Audiência aborda dificuldades de crianças autistas em planos de saúde

Em 11/12/2019 - 19:12
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DEBATE - Encontro foi promovido pela Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e com Doenças Raras. Foto: Evane Manço

DEBATE – Encontro foi promovido pela Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e com Doenças Raras. Foto: Evane Manço

A garantia de tratamento adequado para crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) por meio de planos de saúde foi tema de audiência pública realizada, na manhã desta quarta (11), na Alepe. Promovido pela Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e com Doenças Raras, o encontro reuniu advogados e especialistas que relataram casos em que prescrições de tratamento foram negadas pelas operadoras de saúde. 

O problema é enfrentado por famílias como a de Cláudia Albuquerque, mãe de duas gêmeas de oito anos diagnosticadas com autismo. “Desde que identificamos a condição, quando elas tinham dois anos e meio, começou uma batalha judicial com o plano de saúde. Estamos agora com mais uma ação, porque nossas filhas ficaram sem um dos tratamento desde agosto, quando o plano deixou de pagá-lo sem apresentar justificativa”, narrou. “A empresa fez isso apesar de termos apresentado todos os relatórios e pareceres solicitados”, salientou. 

Especialistas na área de Neuropediatria, Psicologia, Fonoaudiologia, Nutrição e Educação Física apresentaram dados técnicos. Eles ressaltaram a importância do diagnóstico e do tratamento precoce de crianças autistas. “Cada uma delas precisa ter um plano individualizado de terapias. Com o tratamento precoce, nós aproveitamos as janelas de desenvolvimento das crianças, pela plasticidade neurológica que elas têm nas fases iniciais da infância. Mas, para isso, elas precisam de muita estimulação”, ressaltou o neuropediatra Gustavo Holanda. 

DIAGNÓSTICO - “Com o tratamento precoce, aproveitamos a plasticidade neurológica das fases iniciais da infância”, ressaltou o neuropediatra Gustavo Holanda. Foto: Evane Manço

DIAGNÓSTICO – “Com o tratamento precoce, aproveitamos a plasticidade neurológica das fases iniciais da infância”, ressaltou o neuropediatra Gustavo Holanda. Foto: Evane Manço

O advogado Robson Menezes, membro da Comissão Especial de Defesa dos Direitos da Pessoa com Autismo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), estima que existam cerca de 40 mil crianças com autismo em Pernambuco, das quais mais de 10 mil já diagnosticadas. “A partir do aumento no número de diagnósticos, está ocorrendo uma uma enxurrada de ações judiciais, porque os plano se recusam a seguir os planos de tratamento indicados pelos médicos”, aponta. 

“As empresas argumentam que essa decisão ocorre porque elas oferecem uma rede referenciada de tratamento. Mas essa rede não existe, ou é totalmente ineficiente. Nela, temos atendimentos de 15 minutos por semana para as crianças, quando elas precisam ter entre 20 a 30 horas de tratamento semanal”, relata Menezes. Outro problema enfrentado pelas famílias é a alta rotatividade de profissionais, o que atrapalha a criação de relações de confiança com as crianças. 

As decisões judiciais sobre o tratamento de autismo nos planos de saúde devem ser uniformizadas, em breve, por 18 desembargadores da Seção Cível do Tribunal de Justiça do Estado, informou o desembargador Bartolomeu Bueno. Antes de julgar uma decisão vinculante sobre o direito de tratamento no caso, o TJPE irá promover uma audiência pública sobre o tema, complementou.

“Isso deve ocorrer logo após o fim do recesso judicial, no próximo dia 20 de janeiro. Por enquanto, os juízes podem continuar a tomar decisões em casos de urgência, como eu mesmo fiz”, apontou o magistrado. Para o promotor de Justiça do Centro de Apoio Operacional às em Defesa da Saúde do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), Édipo Soares, a audiência do TJPE será “um momento essencial para que os desembargadores sejam municiados pelas informações que permitam a eles tomar a melhor decisão”. 

Os especialistas presentes também defenderam a adoção de parâmetros mínimos de tratamento para garantir melhores resultados na evolução cognitiva das crianças com TEA. Além disso, o promotor Édipo Soares sugeriu que uma comissão interna do MPPE trabalhe nas fiscalização de possíveis abusos de prestadores de serviço.

Marcos Albuquerque, chefe de Núcleo no Recife da Agência Nacional de Saúde (ANS), informou que há um procedimento dentro da entidade reguladora dos planos de saúde para avaliar o comportamento das empresas do setor no tratamento do Transtorno do Espectro Autista. “Não somos uma entidade de defesa de consumidor, mas de regulação da área, segundo as normas existentes”, explicou. “O rol de atendimentos previstos na ANS inclui a cobertura do TEA, mas com limitações no número de sessões anuais de consultas de fonoaudiologia e terapia ocupacional, por exemplo. Pode ser solicitado, na próxima revisão, o fim esses limites”, propôs o gestor.

Coordenador da Frente Parlamentar, o deputado Wanderson Florêncio (PSC) salientou que todas as informações prestadas na audiência pública serão enviadas ao Tribunal de Justiça para dar embasamento à futura decisão a ser tomada pela Seção Cível. “Também queremos abrir um canal de denúncias desses problemas e começar a discutir uma legislação que permita a fiscalização da qualidade do tratamento para autismo”, apontou o parlamentar. Ainda estiveram presentes à reunião os deputados Romero Sales Filho (PTB) e Alessandra Vieira (PSDB).

REGISTRO - “Precisamos ser mais procurados, pois quase não temos denúncias no MP sobre a questão”, registrou a promotora Yélena Araújo. Foto: Evane Manço

REGISTRO – “Precisamos ser mais procurados, pois quase não temos denúncias no MP sobre a questão”, registrou a promotora Yélena Araújo. Foto: Evane Manço

Tratamento no SUS – Apesar do foco da audiência ser sobre os planos de saúde, famílias que dependem do tratamento por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) também apresentaram queixas. “Nossa realidade é a espera por um, dois ou três anos para conseguir um fonoaudiólogo ou um neuropediatra. Mês passado eu fui às 5h tentar um neuropediatra no PAM (Posto de Assistência Médica) de Areias (Zona Oeste do Recife) e, mesmo assim, não consegui vaga. O único atendimento dele ocorre uma vez por semana, em um Caps (Centro de Atenção Psicossocial)”, relatou Mercia Santana, mãe de um garoto portador de TEA. 

Representantes do Ministério Público presentes na reunião recomendaram que Mércia e outras mães na mesma situação façam representação sobre esses problemas. “O promotor pode solicitar informações aos gestores de saúde, que podem ser responsabilizados judicialmente, caso não as forneçam”, ressaltou a promotora de Justiça Luciana Dantas. “Precisamos ser mais procurados, pois quase não temos denúncias no MP sobre a questão”, registrou a promotora Yélena Araújo, que ressaltou a parceria com o Ministério Público de Contas para realizar um diagnóstico da situação de atendimento para crianças autistas.

Wanderson Florêncio respondeu às demandas anunciando que será realizada outra audiência pública para tratar especificamente dos problemas de tratamento de autismo no SUS. “Vamos chamar o secretário de Saúde”, anunciou o parlamentar.