Reféns do trânsito

Em 24/05/2018 - 15:05
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MEDO - Com jornada de 14 horas diárias, Cássio teme adoecer e não ter como sustentar a família. Foto: Kerol Correia

MEDO – Com jornada de 14 horas diárias, Cássio Reis teme adoecer e não ter como sustentar a família. Foto: Kerol Correia

Carolina Flores

Imagine dirigir, em média, 14 horas por dia, tendo como ambiente de trabalho as ruas da cidade com o trânsito mais lento do País. Essa é a rotina do recifense Cássio Reis, 29 anos de praça. Esgotado e sentindo dores pelo corpo, ele tem receio de ir ao médico e “encontrar” problemas: “O medo que o taxista tem hoje é de adoecer, por não saber como vai sustentar a família”, desabafa o motorista.

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Formado em Administração de Empresas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Cássio aponta que a chegada dos aplicativos de carona remunerada mudou para pior a rotina já exaustiva. Ele chora ao falar que não consegue mais dormir direito, conviver com os filhos ou passear – dedica-se, em tempo integral, a tentar vencer a disputa pelos passageiros. Dono do próprio táxi, a renda que obtém é usada em despesas de primeira necessidade e para pagar as prestações do carro.  Continua na praça por amor à profissão.

Carla Coutinho lamenta que a crise da profissão não seja levada ao conhecimento do público: "muitos não aguentam o desgaste emocional". Foto: Kerol Correia

CRISE – Carla Coutinho lamenta pouca visibilidade da situação: “Taxistas em todo o Brasil estão sofrendo”. Foto: Kerol Correia

O medo de ter a principal fonte de renda encolhida em razão do aumento da concorrência circula pelas praças de táxi mundo afora. O desgaste emocional intenso chega a levar alguns ao suicídio, como o motorista norte-americano Douglas Schifter, que se matou em fevereiro deste ano. Ele deixou uma nota no Facebook na qual afirmava preferir morrer a continuar sendo um “escravo”. Schifter escrevia para um blog sobre a indústria do táxi e defendia que a Prefeitura de Nova Iorque controlasse o número de licenças emitidas para regular a competição entre os táxis amarelos – os tradicionais yellow cabs – e os veículos de transporte individual.

A taxista recifense Carla Coutinho, 14 anos de praça, lamenta que a crise da profissão não seja levada ao conhecimento do público. Ela conta que, somente no Recife, ocorreram recentemente seis casos de suicídio, que não foram divulgados pela imprensa. “São pais de família que não suportaram a pressão, o desgaste emocional. Nós temos cerca de um milhão de taxistas em todo o Brasil que estão sofrendo”, denuncia.

Faixa Azul

No Brasil, os taxistas continuam resistindo às mudanças no mercado de transporte individual. E essa mobilização já surtiu efeito legislativo. Em abril passado, a Prefeitura do Rio de Janeiro foi mais uma gestão municipal a emitir decreto taxando as empresas que operam o serviço de carona remunerada.

box-transito-capitaisJá está sendo elaborada resolução semelhante para a Capital pernambucana, como antecipou o secretário de Mobilidade e Controle Urbano do Recife, João Braga. Segundo ele, a Prefeitura tem buscado racionalizar o uso da malha viária, permitindo, por exemplo, que táxis usem a faixa azul, mesmo sem passageiros. Na avaliação do presidente do Sindicato dos Taxistas de Pernambuco (Sinditaxi-PE), Gilvan Andrade, a ampliação dos corredores exclusivos, aguardada pela categoria, “deve resolver de vez a questão da mobilidade para os taxistas do Recife”.

Se, por um lado, esse profissional depende de intervenções do Poder Público, existem atitudes simples que o motorista pode adotar por conta própria e, com isso, preservar a saúde. A fisioterapeuta Mariana Dornelas sugere que, mesmo sob pressão para faturar mais corridas, os taxistas façam pequenas pausas. Ela orienta que, a cada viagem, ou a cada hora, o motorista crie o hábito de descer do carro, esticar as pernas, fazer bombeamentos de panturrilha, alongando pernas e braços.

“É comum que o taxista carregue a carteira no bolso, o que pode comprimir o nervo ciático, intensificando a dor.”

Mariana Dornelas, fisioterapeuta

A especialista lembra que trabalhar sentado por muitas horas pode causar problemas de saúde, como dor nas costas, e ainda alguns hábitos podem agravar esse quadro. “É comum que o taxista carregue a carteira no bolso, o que pode comprimir o nervo ciático, intensificando a dor”, alerta Mariana.

O Sinditaxi-PE possui convênio com uma operadora de saúde que oferece aos motoristas cobertura com a metade do preço de mercado.  Mas o presidente da entidade explica que, devido à “crise do País e aos aplicativos”, a adesão ao plano é muito baixa entre a categoria. Manoel Bezerra, 54 anos, taxista há 20, prefere pagar consultas e exames em clínicas populares a “perder um dia de trabalho” em um hospital público à espera de atendimento médico. “Fui obrigado a cortar o plano de saúde para fechar as contas no fim do mês”, relata.