“Eu nunca tinha visto uma criança com micro, a primeira vez foi Arthur. Eu fiquei pensando assim ‘a cabeça é pequena, ainda vai crescer’.” Assim como Rozilene Ferreira, pouca gente no Brasil sabia o que era microcefalia antes do surto que começou em agosto de 2015. O início da epidemia refletiu as carências do sistema de saúde pública, que não estava preparado para atender à demanda. Em Pernambuco, apenas duas instituições estavam aptas para prestar atendimento.
A estudante de jornalismo Daniela Venâncio, natural de Santos, litoral de São Paulo, morava com o marido no Recife, em 2015, quando nasceu Aurora. Diante da previsão de seis meses de espera para conseguir tratamento para a filha com Síndrome Congênita do Zika Vírus, o casal decidiu buscar amparo na cidade natal. “A gente não tinha informação, a mídia estava mostrando a situação de uma forma bem complexa, caótica. E a neurologista que estava acompanhando a gente falando que seis meses era muito tempo para a gente esperar sem atendimento, então a gente resolveu voltar para São Paulo. A gente abriu mão de trabalho, de faculdade, e eu não me arrependo.”
Dois anos após o início da epidemia, a população pernambucana conta com quase 30 unidades de atendimento, de acordo com a Secretaria de Saúde estadual. O Governo também criou, em maio de 2016, o Núcleo de Apoio às Famílias de Crianças com a Síndrome Congênita do Zika Vírus, com atendimento em doze pontos do Estado. A coordenadora do Núcleo, Laura Patriota, explica como funciona o trabalho. “A ideia é que monitorem no que se refere ao acesso dessas crianças aos serviços, aos dispositivos de saúde e assistência social. Então essas apoiadoras estão fazendo um pouco dessa articulação entre essas famílias e os dispositivos que a gente tem, trazendo quais são as dificuldades, o que é que a gente pode favorecer para melhorar a assistência dessas crianças.”
Nessa história, não são apenas as crianças que demandam atenção. As mães também precisam de cuidados. Os ambientes de atendimento são frequentados prioritariamente por mulheres. Na Fundação Altino Ventura, no Recife, um grupo de profissionais se reúne quinzenalmente com mães e crianças, para trabalhar o empoderamento feminino. A psicóloga e musicoterapeuta Eliane Teles revela algumas questões apresentadas nesses encontros. “De rejeição, de serem empurradas na rua, de não quererem que elas entrem dentro do ônibus por conta da criança. São muitas histórias dos pais das crianças que abandonam suas esposas em função da criança, porque a criança demanda muito.”
O número de pais que abandonam os filhos com microcefalia é um problema grave, que torna mais difícil a situação dessas mulheres. Danielle Santos, mãe de Juan Pedro, de um ano e seis meses, descreve a relação do ex-companheiro com o filho. “É uma visita meio que de 15 em 15 dias, uma meia hora. Ele vai lá, leva algumas coisas, umas frutas, verduras, pronto. Ele ainda pega Juan como um bebezinho e diz ‘eu não aceito a doença do meu filho’. O pai dele saiu de casa e a vó dele, ele tem um ano e seis meses e nunca viu.”
Fundadora e presidente da Aliança de Mães e Famílias Raras, a AMAR, Pollyana Dias estima que 70% das mães ligadas à entidade criam os filhos sem o apoio dos pais. Das 420 associadas, 150 têm filhos com a Síndrome Congênita do Zika Vírus. “Quando você é uma mãe rara, você é excluída da sociedade. Então a AMAR surgiu justamente para devolver a cidadania e a visibilidade a essas famílias, de sentir pertencente novamente do mundo. A gente traz os atendimentos, advogada, assistente social, psicóloga. Mas a gente traz muita palestra e o lúdico também, do cuidado com a mãe, cuidar de quem cuida.”
Outra entidade que acolhe mães de crianças com microcefalia é a União de Mães de Anjos, a UMA. O grupo, criado em dezembro de 2015, reúne mais de trezentas pernambucanas com filhos que têm o desenvolvimento afetado pelo zika vírus. A UMA e a AMAR recebem doações. Para saber o que e como doar, acesse os sites uniaodemaesdeanjos.com.br ou amareagir.com.