Burocracia ameaça artistas de circo no Brasil

Em 14/09/2018
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Numa parede da casa de Índia Morena, no bairro da Muribeca, em Jaboatão dos Guararapes, Região Metropolitana do Recife, estão expostas fotos do esplendor dessa artista de circo de 75 anos de idade. Ela foi contorcionista, trapezista voadora, acrobata, cantora, ginasta e atriz circense. Em 2006, tornou-se Patrimônio Vivo do Estado. Índia, que chegou a dirigir 40 artistas no Gran Londres Circo, criado em 1977, lamenta que a arte circense esteja acabando devido à burocracia. “Um imposto de mais de mil reais, tem vez quando chega num lugar e não ganha nem isso. Aí vem o meio ambiente, a Emlurb, a Urb, Corpo de Bombeiros… E se a gente pagasse essa taxa e fosse esse negócio por ano ainda dava pra gente tá fazendo alguma coisa, mas sendo que não dá.”

A cerca de dois mil e setecentos quilômetros da casa de Índia, na cidade de São Paulo, o presidente da Associação Brasileira de Circo, José Wilson Leite, avalia que as iniciativas públicas em favor da arte circense são pontuais e lamenta o fato de haver prefeituras que se recusem a receber os circos em suas cidades. Assim como Índia Morena, ele reclama do que parece ser um drama nacional: a burocracia para se instalar um circo. “A gente tem que apresentar 39 documentos diferentes. É um absurdo! É um absurdo. Aí você muda de uma cidade pra outra é a mesma coisa, tem que fazer tudo de novo. Cada trinta dias temos que fazer isso. É A-R-T elétrica, planta do circo é tanta coisa que eles ‘inventa’ que é terrível, inviabiliza você de trabalhar”.  

Há vinte anos, o pesquisador e gestor público Williams Sant’Anna encarna o palhaço Chicó. O artista considera fundamental a presença da família para a existência do circo e lamenta a fragilização das relações trabalhistas e a dificuldade que os circenses têm de comprovar o tempo de serviço na época da aposentadoria. “O circense não comprova nada, então ele tem uma grande dificuldade de aposentadoria, ficando restrito à aposentadoria por idade. Só que é um trabalho que exige muito do físico, então um circense com 50, 60 anos ele já está com dificuldade de trabalhar”.

Em Pernambuco, parte dos recursos para a montagem de espetáculos, pesquisa, capacitação e apoio à itinerância de circos vêm do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura, o Funcultura, que destina cerca de R$ 1,3 milhão para o setor. Outros 150 mil reais deverão vir do Prêmio Palhaço Cascudo de incentivo às artes circenses, instituído por  decreto e que deve ser lançado em 2019.

Segundo dados da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco, a Fundarpe, existem pelo menos treze circos no estado, além de sete escolas e projetos sociais com foco na arte circense e outras treze trupes. O órgão informa, por meio de nota, que “está em curso a elaboração da campanha ‘Pernambuco Recebe o Circo de Braços Abertos’. A iniciativa inclui uma cartilha, a ser distribuída entre os circenses, e a articulação com os dirigentes municipais”.

Pelo lado dos municípios, prefeitos também relatam as próprias dificuldades, principalmente por falta de áreas públicas. A prefeita de Brejinho, no Sertão, Tânia Maria confirma o velho ditado circense que fala em vender o almoço para comer o jantar. “A gente nunca deixou eles na mão. Sempre aparece algum espaço lá e eles ficam lá uma semana, duas. E quanto a essa questão dessa tarifa de impostos, a gente muitas vezes nem cobra, porque eles vem com tanta dificuldade, às vezes pedem até o dinheiro do combustível para voltar”.

Nesse cenário, entre lembranças e saudades, Índia Morena confessa sua dor e encontra consolo na poesia. “No circo é como na vida: palhaços, bailarinas, equilibristas e mágicos riem, vivem e amam. Às vezes choram e se desesperam. Eternos personagens. Mesmo nos dias mais cinzentos, quando tudo parece sem esperança, quando as lantejoulas perdem o brilho, a gargalhada não tem eco, somos obrigados a vestir nossas máscaras e fantasias para mais um espetáculo.”

Para valorizar essa arte milenar, a Alepe incluiu o dia 27 de março, no Calendário de Eventos do Estado, como o Dia Estadual do Circo e do Artista Circense.