Mais de um terço dos municípios pernambucanos não possuem profissionais capacitados para diagnosticar o transtorno do espectro autista e realizam atendimento em unidades básicas de saúde sem as condições adequadas. O dado vem de um levantamento feito pelo Tribunal de Contas de Pernambuco, apresentado durante audiência pública promovida pela Comissão de Cidadania da Assembleia Legislativa nesta quarta, para debater a importância da conscientização do autismo.
Segundo o auditor do TCE, João Francisco Alves, o Tribunal avaliou como falho ou inexistente o atendimento do autismo em Pernambuco porque faltam políticas públicas capazes de garantir direitos como saúde e educação.“Hoje o Estado de Pernambuco não gasta qualquer valor específico para a temática do autismo. Não gasta. Não tem valor, não tem no seu orçamento. Por exemplo: Paraíba tem um centro específico para o TEA, Bahia, o Estado do Pará já vai no quinto núcleo especializado no atendimento de pessoas autistas. A gente faz uma pergunta: o Pará e Pernambuco tem uma diferença significativa em relação a orçamento? Não tem.”
A fila por diagnóstico chega a 10 mil famílias segundo estima a presidente da Comissão de Cidadania, deputada Dani Portela, do PSOL. Ela acrescentou que depois de conseguir diagnosticar, as dificuldades continuam. “Na última reunião desta Comissão, nós escutamos mães autistas do município de Olinda que vieram pra cá pra relatar que o município está fazendo rodízio com seus filhos. Diz: não venha para aula porque não tem assistente para ficar com seu filho hoje. Então tem um assistente na escola, aí a escola avisa: hoje vem o filho de uma, amanhã vem o filho da outra, então a criança está indo uma vez por semana para a escola, no máximo duas, e eu sei que isso não é uma realidade isolada de Olinda.”
A parlamentar relatou também que o convívio com o enteado, um adolescente autista de 14 anos, mostra a necessidade de políticas que se estendam para além da infância. A opinião é compartilhada por Cínthia Cardoso, do Projeto Inclusão é Vida e mãe de Nuno, um adolescente de 13 anos com autismo. Mesmo sendo diretora de uma clínica, ela relatou dificuldade para conseguir profissionais para atendê-lo, e disse que os planos de saúde também passam a recusar tratamentos quando os pacientes deixam a pediatria.
O diagnóstico fora da infância é um desafio na visão do médico psiquiatra João Carlos Leitão, que também é autista e convive com falta de preparo dos próprios colegas. Ele acredita que o número de dois milhões de brasileiros com autismo, 1% da população, está subnotificado, e alertou para os prejuízos do diagnóstico tardio. A criação de Centros de Atendimento Psicossocial específicos para neurodivergentes foi uma das propostas apresentadas, já que as unidades, quando existem, são voltadas a outras questões, como a dependência de álcool e drogas.
“A gente não é dependente químico. Onde é que se encaixa? Na verdade, as pessoas no espectro autista elas têm transtornos de hiperfoco, transtornos sensoriais, transtornos de aprendizagem, transtornos de habilidade sociais.”
Outras dificuldades relatadas nas falas dos participantes foram a falta de oportunidade no mercado de trabalho, negativa de matrículas e de transporte. Eles reclamaram da ausência do Governo do Estado, que não enviou representante ao encontro. Também cobraram os resultados das outras audiências públicas já realizadas na Alepe e também da Comissão Especial do Autismo, instalada no ano passado.
A deputada federal Clarissa Tercio, do PP de Pernambuco, garantiu que os pleitos recebidos pelo Legislativo são encaminhados aos órgãos competentes e aos representantes do Poder Executivo. O debate foi presidido pelo deputado Pastor Júnior Tércio, do PP, e também teve a participação do deputado João de Nadegi, do PV.