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Em 05/04/2018 - 14:04
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Isabela Senra e Tayza Lima

Ver a filha estudar na universidade era uma realidade distante para os pais da professora de Química Josiane Paulo, 33 anos, primeira da família a ter um diploma de graduação. “Os dois disseram que seria bem difícil, mas me apoiaram”, lembra. “Por sempre ter estudado em escola pública, houve bastantes lacunas no meu ensino. Quando consegui concluir o curso, vi felicidade neles, foi muito especial.”

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Terminar o curso superior é um sonho que muitos brasileiros, como Josiane, já conseguem realizar. De acordo com o índice de escolaridade revelado no Censo Demográfico, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a cada década, o número de pessoas que têm Ensino Superior completo mais que dobrou no País entre 2000 e 2010: passou de seis milhões para quase 13 milhões.

13 mide brasileiros possuem Ensino Superior completo, segundo último censo do IBGE (2010).

De acordo com o Censo do Ensino Superior de 2016, o mais recente divulgado pelo Ministério da Educação (MEC), mais de um milhão de estudantes concluíram a Educação Superior naquele ano. A maior parte deles se formou na rede particular, responsável por quase 75% dessas instituições no Brasil.

Pró-reitor de Ensino do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), o professor Assis Leão aponta os desafios da expansão das entidades particulares nas últimas décadas. “O Estado tem que estar atento para regular, porque são duas naturezas distintas de Educação Superior: a privada, que contempla a lógica do lucro, e a público-estatal, no âmbito mais social”, analisa.

Para uma unidade de Ensino Superior começar a funcionar, ela precisa de autorização do MEC. “As instituições apresentam propostas curriculares de cursos e documentos comprobatórios de constituição de empresa jurídica e sustentabilidade financeira, que serão avaliados. É preciso estar de acordo com as diretrizes curriculares de cada área de formação: quantidade de horas, disciplinas, atividades práticas e laboratoriais e estágios supervisionados”, explica o secretário de Regulação e Supervisão da Educação Superior do ministério, Henrique Sartori.

Uma vez autorizado, o curso passa por um processo de reconhecimento, para que a entidade possa expedir diplomas. O Censo do Ensino Superior indica que o Brasil tem 34 mil cursos de graduação, ofertados em 2,4 mil instituições. A nota conferida pelo MEC é um fator decisivo para os vestibulandos escolherem onde estudar, em meio a tantas opções. A avaliação é periódica, e os resultados variam de um a cinco pontos.

REGULAMENTAÇÃO - Para uma unidade de ensino superior começar a funcionar, ela precisa de autorização do MEC. Foto: Henrique Genecy/Arquivo

REGULAMENTAÇÃO – Para uma unidade de Ensino Superior começar a funcionar, ela precisa de autorização do MEC. Foto: Henrique Genecy/Arquivo

Mais da metade dos estabelecimentos do Estado estão dentro da média de três pontos, observa Assis Leão. “No último levantamento que fizemos, partindo do e-MEC 2016, Pernambuco tinha 108 entidades de Educação Superior, sendo 62% delas com conceito 3, e 32% com nota 4. Já 5% das instituições têm média 2, e apenas 1% tinha alcançado 5.”

Se uma instituição ou curso específico já em funcionamento não atingir a nota média, é feito um termo em que ela se obriga a atacar os pontos negativos, esclarece o secretário de Regulação do MEC. “Cumprindo esse acordo, o curso volta à normalidade. Caso contrário, deixa de existir. Os alunos recebem diploma, mas o estabelecimento não poderá mais ofertar aquele curso”, resume Sartori.

A supervisão do órgão federal ajuda a evitar que os estudantes sejam enganados por entidades que atuam na ilegalidade ou em desacordo com as normas vigentes. Entre 2015 e 2016, a Alepe criou uma CPI para apurar denúncias de cursos irregulares no Estado. Os resultados serviram de base para o Ministério da Educação, como relata o deputado Rodrigo Novaes (PSD), que presidiu os trabalhos do grupo. “Conseguimos apurar que houve abuso por parte dessas instituições no que diz respeito à venda de diplomas e à transformação de cursos de extensão em graduação. Já foram cancelados cadastros de várias faculdades por todo o País e há pessoas presas por conta desse tipo de crime”, afirmou.

Para checar se uma entidade de Ensino Superior está com o cadastro regular junto ao Ministério da Educação e conferir as notas dos estabelecimentos e dos cursos, acesse o site http://emec.mec.gov.br.

INVESTIGAÇÃO - Entre 2015 e 2016, a Alepe criou CPI para apurar denúncias de cursos irregulares no Estado. Foto: João Bita/Arquivo

INVESTIGAÇÃO – Entre 2015 e 2016, a Alepe criou CPI para apurar denúncias de cursos irregulares no Estado. Foto: João Bita/Arquivo

 

Outros modelos

Conseguir entrar numa instituição de Ensino Superior é um desafio para muitos estudantes. No Brasil, a principal forma de acesso é o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Em 2017, a prova, que substituiu o vestibular tradicional na maior parte do País, teve mais de 6,7 milhões de inscritos, dos quais 60% já concluíram o Ensino Médio. Foi o caso de Karolayne Rodrigues que, aos 20 anos, decidiu tentar uma vaga no curso de Fisioterapia. “Vinha adiando por falta de condições. Eu estudo em casa, tenho vários livros e uso a Internet também, que ajuda bastante”, conta.

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O número de matrículas no Ensino Superior no Brasil tem crescido, em média, 5% ao ano, de acordo com o MEC. Entre 2015 e 2016, o aumento desacelerou: foi de apenas 0,2%. O professor Assis Leão observa o crescimento das oportunidades de ingresso nos cursos de graduação no Brasil, mas ainda considera os números insuficientes. “Temos diversificado a oferta, facilitando o acesso à Educação Superior no País, embora isso ainda seja muito restrito quando comparado ao contexto latino-americano”, observa o pró-reitor do IFPE.

18%dos estudantes de cursos superiores optaram pela EAD em 2016.

A Educação a Distância (EAD) abriu as portas para que muitos brasileiros entrassem na graduação. As mensalidades praticadas para uma sala de aula virtual costumam ser mais baratas que nos cursos presenciais. Segundo o MEC, houve quase 1,5 milhão de matrículas nessa modalidade em 2016, mais de 18% do total do Ensino Superior. O professor Assis Leão comenta essa tendência: “A gente verifica no Brasil, a partir de 2003, um crescimento vertiginoso e constante, seguido por um debate a respeito da precarização da Educação Superior”. “Devemos reconhecer que essa modalidade de ensino vem cumprindo um papel social no sentido de fortalecer o acesso da população”, complementa.

O sonho de conquistar um diploma também leva milhares de estudantes brasileiros a outros países. De acordo com a Associação Brasileira das Agências de Intercâmbio, em 2016, mais de 62 mil brasileiros ingressaram em uma instituição de Ensino Superior no Exterior.

O modelo educacional no Brasil é bem diferente em relação a alguns dos destinos procurados, como o Canadá. Lá, além da universidade, os alunos também podem cursar o college, uma espécie de graduação básica, de curta duração. A pernambucana Luane Costa, 27 anos, estudou Cinema no país norte-americano. “Cheguei a fazer dois cursos: Arte Visual e Design. Os dois foram intensivos, praticamente condensando conteúdos de três a quatro anos em um. Depois fiz um mais específico para a área de cinema”, relata. “Acho que uma das grandes diferenças entre os cursos superiores no Brasil e no Canadá é a opção de escolha”, complementa a jovem, que mora em Montreal.

“Minha expectativa é fazer Jornalismo aqui e depois me especializar na Argentina. Será minha maneira de mudar o mundo.”

Andrey Feitosa, estudante

Outro desafio para a Educação Superior é o rápido avanço da tecnologia, que vem transformando as profissões. Um estudo da empresa multinacional Manpower Group apresentado em 2017 no Fórum Econômico Mundial indica que 65% dos empregos da geração Z – pessoas nascidas entre 1990 e 2010 – nem sequer existem. A pesquisa aponta que a capacidade de absorver novos conhecimentos é fundamental no novo mundo do trabalho, em constante mudança. Isso significa que a permanência do profissional no mercado não está mais relacionada ao que ele sabe, mas ao que está disposto a aprender.

Catherine Chaves, 18 anos, e Andrey Feitosa, 17, esperam dar o primeiro passo nessa direção a partir de 2019. Os estudantes aguardam o final do Ensino Médio na rede pública de Pernambuco e planejam ingressar na faculdade para fazer a diferença como profissionais. “Vou fazer Direito e pretendo que seja na Universidade Federal. Quero focar na parte da família, atuar numa Vara de Família e ser uma das melhores dessa área”, diz Catherine. Já Andrey tem outras ambições: “Minha expectativa é fazer Jornalismo aqui e depois me especializar na Argentina, em Espanhol. Acredito que será minha maneira de mudar o mundo, minha colaboração”.