Ao 29 anos, a intérprete e cantora pernambucana Isadora Melo conta com um currículo que inclui apresentações em Bordeaux e Orleans (França) e Lisboa (Portugal), além de parcerias com Arabiando, Zoca Madureira, Trio Pouca Chinfra e Orquestra Contemporânea de Olinda. Ao lado dos compositores Juliano Holanda e Zé Manoel, passou por eventos como a Mostra Internacional de Música de Olinda (Mimo Festival), Festival de Inverno de Garanhuns (FIG), Rec-Beat e Prata da Casa do Sesc Pompeia (SP). Também participou da série Amorteamo (Rede Globo) e integrou o elenco de Gabriela, um musical, com adaptação e direção de João Falcão. Em 2016, lançou o primeiro disco, Vestuário. Em entrevista ao programa Em Discussão, a artista fala da carreira e dos projetos mais recentes. Confira trechos da conversa a seguir, ou assista aqui na íntegra.
Em Discussão – Como foi seu contato inicial com a música?
Isadora Melo – Quando eu nasci, minha mãe fazia faculdade de Artes Cênicas e meu pai, bacharelado em Canto. Até eles conseguirem mediar paternidade e maternidade com um trabalho, eu tinha uns oito anos. Minha mãe voltou a atuar no espetáculo de Ronaldo Brito chamado O Alto da Portas do Céu e meu pai, na mesma época, foi escalado para fazer um musical de Leidson Ferraz chamado Alheio. Eu fui criada nesse ambiente de bastidores de peça. Também acompanhei meu pai em vários concertos que ele fazia. Tinha muita vergonha de cantar ou de pensar em fazer alguma coisa nesse sentido porque achava muito difícil. Eu tinha em casa dois crivos fortes e fui sempre muito tímida. Cantava na escola, mas nunca tinha pensado em levar isso a sério. Fui fazer Design como formação e, assim que passei, encontrei um cartaz chamando para a produção do Baile do Menino Deus, que é um espetáculo de rua, de Ronaldo Correia de Brito. Fui fazer o teste bem desacreditada, porque eu achava que estariam lá os amigos do meu pai, que eu conhecia dos corais antigos, e grandes tenores. Mas minha mãe me incentivou e eu fui. Ronaldo prontamente me chamou para ser parte do coro e, nesse primeiro ano, resolveu me dar um solo no Baile. Tive a felicidade de encontrar, na orquestra da peça, Rafael Marques, que é um bandolinista incrível e, na época, fazia parte do Arabiando, um grupo de choro. Anastácia tinha acabado de sair do grupo, em 2008, e estavam sem cantora para fazer o lançamento do primeiro disco deles. Aí Rafa me convidou para fazer um show com eles, meio sem ensaio. Eu não tinha um repertório de choro cantado. Não é uma coisa fácil porque é feito para ser instrumental. Mas, depois do Arabiando, comecei a escutar muito Elizeth Cardoso, Ademilde, as cantoras do rádio. Então minha base de palco, de pensar música e mercado, foi no Arabiando. Foi assim que comecei.
ED – Sua música recebe influência do choro, da tradição da música popular brasileira, mas também estabelece um diálogo muito interessante com a nova geração, com compositores contemporâneos. Essa é uma preocupação sua como intérprete?
IM – Eu ouvia muito, antes de entrar no Arabiando, Marisa Monte e o mais clássico do cancioneiro brasileiro: Caetano, Gil, Chico Buarque, etc. Quando estava no segundo ano no grupo, Johan Bremer, que é um músico daqui também, falou para eu buscar minha identidade. Aquilo ficou martelando um pouco na minha cabeça. Por mais que tenha essas referências, tenho a preocupação de quem eu sou e, talvez por isso, também soo contemporânea. Além disso, encontrei nessa jornada compositores, poetas, outras referências de cantoras e cantores que me interessam. Como Juliano Holanda, que foi e é um parceiro até hoje. Também PC [Silva], Almério, Thiago Martin, Marcelo Rangel, Aninha Martins, Flaira Ferro e Isaar, essas referências que são do meu tempo, que eu admiro e busco. Acho que é isso que dá essa mistura.
ED – Seu último trabalho (Réstia) é uma espécie de álbum visual, que está no Youtube e foi gravado ao vivo, um formato bem adequado aos tempos atuais. Você pensou especificamente numa maneira de mostrar sua música que dialogasse com o atual momento das tecnologias?
IM – Exatamente. Era essa a necessidade. Eu estava sentindo que não precisava me render a isso, mas pensar sobre isso. Foi um projeto superdespretensioso… Hélder Tavares, que foi um grande parceiro, também estava querendo chegar nesse cenário novo da música. Thiago Martins já faz isso há um tempo: ele grava as músicas dele na sala de casa e coloca no YouTube. É um jeito que ele encontrou de dialogar com o público, e eu pensei que queria experimentar isso também. Havia um limbo entre o que eu iria fazer depois do Vestuário, que foi o primeiro álbum, lançado 2016. Aí surgiram essas quatro músicas e essa inquietação. Queria, no Réstia, ter tudo muito limpo, só eu e Rafa, mas com uma maquete do que eu podia fazer, experimentar. E aí a gente decidiu tocar Para os Prédios, que é uma música de Juliano que estava também refletindo muito sobre como a gente se relaciona com as coisas. Tem Boomerang, que é uma letra de PC, que eu amo como compositor e pensador mesmo. Eu acho lindo o jeito que ele pensa o jogo de palavras, como ele traz palavras estranhas e contemporâneas. Me apaixonei pela música. Valsa Verde entrou porque eu queria cantá-la há muito tempo, sou apaixonada por valsas e essa, especificamente, acho linda. Trouxe Bozó Sete Cordas para tocar comigo, daí está entrelaçado o clássico e o contemporâneo. E tem Cezar Mendes e Ronaldo Bastos com Mande um Sinal.
ED – Qual é, para você, o papel de uma artista mulher e nordestina no momento atual?
IM – Acho que, para quem faz arte ou comunica, é o momento de continuar fazendo o que a gente sempre fez. Eu tenho mais força hoje, e tenho visto, em discussões com outras mulheres, que a gente precisa continuar. A maneira de resistir é continuar cantando, investindo na música, não desacreditar, não esmorecer. Está difícil para todo mundo, e pode ser que fique mais. Mas o meu jeito vai ser continuar cantando, viajando com minha música, cada vez mais motivada, porque tenho percebido que as pessoas e, principalmente as mulheres negras, estão mais carentes dessa representatividade. Agora estou viajando bastante com o Cordel do Fogo Encantado, que é uma banda integrada por homens, e muitos depoimentos depois do show são de mulheres negras que chegam para mim e falam: “Nossa, me senti tão representada, vou deixar meu cabelo igual ao teu agora, porque eu fazia não sei o quê no cabelo…” Eu vivi também essa revolução de aceitar meu cabelo, meu corpo, quem eu sou, de onde eu venho, e vejo cada vez mais necessidade de me fazer existir fazendo o que eu faço.
ED – Quais são seus planos para 2019?
IM – Este foi um ano de muita coisa, trabalhei um bocado. Fiz o Dorinha, meu amor [musical do diretor e dramaturgo pernambucano João Falcão] no começo do ano. A Dita Curva, que é um espetáculo com dez mulheres, também. Acho que a gente espera voltar no ano que vem. Ainda teve um show que eu fiz com Amaro Freitas, que também acho que vai “dar mais caldo”. Chama-se Quadriloseres, estreou lá em São Paulo e ainda não veio para o Recife. Estou viajando com o Cordel, lancei Réstia e fiz alguns shows em paralelo. Viajei por Belo Horizonte, São Paulo e Rio com esse show, eu e Rafa Marques, trazendo sempre algum artista do local: em São Paulo, a gente convidou Marina Melo e Rhaissa Bittar; no Rio, Pietá e Zé Manoel. Acho que a gente conseguiu circular e fazer coisas legais. Ano que vem, ueria ficar mais focada no disco novo, estou sentindo necessidade de pensar nisso e num show.
ED – Um disco formal mesmo, não como esse projeto do Youtube?
IM – Penso em integrar tudo, acho que não dá para abandonar as novas mídias. Quero pensar em vídeo, principalmente depois do Dorinha, meu amor, eu tenho pensado cada vez mais no meu corpo, em como eu posso interagir com ele. Meu trabalho também está no Spotify, iTunes e Deezer. Meu primeiro disco, Vestuário, também está inteiro no SoundCloud, assim como meu EP.