
CAPITAL – Precariedade do sistema de esgotamento sanitário no Recife pode ser percebida na sujeira dos principais canais da cidade. Foto: João Bita
Esgotamento sanitário, abastecimento de água e coleta de lixo – estruturas que integram o sistema de saneamento básico – ainda são promessas para 2,5 bilhões de pessoas ao redor do mundo. Isso em pleno século 21. Para se ter uma ideia da dimensão do problema, é como se todos os habitantes da China e da Índia, países mais populosos do planeta, não tivessem acesso a saneamento básico. Instada por esse fato, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu em nova resolução, de dezembro de 2015 (a primeira foi em 2010), o saneamento básico como um direito humano a ser garantido, distintamente do direito à água. Em tempos de epidemia provocada pelo mosquito Aedes aegypti, não deixa de ser preocupante se dar conta de que apenas 49,8% da população brasileira tem acesso a esgotamento sanitário, e 17% ainda carecem da oferta de água potável, de acordo com dados do Governo Federal.
A garantia de saneamento básico para todos os brasileiros ainda está distante de se tornar realidade. Mesmo a estimativa mais otimista é um tanto desanimadora. Pelas metas traçadas no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) até 2033, apenas a universalização do acesso a água terá sido atingida. Nessa data, o Governo Federal prevê que 20% dos municípios continuarão sem tratamento de resíduos sólidos, e 10% ainda estarão à margem dos serviços de esgotamento sanitário. Doenças infectoparasitárias adquiridas por contato com água contaminada, a exemplo da cólera e da leptospirose, e até mesmo por picada do Aedes aegypti – como dengue, zika e chikungunya – estão diretamente relacionadas à inexistência ou à precariedade do saneamento básico. Nesses casos, a ausência do abastecimento regular de água é a grande vilã, ao impor o sistema de rodízio. A necessidade de estocar o produto e a falta de cisternas fazem com que o armazenamento seja, muitas vezes, feito de forma inadequada, contribuindo para sua contaminação.
“Por uma questão de emergência e também como forma de evitar uma catástrofe sanitária e social, defendo o redimensionamento do rodízio. Locais onde há concentração de casos dessas doenças devem ter o abastecimento de água regularizado”, opina André Monteiro, pesquisador do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (CPqAM-FioCruz). Em fevereiro deste ano, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude revelou que mais da metade das famílias que têm bebês com microcefalia em Pernambuco são de baixa renda.
Ao lembrar que a dengue ameaça a população brasileira há 30 anos, o pesquisador chama atenção para a necessidade de mudança da estratégia no combate às doenças provocadas pelo mosquito. “Se o problema só faz aumentar, é porque a estratégia formulada não é adequada.” Nesse sentido, ele aponta o saneamento básico como solução. “É fundamental que haja um rearranjo no investimento em políticas urbanas, vinculando urbanização, saneamento e habitação de forma simultânea e articulada. Assim, focamos a ação nos criadouros, não nos mosquitos.”
Responsável pelo abastecimento de água e pelo esgotamento sanitário em todo o Estado, a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) traçou como meta para este ano a garantia de fornecimento de água para 99% da população e de tratamento de esgoto para 23%. “Em 2016, faremos a ampliação do horizonte do Planejamento Estratégico e definiremos as metas para os anos subsequentes, levando em consideração os projetos em andamento”, afirma Ricardo Barreto, diretor de Novos Negócios da Compesa. Para 2016, está previsto o investimento de R$ 800 milhões.
De acordo com a Compesa, Jataúba (Agreste Central) é o município onde o acesso a água é mais precário, chegando a 31% da população. No quesito esgotamento sanitário, Gravatá (Agreste Central) figura como pior no ranking, atendendo apenas 2% da população. A situação se repete em Camaragibe e Igarassu (região metropolitana). A gestão de resíduos sólidos em Pernambuco também tem deixado a desejar. Pouco mais da metade (54%) das 11 mil toneladas de lixo produzidas diariamente no Estado tem a destinação adequada, os aterros sanitários.
No País, metas só devem ser cumpridas em 2054

SUJEIRA – Despejo de lixo em rios e canais é fator agravante. População e poder público têm responsabilidade. Foto: João Bita
A situação atual e a perspectiva de atraso no processo de universalização do saneamento básico no Brasil têm estimulado a realização de pesquisas para prever quando, de fato, as metas do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) serão cumpridas. Em estudo divulgado no mês de janeiro, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) concluiu que haverá um atraso de 21 anos, levando o alcance das metas para 2054.
“Quando avaliamos a evolução dos atendimentos de tais serviços, vemos que, caso não haja novas ações que mudem a conduta das políticas públicas para o setor, nenhuma das metas será atendida (dentro do prazo, que se encerra em 2033)”, relata trecho do estudo.
Na avaliação do Instituto Trata Brasil, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) que atua em prol da universalização do saneamento desde 2007, a expectativa negativa reflete o descaso como o tema foi tratado durante décadas, quando a infraestrutura do saneamento não acompanhou o crescimento das cidades. “Ainda temos uma situação alarmante para um país que atingiu o desenvolvimento econômico do Brasil. Sempre dizemos que temos vários ‘Brasis’ quando analisamos os números do saneamento básico. Uma parte com altos índices, mais próxim os dos europeus, e outras regiões que têm indicadores muito baixos, similares aos da África”, argumenta Édison Carlos, presidente-executivo do instituto.
Autor da tese intitulada Enigma de Hidra: o Setor de Saneamento entre o Estatal e o Privado, o professor Ronald Vasconcelos, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), não acredita que a universalização do sistema será alcançada apenas com ações estadistas. “Se formos aguardar pelo Estado, ainda vamos esperar muito, pois o comprometimento estatal com rubricas obrigatórias não tem garantido grandes sobras para investimentos.”
Como forma de não atrasar tanto a universalização do sistema, Ronald defende a adoção de uma estratégia articulada com a iniciativa privada. “Isso não significa que o governante vai se eximir de suas responsabilidades. A associação é necessária, porque sozinho o Estado não consegue”, observa.
Entre 2004 e 2014, o investimento realizado pelo Governo Federal, Estados e municípios em saneamento somou R$ 78,7 bilhões, uma média anual de R$ 7,2 bi.
*Esta matéria faz parte do jornal Tribuna Parlamentar de março. Confira a edição completa.