Direito registrado

Em 01/06/2018 - 08:06
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Marcos Miguel

Todo cidadão brasileiro tem o direito de escolher o nome pelo qual deseja ser chamado. É o que decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), no último mês de março, ao autorizar transexuais e transgêneros a alterarem o nome de nascimento no registro civil. Antes, o interessado precisava acionar a Justiça para realizar a mudança; agora, basta dirigir-se a um cartório. A decisão, tomada a partir do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4275, também prevê a mudança do gênero no documento.

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O defensor público Henrique da Fonte comentou o posicionamento da Corte. “Fica determinado que não é mais necessário comprovar a utilização de tratamento hormonal ou a realização de cirurgia. Não são necessários laudos psiquiátricos nem psicológicos”, explicou. “O STF também segue essa toada partindo da perspectiva de que o Estado não deve constituir a identidade de gênero de alguém. O único critério deve ser a autodeclaração. Cabe ao Estado, porém, reconhecê-la.”

Gabriel Rodrigues encostado em tela de quadra esportiva.

REALIZAÇÃO – “Amo o nome que escolhi e quero levá-lo para a vida toda”, diz Biel. Foto: Eduarda Dominique/Acervo Pessoal

O entendimento do Supremo representa um avanço na luta desse público pela identidade de gênero. Gente como o pernambucano Luiz Gabriel Rodrigues, o Biel, de 21 anos. Em dezembro de 2015, ele deixou de utilizar o nome feminino — que prefere nunca mencionar — e adotou o nome social, porém não recorreu à via judicial para formalizar a escolha. Biel comemorou o parecer do STF, que deve beneficiá-lo: “Foi algo maravilhoso. Nossa população de trans e travestis lutou por isso”.

“Não é fácil ser trans no Brasil. Nosso corpo tem história e pedaços retirados de pessoas que foram mortas por lutar para ser quem se é. Amo o nome que escolhi e quero levá-lo para a vida toda”, complementou o jovem.

O nome social de transexuais como Biel encontra previsão legal no Decreto nº 8.727 da Presidência da República, publicado em abril de 2016. De acordo com a norma, nome social é a “designação pela qual a pessoa travesti ou transexual se identifica e é socialmente reconhecida”. O texto ainda prevê que os registros dos sistemas de informação, cadastros, programas, fichas, formulários e prontuários dos órgãos da administração pública federal tenham um campo específico para essa informação, em destaque, acompanhado do nome civil, que deve ser utilizado apenas para fins administrativos.

2.264pessoas trans foram mortas, entre 2008 e 2016, em 68 países.

Assistente social do Centro de Combate à Homofobia de Pernambuco, Luiz Henrique Braúna elenca outras aplicações do nome social. “Na matrícula das escolas estaduais já é garantido o uso do nome social. Também no cartão do SUS, no cartão de crédito de alguns bancos e na carteira de estudante”, cita. O órgão presta serviço à população orientando e acompanhando as pessoas a fim de garantir o direito de colocação do nome social no documento que desejarem, acrescentou.

26
horas é o ciclo de tempo para ocorrer um novo homicídio de pessoas LGBT+ no Brasil.

Em Pernambuco, instrução normativa da Secretaria de Educação publicada em novembro de 2016 garante para alunos maiores de 18 anos o uso do nome social nas fichas de frequência e nas cadernetas eletrônicas das escolas da rede estadual. Alunos menores de idade também podem exercer o direito, desde que tenham autorização, por escrito, do pai, da mãe ou do responsável legal.

35
anos é a expectativa de vida de transsexuais e travestis no Brasil.

Todas essas garantias contribuem para a construção da identidade do ser humano, acredita a presidente da Comissão da Orientação e Fiscalização do Conselho Regional de Psicologia, Patrícia Amazonas. “A identidade é importante porque é um dos aspectos que nos constitui enquanto sujeito. O nome, obviamente, está em conformidade com isso. Se não estiver, pode gerar no sujeito uma forma de existir com sofrimento. Então, o nome social traz conformidade, egossintonia, bem-estar social e, obviamente, individual”, analisa.

70%
dos estudantes LGBT+ brasileiros já sofreram discriminação nas escolas.

Apesar de aceitos pelo transexual, o nome e a identidade ainda sofrem preconceito. Entre 2008 e 2016, quase 900 travestis e transexuais foram assassinados no Brasil, que é o País com o maior número de homicídios de pessoas transgêneras no mundo, segundo estudo da organização não governamental (ONG) Transgender Europe.

Orientação jurídica

Vítimas de violência de natureza discriminatória ou pessoas que tiveram direitos negados podem buscar ajuda e orientação jurídica em duas entidades do Estado. Uma delas é o Centro Estadual de Combate à Homofobia, localizado no 2º andar do prédio da Controladoria Geral do Estado (Rua Santo Elias, 535, Espinheiro – Recife). O atendimento ao público, gratuito, é feito de segunda à sexta, das 8h às 17h. Contatos: (81) 3182-7665 / centrolgbtpe@gmail.com.

O outro órgão é o Núcleo de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de Pernambuco, localizado na Rua Imperador Dom Pedro II, 307, 5º andar, no Centro do Recife. Contato: (81) 3182-5936.

 

Fontes dos dados em destaque: 1) Transgender Europe; 2) Grupo Gay da Bahia; 3) União Nacional LGBT; 4) Associação Brasileira de Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). Parte dos números foi retirada do site da Todxs.