Quem nunca entrou em uma discussão sobre política, religião ou futebol? Em tempos de redes sociais, os embates de opinião estão potencializados e, infelizmente, tudo pode terminar em confusão ou até mesmo em mágoa e brigas desnecessárias. É possível conviver no espaço virtual, no ambiente familiar, no trabalho e até mesmo em áreas de guerra com mais empatia e menos críticas. Em busca desses objetivos, o psicólogo norte-americano Marshall Rosenberg desenvolveu um método para facilitar as interações humanas.
Inspirado na filosofia do pacifista indiano Mahatma Gandhi e disposto a atuar para o fim da segregação racial em escolas dos Estados Unidos nos anos 1960, Rosenberg criou a Comunicação Não Violenta. O primeiro passo para usar o método é tomar consciência do modelo de comunicação em que a maioria das pessoas está inserida, baseado em julgamentos morais, generalizações e rótulos. É o que explica o coordenador do Espaço de Diálogo e Reparação da Universidade Federal de Pernambuco, professor Marcelo Pelizolli: “Uma tomada de consciência do modelo de comunicação agressivo, cheio de julgamentos, cheio de obstáculos que afasta as pessoas e não tem transparência. Não consegue transmitir realmente aquilo que está em jogo quando as pessoas querem algo.”
Ao evitar esse modelo, favorecemos a aplicação da técnica da Comunicação Não Violenta, abreviada pela sigla CNV. Ela já foi posta em prática até mesmo para mediar guerras como a da Sérvia, na Europa, e em Ruanda, na África. No Brasil, organizações sociais, universidades e até o Poder Judiciário vêm desenvolvendo pesquisas e usando esse recurso que, além do contexto de confrontos armados, pode tornar mais tranquilos os embates verbais do cotidiano.
A necessidade de melhorar esse processo existe, já que a linguagem é usada na maior parte do tempo de forma agressiva, baseada na exploração entre os semelhantes e em chantagens, como acredita o professor Marcelo Pelizolli. Ele explica que desse modo, a transparência é deixada em segundo plano e as pessoas ficam incapacitadas de perceber até mesmo as próprias demandas: “A CNV vai ensinar a gente a se focar no essencial que é falar das necessidades, do que você precisa porque é sempre o que está em jogo por baixo dos conflitos. E do que a gente sente. Como a gente se sente na situação, se sente melhor, se se sente bem, vai relatar isso e vai começar a reorganizar a nossa linguagem.”
A meta é trocar julgamento por observação, diferenciar sentimentos e opiniões e ser capaz de expressar de forma objetiva e verdadeira as necessidades que se quer alcançar. O médico Thales Lopes se interessou por essa estratégia, leu livros, participou de cursos, e começou a utilizar a CNV tanto no consultório, quanto na vida pessoal. De acordo com o clínico-geral, as mudanças foram rápidas: “Eu percebo que as pessoas se sentem mais à vontade quando estão comigo. Eu aprendi a ouvir mais elas. Hoje eu consigo lidar melhor com minha raiva, com a raiva dos outros também. Às vezes chega uma pessoa com raiva e, em vez de confrontar ou de querer aconselhar, eu uso a Comunicação Não Violenta. Percebo que a raiva dessa pessoa diminui.”
Os praticantes da CNV acreditam que todo ser humano é em algum nível familiarizado com a compaixão, o sentimento de simpatia pela dor do próximo que provoca a sincera vontade de fazer algo para diminuí-la. Exemplo disso são as interações nas redes sociais e nos aplicativos de troca instantânea de mensagens. Thales diz que as confusões que tendem a ocorrer nesses ambientes virtuais podem ser reduzidas pela CNV: “Primeiro você não está vendo a pessoa ao vivo. Então, a chance de você interpretar o que a pessoa está falando de modo completamente diferente do que ela queria é muito grande. Com a Comunicação Não Violenta você vai expressar de forma honesta o que está acontecendo com você. Vai ser algo que você vai falar de dentro para fora. A outra pessoa vai ouvir qual é o sentimento, qual é a necessidade que você está querendo expressar para ela.”
A pessoa que consegue conhecer as próprias necessidades e informar os outros sobre elas tem maior probabilidade de ser atendida. Ao escutar verdadeiramente as necessidades do interlocutor, também é natural que surja a disposição para ajudar. Dessa forma, a CNV é um caminho para que as demandas de cada um sejam conhecidas, o que facilita o acordo e o trabalho conjunto pelo bem de todos.