O poder que emana do povo
Mecanismos de participação popular existem, mas ainda são pouco conhecidos. Em cartilha, Alepe divulga meios para colaborar com o Poder Legislativo

MANIFESTAÇÃO – Registro de audiência pública sobre as ocupações estudantis, realizada na Alepe em 18 de novembro de 2016. Foto: Jarbas Araújo
Edson Alves Jr.
“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, diz o primeiro artigo da Constituição Federal brasileira promulgada em 1988. Em nenhuma das cartas magnas anteriores, a participação direta da sociedade teve espaço tão central.
Quase 30 anos depois, porém, a população ainda tem dificuldade para compreender os caminhos para exercitar esse direito. “Identificamos um anseio popular por uma aproximação maior com o Poder Legislativo”, observa o chefe do Núcleo de Políticas Públicas da Consultoria Legislativa da Alepe (Consuleg), Edécio Lima. Da percepção, o setor desenvolveu o projeto de uma cartilha. “Decidimos apresentar os canais que o cidadão tem para conseguir trazer à Casa as pautas que lhe interessam”, resume.
O documento mostra, em linguagem simples, como a população pode conhecer a instituição e interagir com ela (confira no quadro abaixo). Cada capítulo é dedicado a um desses instrumentos.
Fique sabendo!
Como a sociedade civil pode participar das decisões do Poder Legislativo estadual?
. Comparecendo a reuniões plenárias e acompanhando o que está em votação na Ordem do Dia
. Participando de audiências públicas e outros eventos que fazem parte da Agenda da Alepe
. Apresentando projeto de lei de iniciativa popular (confira as regras no Regimento Interno)
. Sugerindo projetos de lei por meio da Comissão de Cidadania
. Apresentando petição, reclamação ou sugestão à Ouvidoria
. Interagindo nas redes sociais oficiais da Alepe: Facebook, Twitter, Instagram e Youtube
Fonte: Cartilha Participação Popular (Consuleg/2018)
Um dos principais mecanismos de participação popular abordados é a audiência pública. Nesse tipo de reunião, qualquer pessoa tem espaço para se posicionar sobre o assunto em debate. “Nós, deputados, não conseguimos substituir a inteligência coletiva. Como discutir, por exemplo, violência obstétrica e parto humanizado sem ouvir as pessoas que lidam com isso no dia a dia?”, considera o presidente da Comissão de Cidadania, Edilson Silva (PSOL).
Outro exemplo de influência popular no processo legislativo foi o projeto de lei do ex-deputado Miguel Coelho com o objetivo de regulamentar as feiras de produtos orgânicos. Após quase dois anos de tramitação e debates, o resultado foi um novo texto substituindo o anterior, apresentado pela Comissão de Meio Ambiente da Alepe. “A presença dos muitos atores envolvidos fez a proposição chegar a um denominador comum que atendeu todos”, acredita o deputado Zé Maurício (PP), presidente do colegiado.
“O projeto original se baseava numa lei criada em Curitiba (PR) e só considerava a realidade das capitais, entre outros problemas”, avalia Davi Fantuzzi, coordenador da Comissão de Produção Orgânica de Pernambuco (CPOrg-PE) e assessor de Comercialização do Centro Sabiá. “Fizemos vários debates, inclusive uma audiência pública que reuniu 250 agricultores na Alepe, vindos de todo o Interior”, conta. A partir desse encontro, chegou-se ao texto final aprovado no Plenário, reunindo as contribuições de agricultores e representantes dos Governos Estadual e Federal que compõem a CPOrg-PE.
Iniciativas
A Constituição de Pernambuco, assim como a Federal, prevê os instrumentos do plebiscito e do referendo para saber a posição da população sobre determinados temas. No primeiro caso, a sociedade é ouvida antes mesmo de o assunto ser debatido pelos deputados. Já a segunda possibilidade permite que ela aceite ou reprove uma lei já aprovada pelo Parlamento.
A própria autoria de uma norma pode, entretanto, estar nas mãos do cidadão, por meio de um projeto de lei de iniciativa popular, que deve ter a assinatura de pelo menos 1% dos eleitores, entre outras exigências. Ainda é possível apresentar uma sugestão legislativa, que é quando associações, órgãos de classe, sindicatos e entidades organizadas da sociedade civil trazem a proposta diretamente à Comissão de Cidadania da Casa.
Até então, não há registro de plebiscito, referendo, iniciativa popular ou sugestão legislativa na Alepe. “Na prática, as iniciativas que têm origem na população só vão em frente quando ‘adotadas’ por um deputado’”, complementa Edilson Silva.
“A Constituição de 1988 foi a mais democrática da nossa história, mas as possibilidades de participação direta criadas foram bem limitadas com exigências difíceis de cumprir, como recolher e conferir a assinatura de mais de 1,4 milhão de eleitores no Brasil”, avalia a professora de Direito da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) Maria Lúcia Barbosa.
Durante o doutorado, ela pesquisou as hipóteses de participação popular no Brasil e na América Latina. “Em outros países, se um projeto de iniciativa popular recebe o apoio de 0,5% da sociedade, ele não só entra em tramitação como tranca a pauta de votação”, comenta a especialista.
Por dentro das decisões
Deputados e representantes de entidades da sociedade civil organizada sugerem formas de aumentar presença dos cidadãos no Parlamento
Davi Fantuzzi
Centro Sabiá
“A população poderia se apropriar mais das reuniões das comissões, do Plenário e das audiências públicas. Os debates em horário diurno dificultam a participação de trabalhadores. Já a pauta das comissões deveria ter melhor divulgação – poderíamos ter um blog para cada uma delas.”
Pollyana Dias
Aliança das Mães e Famílias Raras (Amar)
“Participar da Frente Parlamentar em Defesa da Pessoa com Deficiência foi uma maneira de fazer a nossa voz ser ouvida. Mas ainda existem barreiras. As ações precisam ser anunciadas com mais antecedência e, no caso das pessoas com deficiência, os eventos deveriam ir mais para onde elas estão.”

Horácio Reis
Conselho Estadual de Educação
“Os conselhos estaduais, como os de Educação e de Saúde, monitoram a aplicação de recursos. A Alepe precisa de um planejamento estratégico para a população se sentir mais representada. O principal é qualificar o debate democrático sobre as políticas públicas, para a participação não ser bloqueada.”
Rodrigo Novaes (PSD)
Vice-líder do Governo
“Hoje, no site da Alepe, utiliza-se pouco o acompanhamento da tramitação dos projetos e o Portal de Transparência. As comissões estão sempre abertas às denúncias da população. Propus a criação do Parlamento Jovem, para que a juventude possa vivenciar e aprender a rotina do Legislativo na Alepe.”
Edilson Silva (PSOL)
Presidente da Comissão de Cidadania
“Propusemos uma iniciativa que previa ferramentas on-line para sugerir leis e avaliar projetos. Outra ideia é uma ‘Tribuna Popular’, em que, pelo menos uma vez por semana, algum cidadão tivesse direito a um discurso de 15 minutos no Grande Expediente.”
Teresa Leitão (PT)
Presidente da Comissão de Educação
“Além das audiências públicas, temos as Aulas de Cidadania, voltadas para estudantes, e a Ação Formativa Mulheres na Tribuna. Assistir a reuniões das comissões e do Plenário ajudaria a população a compreender melhor o trabalho do Legislativo, que não se restringe a atender apenas às demandas localizadas de uma rua ou de um bairro.”