Desafios e superações cotidianas

Em 17/11/2017 - 12:11
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Na foto, uma mulher cadeirante sorri no terraço de casa.

MOBILIDADE – Uso do transporte público é uma das principais dificuldades que Vasti enfrenta no dia a dia. Foto: Kerol Correia

Amanda Silva

Andar de ônibus, pedir informação em um aeroporto, explicar os sintomas ao médico. Situações corriqueiras como essas podem se tornar um grande transtorno para 23,9% da população. São os 45,6 milhões de pessoas no País que apresentam alguma deficiência, segundo dados do último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010. Já a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2013, da mesma instituição, indica que 6,2% dos brasileiros possuem deficiências  intelectual, física, auditiva e visual, o que representaria 12,4 milhões de indivíduos.

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“Já aconteceu comigo de passarem quatro coletivos e dizerem que o elevador não estava funcionando, ou então a gente percebe que o motorista e o cobrador não sabem acionar e, por isso, o equipamento quebra. Essas situações fazem a gente se sentir um lixo”, lamenta a profissional de Marketing Vasti Araújo. Há duas décadas, ela – atualmente com 59 anos de idade – passou a usar cadeira de rodas para se locomover, após ser vítima de atropelamento e fraturar uma vértebra.

Além de enfrentar o difícil processo de adaptação às novas condições de vida, Vasti diz que pior é encarar os obstáculos para realizar atividades cotidianas. “Procuro sempre andar com alguém que me auxilie, porque existem algumas situações ainda complicadas para nós, como por exemplo, a questão da mobilidade no Recife. As calçadas da cidade não nos dão segurança e viabilidade.”

Foto em sala com violões pendurados na parede. Homem com óculos escuros segura uma guitarra.

INTEGRAÇÃO – Paulo se queixa de ônibus que param fora do ponto e não cumprem horários: “É um constrangimento”. Foto: Jarbas Araújo

A acessibilidade também é um problema para o músico Paulo Tavares, que perdeu a visão aos 24 anos, em decorrência de glaucoma. Aos 63, o deficiente visual conta que, desde o início, a maior dificuldade enfrentada é embarcar em um coletivo.

“É um constrangimento. Muitas vezes, chego à integração no horário certo, mas outro ônibus faz desembarque, e o meu acaba encostando longe da parada sem que eu perceba; daí perco”, relata Tavares. Para ele, é necessário intensificar as fiscalizações dentro dos terminais integrados: “Não estão se lembrando de organizar para que as pessoas com deficiência possam utilizar os transportes com mais tranquilidade e segurança”.

Nos últimos anos, porém, a temática da acessibilidade vem se fortalecendo, com novas leis e políticas públicas que buscam garantir inclusão social. Em julho de 2015, o Brasil passou a contar com o Estatuto da Pessoa com Deficiência ( Lei Federal nº 13.146), destinado a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais desse segmento.

Na Alepe, somente em setembro – mês de luta pelos direitos das pessoas com deficiência –, tramitaram quatro novas proposições direcionadas à questão. Entre elas, a que se tornou a Lei Complementar nº 371/2017, garante horário de trabalho especial para servidores estaduais que tenham filho com deficiência. Além disso, funciona desde abril na Casa uma Frente Parlamentar dedicada a discutir temas relacionados a essa população.

“Decidimos criar a Frente para congregar em um único espaço todas as demandas das pessoas com deficiência e, ao mesmo tempo, fazer um diagnóstico da situação delas em Pernambuco”, destaca a deputada Terezinha Nunes (PSDB), coordenadora do colegiado. Em menos de um ano de atuação, o grupo já ouviu cadeirantes, pessoas com deficiência auditiva e visual, com síndrome de Down, autismo e doenças raras, entre outros.

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descrição textual do gráfico está disponível em outra página.

“Nos hospitais, deveria haver intérprete de Libras. As legendas e placas dos locais também poderiam ser mais visíveis.”

             Eduarda Buás,               técnica de suporte

Aos 2 anos de idade, a técnica de suporte Eduarda Buás perdeu a audição. “Passei a vida toda estudando nas escolas normais. Sou oralizada e sinalizada”, ressalta a jovem, que também domina a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Para ela, muita coisa precisa ser melhorada no atendimento a pessoas surdas. “Nos hospitais, por exemplo, deveria haver pelo menos um intérprete de Libras para o acompanhamento do paciente surdo. As legendas e placas dos locais também poderiam ser mais visíveis”, defende.

Atleta das seleções pernambucana e brasileira de vôlei de surdos, Eduarda viaja com frequência para participar de campeonatos. Uma das situações mais difíceis por que passou foi a tentativa de se comunicar com funcionários de um aeroporto na Alemanha. “Foi o maior desafio que já enfrentei até hoje. Não consigo ouvir e nem falo inglês. O voo atrasou por problemas técnicos, e eu não conseguia entender o que havia acontecido porque ninguém conseguia me explicar”, expôs.

Foto em escritório. Jovem operando máquina fotocopiadora.

CAPACITAÇÃO – Aluno do curso de Auxiliar de Secretaria, João Marcelo já estagia na área. Foto: Jarbas Araújo

A inserção no mercado de trabalho é outra barreira comum, que vem sendo superada com apoio de entidades sem fins lucrativos e pelo Poder Público. Foi com o suporte da Associação Pestalozzi do Recife que João Marcelo Mansi conseguiu se capacitar. O jovem, que tem deficiência intelectual, é aluno do curso de Auxiliar de Secretaria na instituição, onde também estagia. “Tiro xerox, digitalizo e entrego os avisos nas salas. Gosto de fazer essas coisas”, conta o rapaz, que é alfabetizado.

Professora na associação, Alcineide Carneiro explica que o principal desafio é conseguir fazer com que os estudantes trabalhem de forma coletiva. “Fazemos a socialização em paralelo ao ensino das disciplinas”, afirma. A unidade ainda se encarrega de encaminhar os alunos para oportunidades de emprego. “Já somamos 33 estudantes que passaram por aqui e hoje trabalham normalmente, desenvolvendo atividades como qualquer pessoa”, comemora.

 

Superando o medo da diferença

Mostrar que pessoas com a síndrome de Down são capazes de desenvolver, normalmente, atividades como estudar, trabalhar ou brincar é a principal mensagem do documentário Do Luto à Luta (2006). Produzido pelo cineasta Evaldo Mocarzel, que é pai de uma garota com a condição, o filme é uma tentativa de fazer com que a sociedade deixe de enxergar a pessoa com deficiência como alguém incapaz.

Questões como o preconceito linguístico e o uso de termos pejorativos para se referir a quem tem Down perpassam a obra, que reúne depoimentos de pais que, assim como Mocarzel, tiveram dificuldades em lidar com a notícia. O papel das famílias como cuidadoras das crianças com deficiência também é abordado no documentário. Confira o trailer:


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