Maquiagem, depilação, unhas feitas, cabelos escovados, corpo em forma, salto alto e roupa da moda. Além de cuidar de jornadas duplas ou até triplas dentro e fora de casa, as mulheres ainda têm de se preocupar com todo um arsenal estético que consome tempo, dinheiro e energia. É que para a maior parte da sociedade, uma mulher só é considerada “bonita”, “bem cuidada” ou até mesmo “bem sucedida” quando atende aos padrões de beleza impostos.
A engenheira civil Leila Costa, por exemplo, tem 48 anos e assume que investe alto em academia, procedimentos estéticos e em rotinas alimentares rígidas. Ela afirma que se sente cobrada a se manter jovem e bonita o tempo todo. “E a gente até se submete a coisas dolorosas, como um laser, que não é um procedimento indolor, é um procedimento que dói, que queima um pouco. E sinto demais, sinto no trabalho, nos clientes, nas amigas, em tudo.” Leila admite que não seria tão dura consigo mesma se não existisse toda essa cobrança. “A impressão que eu tenho é que a mulher é uma ilha cercada de pressão por todos os lados. A pressão por ser mãe, ser profissional, ser bonita, estar disponível, cuidar da casa.”
Para a vice-presidente do Conselho Regional de Psicologia de Pernambuco 2ª Região, Patrícia Guimarães, o maior problema é quando a preocupação com a beleza se torna excessiva. “A mulher ser vaidosa não tem problema, a mulher querer se arrumar, dar uma retocada, não tem problema nenhum. Ela só não pode ficar escrava dos padrões de beleza, fazer sacrifícios, muitas vezes abrindo mão da própria vida.”
Educadora do Instituto Feminista para a Democracia SOS Corpo, a socióloga Sílvia Camurça também alerta que a busca por um ideal de perfeição é sempre inalcançável. “Você vai criando uma compulsão tão consumista quanto a de comprar sem parar, como se cada nova cirurgia ou cada novo creme de cabelo, de pele, ou cada novo tom de esmalte ou cor de batom fosse tornar você perfeita. E a perfeição não existe.”
Ela ressalta, ainda, que boa parte das doenças femininas, como o câncer de mama, estão relacionadas ao uso de produtos de beleza com ingredientes que intoxicam o corpo, como os parabenos, presentes em cremes e xampus, e o chumbo, usado em batons e tinturas para cabelo. “É muito legal a gente botar um batom bonito, com a cor linda, para chamar atenção numa festa, ou num momento especial. Mas não poder sair de casa sem isso, é uma repulsa de estar ao natural que a gente deveria pensar duas vezes para saber o que é que está acontecendo.”
O Brasil é o segundo país no mundo onde mais se fazem cirurgias plásticas e tratamentos de beleza. É também o segundo maior mercado de academias, e o quarto em cosméticos. A ditadura da beleza atinge todas as pessoas, independentemente de classe social. Mas a pressão é muito maior sobre as mulheres. Para a professora do curso de Ciências Sociais da UPE, Vânia Fialho, isso acontece porque, historicamente, a mulher sempre ocupou lugar de menor prestígio na estrutura social. “É como se o seu corpo, suas vontades pudessem também ser modeladas a partir dessas imposições, pouco importando os seus próprios desejos.”
Sílvia Camurça destaca que essas imposições refletem uma opressão machista sobre os ideais estéticos femininos. Nos Estados Unidos, as roupas usadas pela ex-primeira-dama Michelle Obama sempre causavam expectativa e frisson na imprensa. Em um evento, ela chegou a desabafar sobre o tratamento que recebia em comparação ao marido: disse que as pessoas comentavam sobre seu visual, mas nunca repararam que, por oito anos, o ex-presidente Obama havia usado o mesmo terno e os mesmos sapatos.
Vânia Fialho lembra que esse tipo de pressão também serve para alimentar a indústria da beleza. “Nós estamos falando de um padrão de beleza que tem a ver com a dinâmica do capital, que tem a ver com as ideias que são colocadas na mídia, com os ideais e os modelos que são veiculados e que estão atrelados também a outros interesses. Então, na verdade, se descolar desses modelos, de alguma maneira, coloca em xeque o próprio domínio dessa indústria da beleza.”
A professora de Comunicação da UFPE Carolina Dantas acrescenta que a mídia também é uma das grandes responsáveis pela perpetuação da ditadura da beleza sobre as mulheres. “A gente vai vendo esses padrões muitas vezes, repetidamente, continuamente, desde que somos crianças, e nós acreditamos que esse padrão é o melhor para a gente, e tentamos reproduzir esse padrão.” Para a professora, as redes sociais também acabam replicando esse comportamento. Mas ela pondera que, por outro lado, elas também podem ajudar a romper com os padrões. “É através das redes sociais que surgem movimentos como cachos poderosos; movimentos de mulheres gordas, mostrando que seus corpos não-padrões são bonitos, são desejados; movimentos de pessoas com deficiência mostrando que seus corpos são também poderosos, são úteis e interessantes para a sociedade.”
É o caso da jornalista e digital influencer Vanessa Campos, pernambucana que reside em Brasília, no Distrito Federal. Com mais de dez mil seguidores no Instagram, ela usa o perfil para combater a gordofobia e questionar padrões estéticos. Vanessa criou o perfil para criticar blogueiras que ditam moda e perpetuam padrões engessados de beleza, mas mudou o tom ao perceber que elas também eram vítimas da sociedade. Hoje, ela foca em transmitir mensagens de autoaceitação às mulheres. “O processo de libertação é diário. É de se olhar com mais generosidade, é de entender o seu corpo e de entender quem você é, seja gordo, seja magro, seja baixo, seja alto… todos nós passamos, em algum momento, por uma pressão estética.”
A professora Carolina Dantas concorda com a eficiência desse tipo de abordagem. Para ela, o melhor caminho é o da conscientização, especialmente no ambiente doméstico, nas escolas e nos círculos afetivos.