Luciano Galvão Filho
“Estava um caos. A cadeia leiteira estava à beira da aniquilação”, recorda o produtor de leite Hugo Almeida, de Capoeiras, no Agreste Meridional. Mais de cinco anos sem chuvas provocaram danos profundos na principal economia rural da região. A estiagem secou os reservatórios, devastou as pastagens e tornou a água um privilégio para quem pudesse pagar. O gado – que chega a consumir 120 litros de água por dia quando as temperaturas sobem – morreu. A produção caiu pela metade.
“Houve um empobrecimento notório dos pecuaristas, que começaram a vender alguns animais para alimentar os que restaram”, narra a pesquisadora Daniela Carvalho, professora de administração rural da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) em Garanhuns, na mesma região. O processo, explica, resultou no abandono da atividade pelos pequenos produtores e no retorno do êxodo rural. Com menos renda disponível para as famílias, o comércio das cidades fraquejou. “A seca se somou à crise econômica e deixou todos em uma situação complicadíssima.”
As chuvas de junho trouxeram alívio, mas os efeitos da maior estiagem dos últimos 60 anos ainda são sentidos. Com as reservas de alimento esgotadas e sem capital para investir, os proprietários ainda precisam comprar sementes, plantar e esperar que o pasto cresça. Malnutrido, o rebanho diminui a produção. No Agreste Meridional, os níveis diários, que chegaram a 2,2 milhões de litros antes do período de escassez, caíram a 800 mil litros em 2016, e, mesmo com o retorno da oferta de água, estão atualmente em cerca de 1,2 milhão de litros por dia. As estimativas são do Movimento a Força do Leite, que reúne pecuaristas preocupados com o risco de colapso que a bacia leiteira vivenciou há até poucos meses.
Integrante do grupo, Hugo Almeida alerta que, apesar de mais confortável, a situação ainda inspira cuidados. “Pernambuco necessita de ações estruturantes para resistir às próximas crises hídricas. Os recursos precisam ser aplicados estrategicamente”, analisa.
O movimento elaborou uma pauta de iniciativas a serem pleiteadas junto a diferentes instâncias governamentais. No final de maio, a Comissão de Desenvolvimento Econômico da Alepe mediou a interlocução entre produtores e representantes de órgãos estatais durante audiência pública em Garanhuns. Do evento, resultaram duas reuniões com a Secretaria de Agricultura de Pernambuco para encaminhar soluções da alçada do Governo do Estado, que permanecem em aberto.
A deputada Priscila Krause (DEM) enxerga boas perspectivas a partir da articulação da cadeia produtiva. A parlamentar, que pleiteou recursos emergenciais para o setor à época da estiagem, defende o funcionamento de uma câmara permanente junto à gestão estadual para discutir políticas voltadas para o segmento. “Os problemas estão minimizados pela chuva, mas não solucionados. As dificuldades são cíclicas e precisam de enfrentamento permanente para que, mais à frente, não provoquem perdas irreparáveis.”
Entre as demandas dos produtores, estão a conclusão de obras de segurança hídrica, a oferta de sementes de boa qualidade a preços baixos, a intermediação para a renegociação de dívidas com bancos públicos, a criação de mecanismos de proteção contra a concorrência de mercadorias de regiões economicamente mais fortes, além do desenvolvimento permanente de programas de assistência técnica.
O último item é tido como o mais necessário pelo segmento. “Não existe assistência reprodutiva nem nutricional, nem distribuição de mudas ou orientação para plantar. Se faz de todo jeito”, assevera Adalberto da Silva Neto, produtor de médio porte em Venturosa, Agreste Meridional. “Se as ações governamentais começassem por aí, já ajudaria bastante”, reflete.
O ponto de vista fica evidenciado quando se compara a produtividade da bacia leiteira pernambucana com a de regiões brasileiras onde a atividade dispõe de processos aprimorados. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que a quantidade de litros produzidos por animal em Pernambuco é pouco mais da metade daquela produzida em estados da região Sul, que lidera o índice no País. O fenômeno, comum em áreas menos desenvolvidas, pode estar relacionado à carência de pesquisas, falta de políticas públicas e consequente baixa rentabilidade – o que desestimula investimentos.
Apesar do pouco dinamismo em relação às regiões mais ricas, o arranjo produtivo do leite em Pernambuco é responsável por 400 mil postos de trabalho no Agreste, além de cumprir o papel social de manter o modo de vida no campo. Especialistas alertam, no entanto, que crises como a dos últimos anos podem acentuar a concentração do setor em grandes empresas e ameaçar a importância social da atividade.
“Há uma tendência de eliminação dos pequenos em vista das dificuldades e dos riscos, desde falta de recursos até incertezas quanto à oferta de água”, explica Daniela Carvalho, da UFRPE. Um dos indicativos desse processo, percebido em pesquisas de campo, é o envelhecimento gradual dos chefes das propriedades familiares como resultado do desinteresse dos filhos jovens em seguir na pecuária. “Nada tem sido feito para que o produtor permaneça na fazenda”, lamenta a especialista.
Os pecuaristas ainda se queixam de que falta apoio. Órgão incumbido de prestar assistência aos produtores rurais do Estado, o Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA) viu seus recursos diminuírem em 30% neste ano, com relação ao ano passado. A entidade ainda confirmou, em nota, a “insuficiência de corpo técnico para o atendimento da demanda de assistência técnica e extensão rural e de pesquisa e desenvolvimento”, relatada pelos entrevistados. Essas pesquisas poderiam apontar alternativas de armazenamento de água e de alimentos, de melhoria na qualidade do leite e de aperfeiçoamento genético dos rebanhos, entre outras necessidades do setor.
Para o deputado Eduíno Brito (PP), que esteve à frente da audiência pública com o segmento em Garanhuns, todas as instâncias de Governo devem agir para garantir “um olhar diferente” sobre a cadeia do leite. “O alívio de momento não pode arrefecer as demandas por melhorias. A seca virá novamente, é a única certeza que temos, e essa economia que sustenta a região precisa ser apoiada”, asseverou