“A vida depois da zika”: expectativas para o futuro das crianças com microcefalia

Em 04/08/2017
-A A+

“O que a gente já escutou foi o quê? O pessoal da área de saúde desestimulando a gente: ‘ah, para esses meninos da microcefalia, causada pela Síndrome da Zika, não vai adiantar muito, a gente não está vendo muito resultado’. Eu não posso dizer isso, eu passo 24h com ele, eu vejo.”

A apreensão de Daniele Santos, mãe de Juan Pedro, que nasceu em Pernambuco há um ano e meio com microcefalia, resume o sentimento de muitas mulheres. Elas veem a evolução dos filhos, ainda que lenta, e têm medo de perder o apoio do Estado no tratamento das crianças. Susana Lima, mãe de Wilian Gabriel, de um ano e sete meses, percebe uma queda na repercussão da epidemia. “Estacionou mais, porque não tem tanta mídia mais em cima, não tem tanta cobrança mais.”

Quem vem do interior para receber atendimento no Recife muitas vezes depende das prefeituras para conseguir transporte. Ana Paula de Souza traz João Miguel, de um ano e sete meses, de Sanharó, no Agreste Central, e conta com o apoio da gestão municipal. “Eu venho quatro vezes na semana, só é ligar e eles mandam o carro. O leite eles me dão, toda semana. Eles me dão duas latas por semana.”

Mas a assistência não é igual em todos os municípios. A descentralização do tratamento foi uma das necessidades identificadas pela Comissão Especial de Acompanhamento dos Casos de Microcefalia, criada em dezembro de 2015 pela Assembleia Legislativa de Pernambuco. O colegiado encaminhou ao Governo informações para otimizar o atendimento, como destaca a presidente da Comissão, deputada Socorro Pimentel, do PSL. “Colocamos no relatório que precisaríamos, em várias regiões, de uma equipe multiprofissional o mais perto possível de crianças que têm a Síndrome Congênita do Zika Vírus e que moram em regiões distantes, que não têm acesso a esse tipo de especialista.”

A Diretora Geral de Políticas Estratégicas da Secretaria Estadual de Saúde, Flávia Magno, explica que o Governo tem apoiado a estruturação do atendimento nos municípios, para evitar o deslocamento das crianças. “Nasf é o Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Tem fisioterapeuta, tem fonoaudiólogo, tem terapeuta ocupacional, tem psicólogo… Cada município tem autonomia de montar o seu Nasf, e o Estado tem dado o suporte para que eles estejam fortalecidos, não só para as crianças com microcefalia por zika vírus.”

A rede de assistência precisa atender às necessidades de cada caso, já que os efeitos da Síndrome Congênita do Zika Vírus variam em intensidade e em área afetada. O desenvolvimento de João Miguel, nascido em outubro de 2015, é uma surpresa para os médicos e uma injeção de ânimo na mãe, Rosileide Maria. “João começou a andar com um ano e três meses. Foi quando ele firmou mesmo e deu os primeiros passos. E ele está agora em um grupo de linguagem, para estimular a fala.”

Dois anos após o início do surto, em breve, as crianças vão entrar na idade escolar, e a rede de atenção vai ter que se expandir para o campo educacional. A Diretora Geral de Políticas Estratégicas da Secretaria Estadual de Saúde, Flávia Magno, afirma que Pernambuco vai oferecer educação inclusiva para as crianças com microcefalia. “Já está sendo articulado com a Secretaria de Educação para que eles estejam se preparando, porque essas crianças vão chegar como todas as outras crianças de uma paralisia cerebral, de uma neuropatia que hoje já também estão sendo acompanhadas.”

Frequentar a escola vai ser o primeiro passo para que as crianças nascidas com a Síndrome Congênita do Zika Vírus possam construir o próprio futuro. E, enquanto a ciência ainda tem dúvidas sobre como elas vão se desenvolver, em Pernambuco mais de quatrocentas mães como Vitória, Rosicláudia, Daniele e Eliane seguem na torcida por dias melhores. “Que ela consiga ter um futuro digno. Eu sei que vai demorar, mas ela vai conseguir.” “Eu espero que ela surpreenda cada vez mais.” “O meu plano, do meu Juan, iria estar ali, jogando bola. Aí hoje eu já penso o quê? Tem o futebol dos meninos especiais.” “Independente se Davi vai andar, se Davi vai falar, não importa. Ele estando bem, com essa saúde estável, esteja comigo, está bom.”