o óleo de canabidiol foi o divisor de águas da vida deles. Minha filha não andava, não falava, não sentia dor, nem sentia frio. Hoje, ela faz uso da escola regular, ela dança balé numa escola que prepara crianças para o Bolshoi. Então, eu digo que uma conquista dessa não é algo que se pense, que se avalie. Eu acho que essa lei, essa PL tem que ser deferida realmente. Ela tem que ser aceita, mas ela tem que ser aceita com o coração. Não prostituam a causa”.
A advogada Ane Ebrahim, assim como outras mulheres e mães que participaram, nesta segunda, de um debate na Assembleia Legislativa sobre a liberação do cultivo e da produção da maconha medicinal no Estado, evidenciaram que a cannabis se tornou uma questão de saúde pública. Projeto de lei neste sentido, apresentado pelo deputado João Paulo, do PCdoB, foi tema de Audiência Pública da Comissão de Justiça, que já distribuiu a matéria ao deputado Isaltino Nascimento, do PSB, para relatoria.
A expectativa de João Paulo é de que a proposta seja aprovada: “A Casa tem recebido de muito bom grado, seja pelo presidente da Comissão de Constituição e Justiça, o deputado Waldemar Borges, que desde o primeiro momento se colocou inteiramente à disposição, ou seja também pelo relator. É lógico que a Comissão vai discutir a constitucionalidade, mas nas Comissões de mérito também acredito que nós não vamos ter dificuldade nenhuma. O importante é que Pernambuco possa fazer esse gesto pra grande maioria dos pernambucanos que precisam muito da medicação a partir da cannabis”.
A proposta disciplina o plantio e o processamento da cannabis sativa para fins medicinais, veterinários, científicos e industriais, por associações de pacientes, nos casos autorizados pela Anvisa e pela legislação federal. Segundo o diretor da Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária, Apevisa, Josemaryson Bezerra, o parecer do órgão sobre a iniciativa é favorável. Ele observa que as exigências técnicas foram atendidas no projeto: “É preciso entender NPK do solo, o tempo que se coleta, que se colhe o vegetal, a modalidade de se fazer o processamento, a maneira, o tempo de replantar. Então, não é simplesmente ter um cultivo empírico, aleatório. Nós estamos falando de coisas técnicas, e falando-se de coisas técnicas, falando-se de procedimentos técnicos, aplicados ao medicamento, não temos dúvidas de que ele deve ser aprovado (aplausos)”.
O médico e professor da UFPE Rodrigo Cariri, destacou que são inúmeras as evidências clínicas sobre os benefícios da cannabis, e que não há mais dúvidas na comunidade científica. Mas Rodrigo salientou que o acesso aos medicamentos é prejudicado pela proibição do cultivo: “Hoje, nós já temos 15 medicamentos aprovados e disponíveis para aquisição em farmácias no Brasil. Alguns deles são produzidos no território nacional. Mas, pasmem, pasmem com o que eu vou dizer: a gente precisa importar. É como se a gente importasse macaxeira, mandioca, pra fazer a farinha de tapioca”.
Rodrigo Cariri citou o caso específico do medicamento importado Mevatyl, primeiro a receber o registro da Anvisa no país, em 2017, que chega a custar em torno de três mil reais nas farmácias, segundo o médico. Outra via para obter o tratamento são as associações privadas sem fins lucrativos. O fundador e diretor executivo da Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança, a Abrace, Cassiano Gomes, encaminhou um vídeo relatando a experiência da entidade, sediada na Paraíba, e a primeira do Brasil a produzir o óleo de cannabis medicinal em larga escala, e preço mais acessível.
Durante a Audiência Pública, o deputado Pastor Cleiton Collins, do PP, demonstrou solidariedade às famílias com dificuldade de acesso aos remédios e disse não ter dúvidas do efeito medicinal do extrato da cannabis. Mas revelou preocupação com a qualidade e segurança dos produtos: “Foi o que eu estava falando com a senhora Hélida, da importância, porque ela precisa do remédio pra amanhã. E por precisar desse remédio pra amanhã, se pensa, algumas outras pessoas, não é o caso de quem já está fazendo, ou se faz clandestinamente, pensando em fazer esse remédio sem uma regulação… Qual o critério da Anvisa de fiscalizar ou de ver a qualidade desse produto?”
A vereadora do Recife Michele Collins se colocou a favor do uso medicinal da cannabis, condenou o uso recreativo da planta, e lembrou que a pauta já está em debate no Congresso Nacional: “Nós já temos aqui em Pernambuco o Polígono da Maconha. Muita gente sabe a dificuldade que Pernambuco já teve e tem de controlar o tráfico ali naquela região, quantas pessoas, quantas famílias já perderam as suas vidas. E nós deveríamos pensar relacionado a como é que nós vamos cuidar disso aqui no Estado. Então, é justamente isso que está se discutindo lá em Brasília, e agora Pernambuco traz a discussão, no meu ponto de vista uma discussão inócua neste momento”.
O presidente da Comissão de Justiça, deputado Waldemar Borges, do PSB, enfatizou que o projeto em discussão na Alepe não é acerca da liberação do uso da maconha, mas sobre um remédio. E que o tema do consumo recreativo precisa um dia entrar na pauta do Legislativo sem hipocrisia, discutindo formas de disciplinar a produção e o comércio da substância.
Já o defensor público federal André Carneiro Leão apontou o viés “preconceituoso e classista” do mais recente regulamento da Anvisa que proibiu o plantio da cannabis, afastando o medicamento da população vulnerável. Na mesma linha, a defensora pública estadual Luana Melo alertou sobre a falta de acesso de pacientes do interior aos medicamentos feitos da planta medicinal.