
MEDICAÇÃO – Autor do PL 3098, João Paulo (dir.) esclareceu que intenção é beneficiar pacientes: “É precário deixá-los sempre esperando por decisões judiciais”. Foto: Roberto Soares
O Projeto de Lei (PL) nº 3098/2022, que dispõe sobre o cultivo e o processamento da Cannabis sativa para fins medicinais, veterinários, científicos e industriais em Pernambuco, motivou debates na audiência pública promovida pela Comissão de Justiça (CCLJ) nesta segunda (28), no Auditório Senador Sérgio Guerra. O texto propõe autorizar a produção de medicamentos derivados da planta por associações de pacientes nos casos permitidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pela Lei Federal nº 11.343/2006.
Autor da proposta em tramitação na Casa, o deputado João Paulo (PCdoB) esclareceu que a intenção é beneficiar pacientes que dependem das substâncias. “Essas pessoas, em especial as mais carentes, não têm condições de pagar os altos valores cobrados pelos laboratórios autorizados a fabricar as medicações”, argumentou.
Os custos elevados seriam decorrentes da importação da Cannabis. Isso porque, conforme Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 327 da Anvisa, as empresas produtoras precisam adquirir o insumo de outros países. Para João Paulo, permitir o cultivo no Estado baixará os valores da fabricação, reduzindo, portanto, o preço cobrado aos pacientes.
“Assim, a Alepe estaria cumprindo seu papel original de legislar. É precário deixar que pessoas doentes precisem sempre esperar por decisões judiciais”, complementou o parlamentar. “Acredito que a matéria não enfrentará problemas nem na Comissão de Justiça, que analisa a constitucionalidade, nem nos colegiados de mérito”, previu.
Aspectos científicos

PESQUISAS – Rodrigo Cariri citou estudos que comprovam eficácia da substância. “Não entendo por que só permitir remédios com plantas vindas de outros países.” Foto: Roberto Soares
O professor de medicina e pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Rodrigo Cariri defendeu os benefícios dessas medicações. Segundo ele, há mais de 2 mil trabalhos científicos comprovando a eficácia da Cannabis, incluindo 315 ensaios clínicos e 84 revisões sistemáticas. “Não há mais dúvidas quanto ao bem que essas substâncias fazem a alguns pacientes”, asseverou.
O médico lamentou, contudo, as limitações para cultivar e produzir os fármacos. “O Brasil tem condições de plantar a Cannabis. Não entendo por que só permitir a venda de remédios com plantas vindas de outros países. É como se precisássemos importar mandioca para fazer farinha. Não faz sentido”, argumentou, salientando que, hoje, no País, há apenas 15 medicamentos autorizados pela Anvisa.
Gerente-geral da Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária, Josemaryson Bezerra destacou que, para fins terapêuticos, não há qualquer dificuldade em se consentir a produção das substâncias no Estado. “Estou me atendo tão somente às questões técnicas envolvidas no projeto de lei em tramitação nesta Casa. Nossa avaliação é favorável para que a medida se torne lei”, comentou.
Questões jurídicas

LEGISLAÇÃO – “Paraíba e Rio Grande do Norte já fizeram isso. Pernambuco não pode ficar para trás”, pontuou o defensor público federal André Carneiro Leão. Foto: Roberto Soares
O defensor público federal André Carneiro Leão ponderou que, “se não há dúvidas quanto à importância da planta para tratamento de saúde, também não deveria haver debates quanto aos aspectos jurídicos relativos ao seu uso medicinal”. Conforme detalhou, a Lei 11.343, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), permite que a União autorize o plantio, a cultura e a colheita da Cannabis para fins terapêuticos e científicos.
“Estamos falando do direito à vida. A questão é que, ao invés de autorizar, a resolução da Anvisa proíbe o plantio”, avaliou Leão. Para ele, é fundamental que a Alepe aprove a proposição. “Paraíba e Rio Grande do Norte já fizeram isso. Pernambuco não pode ficar para trás.”
A advogada criminalista Maria Luíza Cabral frisou que o artigo 24 da Constituição Federal consagra competência concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Federal para legislar sobre “previdência social, proteção e defesa da saúde”. “Nos casos de inexistência de manifestação da União, o Estado passa, ainda, a ocupar competência plena. Não há lei federal permitindo o cultivo da Cannabis medicinal. Portanto, Pernambuco teria capacidade, sim, para legislar sobre o tema”, garantiu ela, que é pós-graduanda no assunto.
Para a defensora pública estadual Luana Melo, “é um projeto polêmico, porém fundamental diante da inércia da União”. “Judicializar a saúde não é problema para os defensores, mas para quem sofre sem a medicação, pois leva-se algum tempo até que uma medida liminar seja executada”, acrescentou.
Depoimentos

SUPORTE – Hélida Lacerda, da Aliança Medicinal, frisou que “mais de 90 doenças podem ser tratadas com derivados da Cannabis”. Foto: Roberto Soares
Mãe de Anthony, Hélida Lacerda viveu de perto a angústia de depender do uso de medicamentos derivados da Cannabis, cujos valores podem chegar a R$ 3 mil. Presidente da Aliança Medicinal, organização que luta para conseguir o direito de cultivar a planta, ela relatou a batalha para cuidar do filho, que apresenta episódios de convulsão.
“Ele chegou a ter 80 crises em um dia e desenvolveu ataxia (incapacidade de manter coordenação dos movimentos devido a danos neurológicos). Ao longo de anos, usou diversas medicações alopáticas, sem resultados. Depois de consulta médica, começou a tomar canabidiol (óleo extraído da Cannabis) e hoje já recuperou musculatura, movimentos e está tentando falar”, contou.
De acordo com Hélida, a Aliança Medicinal presta assistência a cerca de 500 famílias que dependem da medicação. “Mais de 90 doenças podem ser tratadas com essas substâncias”, registrou.
Fabrina Juliana, mãe de uma criança com Transtorno do Espectro Autista, também apoia a iniciativa. “Desde que começou a usar o canabidiol, Arthur apresentou melhora considerável. Passou a falar, compreender o que as pessoas dizem e a socializar. Por causa disso, até meu casamento melhorou e nós passamos a ter uma vida social”, contou.
Os benefícios dos medicamentos extraídos da planta também foram percebidos em animais, conforme compartilhou o médico veterinário Rafael Freire. O pesquisador informou que um gato com quadro convulsivo tomou o óleo derivado da planta e não convulsionou por três dias. “Essa é uma pauta que precisa ser tratada como uma questão de saúde”, finalizou.
Debates
Presidente da CCLJ, o deputado Waldemar Borges (PSB) manifestou-se a favor do projeto, tendo em vista “os efeitos positivos dos medicamentos”. “Não há sentido em proibir o cultivo da Cannabis medicinal. Muitas pessoas dependem dela”, opinou. O deputado Diogo Moraes (PSB) também apoiou a medida: “Precisamos discutir o assunto com segurança. Se houver qualquer mudança, é para melhorar”.

FOCO – Pastor Cleiton Collins defendeu lutar para baixar as taxas de importação da planta: “País não está preparado para o cultivo”. Foto: Roberto Soares
O deputado Pastor Cleiton Collins (PP), por sua vez, defendeu lutar para baixar as taxas de importação da planta, de modo que as pessoas não paguem valores tão altos pelos medicamentos. “O foco não precisa ser o cultivo. Nosso País não está preparado para isso”, considerou, sendo apoiado, na sequência, pela vereadora do Recife, Michele Collins (PP). “Sugiro que se espere discussão do PL nº 399/2015 no Congresso Nacional.” A iniciativa federal busca autorizar a comercialização desses remédios, desde que haja comprovação da eficácia.
Do mandato coletivo Juntas (PSOL), a codeputada Carol Vergolino argumentou “não haver mais tempo para esperar a apreciação da proposta, em tramitação desde 2015”. Os vereadores do Recife Ivan Moraes e Dani Portela, ambos do PSOL, elogiaram a iniciativa apresentada pelo deputado João Paulo. “Pernambuco já poderia estar produzindo esses medicamentos, uma vez que temos um laboratório público (Lafepe)”, acrescentou Moraes.
No debate, ainda foram exibidos vídeos explicativos enviados pela Amme Medicinal, associação que conseguiu na Justiça o direito de plantar e usar a Cannabis, e pela Abrace Esperança da Paraíba. Como encaminhamento da audiência, João Paulo sugeriu uma visita à instituição paraibana para ver como se dá o processo de plantio e produção no Estado vizinho.