O programa de entrevistas Em Discussão, da TV Alepe, entrevistou a jornalista e pesquisadora Cecília Almeida sobre a influência das redes sociais no dia a dia das pessoas, como essas ferramentas mobilizam a população e o impacto que isso tem na vida real. Em seu doutorado, pesquisou a relação entre as redes sociais e as telenovelas. Professora nos cursos de Publicidade e Jornalismo na Faculdade Boa Viagem, Cecília é doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com experiência na área de novas tecnologias e ênfase em mídias sociais (análise, inteligência de mercado, produção de conteúdo e gestão). A seguir, confira trechos da entrevista ou assista na íntegra neste link.
1- As redes sociais são amigas ou inimigas? Como é que podemos pensar nelas na atualidade?
Cecília Almeida – Eu acho que as redes sociais são espaços que vão potencializar conversações, facilitar a aproximação entre as pessoas, e elas podem ter efeitos, do ponto de vista da democracia, muito construtivos e outros mais destrutivos. Acredito que a gente ainda está amadurecendo muito como população, como cidadão… e ainda precisa amadurecer muito em relação aos usos dessas tecnologias para o debate público. A gente está se deparando com alguns problemas, que acho que são naturais da adoção de novas tecnologias e, à medida que forem sendo enfrentados, será possível potencializar o uso dessas ferramentas para favorecer a democracia, e não para prejudicá-la.
2- A impressão é de que a gente não sabe direito até onde isso vai, qual o real potencial dessas ferramentas. É por aí mesmo ?
Cecília Almeida – Acho que é exatamente isso, a gente ainda está aprendendo a usar essas ferramentas e descobrindo o que elas podem fazer. A confusão, por exemplo, entre público e privado, traz o debate sobre até que ponto o que eu coloco em uma rede social é meu, e até que ponto aquilo é público. Todas essas questões estão surgindo com o uso, com a massificação. Quando as redes sociais tiveram sua primeira ascensão, lá no início dos anos 2000, era muito menos gente que utilizava, que tinha acesso no Brasil. A inclusão digital veio ao longo desses anos, houve um uso mais massificado desses espaços e, com isso, a gente vai se deparando com um problema novo.
3- As redes sociais não se resumem à política e às eleições, mas atualmente é impossível dissociar uma coisa da outra. Hoje, por exemplo, há candidatos com muito tempo de televisão, mas sem intenção de voto correspondente. Já outros que têm penetração grande nas redes sociais e muito pouco tempo de TV estão à frente nas pesquisas eleitorais. Qual a sua visão sobre isso?
Cecília Almeida – Essa é uma pergunta complexa. Não enxergo as redes sociais como substituição dos tradicionais meios de comunicação. A televisão, por exemplo, ainda é um dos meios de maior predominância no Brasil. O que acontece é que as redes sociais, muitas vezes, são alimentadas pelos conteúdos que vêm de uma mídia tradicional, como TV e jornais. Mas existem debates que acontecem nas mídias sociais que, não necessariamente, vão chegar aos meios tradicionais. Então, eu diria que eles se complementam, a princípio, mas também que o mundo mudou e agora o pensamento das mídia tradicional precisa incluir o da digital, de alguma forma.
4- Empresas como o Facebook ainda estão aprendendo até onde vai o mecanismo que elas criaram e se transformando para funcionar melhor e não causar esse tipo de distorção. O que você pensa sobre isso?
Cecília Almeida – Tomando os discursos de Mark Zuckerberg, que é o CEO (diretor-executivo) do Facebook, ele esperava que a rede social fosse espaço de democracia, construção de diálogo, mas a gente vê que as pessoas fizeram um uso bem diferente do que ele imaginava e, agora, ele está precisando intervir e, inclusive, está perdendo dinheiro com isso.
5- Muita gente está deixando de usar, apagando o aplicativo do celular…
Cecília Almeida – A desconfiança, os escândalos do Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia), da eleição de Donald Trump, vazamento de dados, todas as descobertas de que a plataforma (Facebook) foi usada de uma maneira que o usuário não necessariamente autorizou nem o seu proprietário pensou que pudesse ser feito. Então, muita gente termina desconfiando daquele espaço e abandonando.
6- O que falar sobre as “bolhas” (do Facebook?)? Aquela sensação de estar cercado por opiniões muito parecidas e que, de alguma forma, impede que se veja além desse círculo? Como é possível interpretar isso e quais os impactos no nosso dia a dia?
Cecília Almeida – Acho que as “bolhas” reproduzem algo que poderia acontecer antes da internet. A questão de só querermos ter acesso às coisas que nos interessam e só conversar com pessoas que pensam como nós. Acredito que quando a internet surgiu, esperava-se que ela fosse um espaço de construção de conhecimento coletivo, de democracia, que os usuários sairiam daquele lugar passivo e se tornariam consumidores de mídia ativos, buscando e confrontando informações diferentes. A internet possibilita isso, mas algumas plataformas digitais, como o Facebook, favorecem também a volta de um comportamento mais passivo. Se eu permito que a minha informação seja apenas o que está na minha rede, entro no fenômeno da “bolha”, não é?
7- Como você analisa o uso das redes sociais por diversos grupos de mulheres por meio de hashtags, campanhas para denunciar a violência, para mudar o contexto de machismo em que a gente vive?
Cecília Almeida – Essas plataformas podem ser aliadas de diversas lutas políticas e sociais. Elas favorecem a visibilidade de pautas de grupos minoritários que, por meio desses espaços, conseguem se reunir e mobilizar mais pessoas para que se juntem a uma determinada causa. Assim, um movimento que começa no Brasil pode, de repente, chamar atenção de pessoas que estão nos Estados Unidos ou em outros lugares do mundo. E elas vão se colocar como solidárias daquele movimento, uma vez que expressa uma luta em comum. Em sua essência, as redes sociais são as pessoas. As plataformas (Facebook, Twitter, Instagram…) seriam o ponto que permite o encontro entre pessoas, às vezes de origens tão distintas. Tais espaços, de grande visibilidade, acabam permitindo que lutas antes restritas a grupos minoritários, sem tanta representatividade política – como, digamos, as mulheres -, tenham uma expressão maior.
8- Por outro lado, as redes têm um papel muito negativo de disseminar, em certas posturas, discursos de ódio também. Seria isso o oposto à mobilização das minorias?
Cecília Almeida – Em termos de sociedade, há os espaços de cooperação, conflito e competição. A gente vê nas redes sociais pessoas se juntando por uma causa em comum, mas se vê também o confronto de pautas que rivalizam umas com as outras. Isso acaba facilitando a ascensão de discursos de ódio e, talvez, seja algo com que os criadores das plataformas não contavam: que se tornassem espaços para descarregar frustrações e dizer coisas que talvez não se dissesse cara a cara. A tela dá um conforto, uma sensação de anonimato, de que não vai ter consequência. A gente ainda está mal acostumado com esse excesso de poder de fala. É um aspecto bem negativo das pessoas, não das redes, necessariamente.
9- A quem devemos recorrer para conter esse tipo de discurso?
Cecília Almeida – Num primeiro momento, os criadores das plataformas se colocam como isentos de qualquer responsabilidade. A responsabilidade seria da pessoa que publicou o conteúdo. Mas as redes, pelo alcance que têm, não podem se omitir. Então, penso que é meio a meio. Existe um papel que deve ser do Estado, em relação a se cobrar da Justiça punição a crimes de ódio, calúnia, difamação, contra a honra. Mas há uma cobrança que deve ser feita às plataformas: “Por que esses discursos têm tanto alcance”? “Será que não poderiam fazer algo do ponto de vista dos seus algoritmos para reduzir tal coisa”? E aí se entra numa discussão muito difusa, confusa também, sobre o que é discurso de ódio, o que é bom, o que é ruim, o que é liberdade de expressão… ainda temos muito a caminhar nessa regulação das mídias digitais.
10 – Seria apocalíptico pensar no declínio do uso, pelo menos de determinadas redes sociais, num futuro mais ou menos próximo?
Cecília Almeida – Acredito que isso se refere muito ao Facebook. O Congresso norte-americano está investigando, há toda uma cobrança e, de repente, percebemos, como usuários, que estamos fornecendo nossos dados para essas plataformas, sem saber qual é o uso que está sendo feito disso. Aqui no Brasil, a lei de proteção de dados começa a vigorar em dois anos, então, já é um início de controle. O Facebook foi colocado nessa discussão como sendo o grande símbolo desse mau uso de dados. Não diria que todas as redes estariam em declínio, mas talvez isso esteja começando a acontecer com o Facebook.
11 – Sua pesquisa no doutorado foi sobre a relação das redes sociais com as telenovelas. O que você estudou exatamente e a que conclusão chegou?
Cecília Almeida – Estudei a produção de controvérsias nas redes sociais por conta das telenovelas. Elas são um espaço de debate público, também representam algumas causas ou pautas, colocam em cena questões que são do âmbito social e acabam provocando discussões. Em alguns pontos, os debates vão se assemelhar muito às discussões políticas, com discursos de ódio. Vemos muitos fãs e anti-fãs, pessoas que odeiam uma determinada coisa dentro da novela. Essas pessoas estão se dispondo a brigar por esse motivo e, assim, entram em discussões longas sobre elementos da ficção que repercutem, de alguma forma, na sociedade.