Na voz de Manuel Bandeira, os versos de “Evocação do Recife” lembram uma cidade que deixou marcas profundas no coração do poeta. Quando criança, viveu oito anos na capital e registrou recordações em vários trechos de sua obra, considerada um clássico da literatura brasileira. No próximo dia 13 de outubro, faz 50 anos que Bandeira morreu, aos 82 anos de idade. Deve ter ido embora pra Pasárgada, parodiando outro poema famoso do pernambucano, que remete a um mundo imaginário onde ele sonhava viver para sempre.
Manuel Bandeira nasceu no Recife em 19 de abril de 1886. Viveu no município até os quatro anos, depois se mudou e voltou à cidade para morar dos seis aos dez anos de idade. No sobrado 263, na rua da União, na Boa Vista, ficava a casa do seu avô materno, que foi inclusive deputado geral, onde o menino Manuel residiu e imortalizou personagens e versos. No casarão neoclássico, desde 1986 funciona o Espaço Pasárgada, que abriga produções literárias e atividades de artes e que foi criado para celebrar o centenário de nascimento do poeta. A gestora Marília Mendes destaca a importância da casa-museu: “Ele diz que esse tempo que viveu aqui, na rua da União, marcou a vida dele definitivamente e toda a sua obra. Aqui, a casa tem essa memória. Quem conhece os poemas de Manuel Bandeira, (…) chega aqui e se encanta por saber que ele viveu aqui. Isso é a maior poesia que essa casa tem.”
Esse Recife mítico está muito presente na obra de Bandeira, alinhavado com saudosismo e melancolia, e foi curiosamente despertado por um convite do sociólogo Gilberto Freyre, como relata o professor de graduação e pós-graduação em Letras da UFPE, Anco Márcio Vieira: “Gilberto Freyre, que era primo de Manuel Bandeira, manda uma carta para Bandeira pedindo que ele escreva um poema sobre o Recife. Bandeira (…) acha aquilo estranhíssimo e até manda outra carta para Mário de Andrade dizendo: meu primo Gilberto Freyre pediu pra eu escrever um poema sobre o Recife. Mas eu nunca escrevi poema por encomenda. Uma semana depois ele escreve outra carta para Mário de Andrade dizendo: escrevi um poema que saiu de uma vez só.”
Manuel Bandeira é um dos grandes escritores do século 20. É considerado o precursor do modernismo, movimento literário e artístico que rompeu com o tradicionalismo e instituiu o verso livre, sem a obrigatoriedade da contagem de sílabas. Autor de quatro livros sobre Bandeira, o escritor André Cervinskis destaca a importância do poeta nesse contexto: “Ele era como se fosse o pai, a pessoa que aconselhava, que tinha muita amizade com os expoentes da época. Ele tinha uma influência muito grande na elite cultural do Rio de Janeiro. Poetas jovens, iam conversar com ele.”
O professor Anco Márcio define o perfil de Bandeira: “O poeta das coisas simples, (…) que usa palavras cotidianas, mas na verdade a sua poesia encerra uma profundidade imensa, uma reflexão imensa sobre o homem, o dia a dia, as injustiças sociais.”
O habitante do mundo imaginário de Pasárgada escreveu prosa, crônicas, ensaios, traduções, críticas de arte e antologias. Sua obra tem também toques de ironia, erotismo e crítica social. Marília Mendes ressalta esse último aspecto: “Manuel Bandeira era um poeta que tinha muita consciência do espaço em que ele vivia. Ele usava também a poesia como um instrumento de luta e de reivindicação das necessidades que ele via.”
André Cervinskis complementa, observando o lado crítico do cronista: “Tem uma crônica onde ele diz: eu queria o Recife da minha infância egoisticamente. E o Recife hoje é uma cidade sem jardins. Recife agora está com arranhas-céus, com trânsito.”
O primeiro livro de Bandeira foi “A Cinza das Horas”, de 1917, e o último, Estrela da Vida Inteira, de 1965. Professor e membro da Academia Brasileira de Letras, ele passou a vida sob a sombra da morte, porque ficou tuberculoso em 1904, o que atrapalhou seus estudos e fez com que precisasse de tratamento no Brasil e na Suíça.
Em homenagem à morte do escritor, a Escola Poeta Manuel Bandeira, na Ilha do Leite, vai promover apresentações de poemas e outros trabalhos de alunos do Ensino Médio na Feira de Conhecimentos, em outubro.
A presença de Bandeira na cidade será também lembrada com exposições, palestras e saraus do Espaço Pasárgada e com uma trilha a pé organizada pela prefeitura, no próximo dia 20 de outubro, das duas às quatro e meia da tarde, com saída da praça do Arsenal, no Bairro do Recife.