
AUTOCONFIANÇA – Na Fundação Altino Ventura, no Recife, grupo de profissionais reúne-se a cada 15 dias com as mães e seus pequenos para trabalhar o empoderamento feminino. Foto: Isabela Senra
Isabela Senra e Tayza Lima
“Entrou uma médica pediatra gritando para mim: ‘Você sabia que seu filho não tem cérebro?’” O depoimento de Eliane Francisca da Silva, mãe de Davi, de um ano e oito meses, remonta ao início de uma história que assustou o Brasil e o mundo. Ela faz parte do grupo de mulheres que deram à luz mais de 2,7 mil bebês com microcefalia nos últimos dois anos no País.
A condição está associada ao vírus da zika, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti. Classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2016, como situação de emergência de saúde pública internacional, a epidemia atingiu, principalmente, o Nordeste do Brasil. Em Pernambuco, de agosto de 2015 a julho de 2017, foram mais de 400 casos confirmados da Síndrome Congênita do Zika Vírus, segundo o Ministério da Saúde.
As crianças apresentam outros comprometimentos, além da microcefalia. “Davi tem sequelas na audição e na visão. Chegou a ter sérias dificuldades de deglutição. A parte motora também foi prejudicada”, conta Eliane. Maria das Dores Alves observa que a filha Raíssa Vitória, nascida em dezembro de 2015, não se desenvolve como outra criança da mesma idade. “Não consegue engatinhar, ficar de pé nem sentar, só com apoio.”
Para garantir tratamento, as mães percorrem hospitais, clínicas e instituições de saúde. Quatro vezes por semana, Rosicláudia Aragão viaja 78 quilômetros de Condado (Mata Norte) até o Recife com a filha, Carla Vitória, que nasceu em outubro de 2015. “Ela faz fisioterapia, acompanhamento com fonoaudióloga, estimulação visual e auditiva pela rede estadual, porque na minha cidade não tem”, relata.

EXPECTATIVA – “Pensei que a cabeça ainda iria crescer”, revela Rozilene. Foto: Jarbas Aráujo
A descentralização do atendimento foi uma das necessidades identificadas pela Comissão Especial de Acompanhamento dos Casos de Microcefalia, criada em 2015 pela Alepe. O colegiado encaminhou ao Governo informações para otimizar os serviços, como destaca a presidente do grupo, deputada Socorro Pimentel (PSL): “Colocamos no relatório que precisaríamos, em várias regiões, de uma equipe multiprofissional o mais perto possível das crianças que têm a Síndrome Congênita do Zika Vírus e moram em locais sem esses especialistas”.
Assistência
“Eu nunca tinha visto uma criança com microcefalia, a primeira foi Arthur. Pensei que a cabeça ainda iria crescer”. Como Rozilene Ferreira, pouca gente no Brasil conhecia essa condição neurológica antes do surto de 2015. O início da epidemia refletiu as carências da saúde pública. Em Pernambuco, apenas duas instituições estavam aptas para prestar assistência.
Natural de Santos (SP), Daniela Venâncio morava com o marido no Recife em 2015, quando nasceu Aurora, diagnosticada com a síndrome. O casal decidiu buscar amparo na cidade natal. “A previsão era de seis meses para conseguir atendimento. Abrimos mão de trabalho e faculdade, mas não me arrependo”, afirma.
Após dois anos, Pernambuco tem quase 30 unidades de atendimento, de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (SES). Em maio de 2016, o Governo criou o Núcleo de Apoio às Famílias de Crianças com a Síndrome Congênita do Zika Vírus, que atua em 12 pontos do Estado, para monitorar o acesso aos tratamentos.
Em breve, os pequenos estarão em idade escolar, e a rede de atenção precisará se expandir para o campo educacional, como frisa a diretora-geral de Políticas Estratégicas da SES, Flávia Magno. “Já estamos articulando com a Secretaria de Educação. Essas crianças vão chegar como todas as outras que têm paralisia cerebral ou outra neuropatia e atualmente já são acompanhadas”, garante.
Além dos pequenos, as mães – principais frequentadoras dos ambientes de atendimento – também precisam de cuidados. Na Fundação Altino Ventura, no Recife, um grupo de profissionais reúne-se quinzenalmente com as mulheres e seus filhos para trabalhar o empoderamento feminino. “São histórias de rejeição, preconceito, agressões na rua, pais que as abandonam porque a criança demanda muito”, revela a psicóloga Eliane Teles.

ABANDONO – Mãe de Juan Pedro, Daniele Santos lamenta postura do ex-companheiro. Foto: Jarbas Araújo
Daniele Santos, mãe de Juan Pedro, de um ano e seis meses, descreve a relação do ex-companheiro com o filho: “É uma visita de meia hora, a cada 15 dias. Ele diz que não aceita a doença”.
Fundadora e presidente da Aliança de Mães e Famílias Raras (Amar), Pollyana Dias estima que 70% das mães ligadas à entidade criam os filhos sem o apoio dos pais. Das 420 associadas, 150 têm filhos com a Síndrome Congênita do Zika Vírus. “A mãe rara é excluída da sociedade. Surgimos para devolver a cidadania e a visibilidade a essas famílias. Oferecemos atendimentos de advogada, assistente social e psicóloga, mas também palestras e atividades lúdicas”, conta.
SERVIÇO:
Outra entidade que acolhe mães de crianças com microcefalia é a União de Mães de Anjos (UMA). Para saber o que e como doar para as instituições, acesse os sites: www.uniaodemaesdeanjos.com.br www.amareagir.com