
FORMAÇÃO – Mantido pela Santa Casa de Misericórdia, Instituto dos Cegos do Recife realiza cursos profissionais há 108 anos. Para Edvaldo Costa, preconceito é barreira ainda a ser vencida. Foto: João Bita/Arquivo
Ana Lúcia Lins
Em 1992, a massoterapeuta Rita de Cássia Falcão Bastos aprendeu os primeiros passos da massagem ayurvédica e apaixonou-se. Quis viajar à Índia, à China e ao Japão para se aprofundar na técnica, mas não teve condições financeiras. Continuou a se dedicar ao ofício, qualificou-se e, atualmente, atua na área. “Eu tinha um lugar que seria o meu escritório de contabilidade, mas vendi para investir nisso. Não me arrependo. Acho que ajudei muita gente e continuo ajudando”, conta.
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DEDICAÇÃO – Rita de Cássia abriu mão da carreira em contabilidade para apostar no sonho de ser massoterapeuta. Foto: João Bita/Arquivo
A história de Rita, que já chama atenção pela realização profissional, também é um relato de superação: ela tem deficiência visual, assim como outros 72 milhões que possuem algum tipo de limitação na vista, segundo dados da última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada em 2013 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A Lei Federal nº 8.213/1991 – chamada Lei de Cotas – obriga empresas com mais de cem funcionários a reservarem de 2% a 5% das vagas do quadro de efetivos para pessoas com deficiência. Mas a inserção desse segmento no mercado de trabalho está longe de ser ideal, como explica José Diniz Júnior, presidente da Associação Pernambucana de Cegos (Apec). “A sensibilidade do empresariado é péssima. Ele quer o ‘cego que enxerga’”, pontua.
Entidade sem fins lucrativos que há 35 anos defende os direitos da pessoa com deficiência, a Apec contribui para a inserção profissional do segmento promovendo cursos de qualificação e comercializando produtos para se autofinanciar. “Estamos com cerca de 14.500 vagas abertas para pessoas com deficiência em Pernambuco, mas o empresário não contrata. Só são ofertadas nas áreas mais elementares, porque não se acredita na pessoa com deficiência”, analisa Diniz. Para ele, falta conscientização. “Enquanto a gente não tiver uma equipe multiprofissional para ir às empresas e mostrar que a pessoa com deficiência tem condições de trabalhar, não vamos avançar”, completa.
“Estamos com cerca de 14.500 vagas abertas para pessoas com deficiência em Pernambuco, mas o empresário não contrata.”
José Diniz Júnior, presidente da Apec
Massoterapeuta há dez anos, Edvaldo Correia confirma que a discriminação é a maior dificuldade para os profissionais do segmento. “A princípio, existe preconceito, mas no decorrer do tempo, vamos pulando essa barreira”, reforça.
De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), 381,3 mil pessoas com deficiência ocupavam postos de emprego formal no País em 2014, o que corresponde a 0,77% do total de vínculos empregatícios. Uma pesquisa conjunta feita pela Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) e as empresas i.social e Catho apontou que 81% dos recrutadores contratam pessoas com deficiência “só para cumprir a lei”.
Trabalhando na função de almoxarife há 16 anos, André Damião da Silva cobra dos Poderes Públicos uma fiscalização mais intensa. “Pediria um pouco mais de controle das delegacias do trabalho: que realizem, pelo menos anualmente, auditorias para ver se as empresas que declararam ter pessoas com deficiência no quadro continuam com esses profissionais, ou se só estão usando a declaração para garantir benefícios e não ser penalizadas”, sugere.

ATENÇÃO – Para diretora do ICR, irmã Maria Gomes, é preciso elevar autoestima dos alunos para promover inclusão social. Foto: João Bita/Arquivo
Por outro lado, algumas companhias já dão sinais de mudança. A analista de recursos humanos Magdalena Cavalcanti conta como foi fácil a adaptação de um colega com deficiência visual no local de trabalho dela. “Antes de ele entrar, fiz uma série de adaptações: placa em braille, piso emborrachado… Mas ele disse que não precisava de nada disso e que a deficiência dele não o diferenciava de nós”, lembra e complementa destacando que a diversidade agrega diferenciais ao trabalho.
Capacitação – A qualificação continua sendo o maior desafio. Mantido pela Santa Casa de Misericórdia e por meio de doações, o Instituto dos Cegos do Recife (ICR) é mais um exemplo de entidade que realiza, há 108 anos, cursos para capacitar profissionais e facilitar a inserção no mercado. A diretora da instituição, irmã Maria Gomes, defende a elevação da autoestima dos participantes do projeto e ressalta o objetivo de promover inclusão social. “Queremos que a pessoa possa dizer: ‘eu vou, eu posso’, e concluir que tem limite visual, mas todas as demais faculdades e os talentos estão lá, com grande potencial”, observa, acrescentando a importância de valores como liberdade, independência e autonomia.
Cursos de braille, de massoterapia e de orientação e mobilidade (OM) são exemplos das 14 especialidades oferecidas atualmente pelo ICR para 163 pessoas entre 2 e 75 anos de idade, oriundas de 15 municípios pernambucanos. Música, habilidades e esportes também estão na lista. Os estudantes passam por três fases de desenvolvimento, que são mantidas em parceria com os serviços nacionais de Aprendizagem Comercial (Senac) e Industrial (Senai), a Prefeitura do Recife e outras entidades.
“Muitas vezes, eles chegam cabisbaixos. A gente não pode nem falar as palavras cego, bengala, braille. Às vezes, dizem: ‘irmã, eu não quero viver’. Então precisamos levantar a pessoa, para ela ter força e estímulo para começar a atividade”, comenta Maria Gomes. “Depois, o aluno começa a deslanchar, sorrir, se enturmar, a ver que tem outros da mesma idade que também chegaram assim e agora estão adiantados.”
Entre eles está o universitário Marcelo Antônio, que ficou deficiente visual há quatro anos. Ele diz que não quer perder tempo e já cai em campo em busca de emprego. “Vou correr atrás. Eu fazia o curso de Direito e vou terminá-lo. Quero pleitear uma vaga, também, na área administrativa ou de assistência social”, afirma.
Serviço
No Instituto dos Cegos, também são oferecidas sessões de massagens ao público (ayurvédica, shiatsu, reiki, relaxante, reflexologia podal, drenagem linfática), com preços que variam de R$ 50 a R$ 100. Contatos: (81) 3231-0936 / 98167-1674.
A Apec reúne aproximadamente 1.300 sócios, que pagam uma mensalidade de R$ 13. No local, são vendidos objetos para pessoas com deficiência visual. Mais informações: (81) 3227.3000 / www.apecnet.com.br.
Portais que reúnem ofertas de emprego: www.pessoascomdeficiencia.com.br e www.eficienteonline.com.br.
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