Joaquim Nabuco e a atuação no Parlamento de Pernambuco

Em 19/06/2010 - 00:06
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Talvez a definição que melhor represente Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo (1849-1910), citada em numerosas biografias, seja a de defensor ferrenho dos seus ideais. Pensando nesse contexto, não seria estranho afirmar que o lugar mais adequado para Joaquim Nabuco mostrar seu pensamento, considerado por historiadores “à frente do seu tempo”, fosse o Parlamento. Como ele mesmo disse, procurou na política o “lado moral” e “a imaginou como uma espécie de cavalaria moderna, a cavalaria andante dos princípios e das reformas”.

Assim, na obra Minha Formação (1900), Nabuco definiu o significado da política para si mesmo e, como era de costume, fez valer suas palavras. Nesse texto, que integra a Série 100 Anos sem Nabuco, um pouco da atuação dessa personagem no Parlamento.

Num cenário diferenciado da política no Brasil Império, Nabuco chegou à vida pública como nome cogitado para disputar, pelo Partido Liberal, as eleições gerais de 1876. Na época, os liberais enfrentavam o ostracismo e, para combater a inércia induzida pelo sistema estabelecido, deflagrou uma campanha convocando o povo às urnas. O pleito foi regido pela então Lei do Terço, que garantia a presença da Oposição no Parlamento. Sob as orientações e o convite do Barão de Vila Bela – Domingos de Souza Leão -, chefe do partido em Pernambuco, foi lançada a proposta, que pretendia colocar liberais contra conservadores, até então, os donos absolutos do poder. Nabuco, entretanto, não levou a ideia muito a sério, nem sequer veio ao Brasil, pois estava na Inglaterra prestando serviços ao País de origem. Resultado: perdeu a eleição.

Seguir os passos do pai, José Tomás Nabuco de Araújo Filho (político baiano, senador e uma das personalidades mais influentes do Império), não era pretensão de Quincas, como o abolicionista era conhecido. Nabuco de Araújo, no entanto, reivindicava ao Partido Liberal vaga para a candidatura do filho, compromisso cumprido pelo Barão de Vila Bela. Ao contrário da expectativa do pai, por muito tempo Quincas afirmou que “vivia como um curioso, atraído pelas viagens, pelo caráter dos diferentes países, pelos livros novos, pelo teatro, pela sociedade”. O desabafo em forma de discurso esteve presente na campanha eleitoral a deputado geral da Província de Pernambuco, em 1878, e nos mandatos que assumiu.

O cenário político do Brasil, quando Nabuco chegou à vida pública, era um dos mais desafiadores. Em pleno período monárquico, o discurso republicano dividia a sociedade e o Parlamento. Nesse universo polêmico, em 1878, surgiu Joaquim Nabuco como candidato, recém-chegado de Londres. As críticas foram muitas, por se tratar de um nome desconhecido e de uma figura que morava distante da terra natal. Mas ele persistiu e ganhou a primeira batalha.

No Parlamento, Nabuco tornou-se líder dos abolicionistas. Embora fosse monarquista convicto, soube conciliar a ideia com a postura abolicionista. Os discursos inflamados contagiaram quem o ouvia. Não foi à toa que a luta abolicionista provocou manifestações em massa da sociedade. “Ele foi o primeiro político a realizar discursos ao ar livre, os chamados meetings. Gostava de estar entre o povo”, ressaltou o historiador e autor do livro Joaquim Nabuco, entre a Monarquia e a República (1989), Fernando da Cruz Gouvêa.

Reforma — A campanha política de 1884 marcou a carreira de Nabuco, que apareceu muito mais crítico, contundente e com propostas mais radicais. A disputa estava lançada sob os pilares da escravidão e do latifúndio. Era a primeira vez que a cobrança por Reforma Agrária aparecia numa campanha, associada à questão da abolição. “Eu, pois, se for eleito, não separarei mais as duas questões – a da emancipação dos escravos e a democratização do solo. Acabar com a escravidão não nos basta, é preciso destruir a obra da escravidão”, disse, no famoso comício do dia 5 de novembro de 1884, no Recife.

Antes de ser político, Nabuco já defendia o social. A frase “A pátria, como a mãe, quando não existe para os filhos mais infelizes, não existe para os mais dignos”, exemplifica o seu caráter. A tônica guiou toda a vida pública e a luta pela abolição.

A liberdade religiosa e a então Reforma Constitucional também foram alvos da atuação do legislador. A defesa sensata e convicta das próprias ideias também se expressou em discursos sobre a reforma constitucional. “A nossa Constituição não é imagem dessas catedrais góticas edificadas a muito custo e que representam, no meio da nossa civilização adiantada, no meio da atividade febril do nosso tempo, épocas de passividade e de inação; a nossa Constituição é, pelo contrário, de formação natural, é uma dessas formações como a do solo, onde camadas sucessivas se depositam; onde a vida penetra por toda a parte, sujeita ao eterno movimento, e onde os erros que passam ficam sepultados sob as verdades que nascem”, afirmou, em 29 de abril de 1879.

A brilhante carreira política, coroada com o fim da escravidão, foi interrompida com a Proclamação da República, em 1889. Monarquista fervoroso, Nabuco decidiu, aos 40 anos, encerrar a carreira parlamentar mais brilhante que Pernambuco já teve. Em seguida, partiu para o ostracismo, na Inglaterra, na companhia da esposa, Evelina, e dos filhos. Lá, escreveu o que viria a ser o principal livro de história política do século XIX: Um Estadista do Império, biografia do seu pai. Mais tarde, chegou a aceitar as concepções republicanas, mas já estava longe da vida pública.

Após a trajetória política, foi nomeado, em 1905, o primeiro embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Os anos seguintes foram dedicados a trabalhos diplomáticos.