Edson Alves Jr.
Manter ou não Estados e municípios na Reforma da Previdência apresentada pelo Governo Federal? A pergunta tem motivado os principais embates na Comissão Especial da Câmara dos Deputados que discute a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 6/2019, e a discussão chegou à Alepe. Estão em jogo mudanças que podem afetar cerca de 102 mil servidores ativos e quase 94 mil inativos e pensionistas em Pernambuco, já que uma das possibilidades levantadas pela proposição é também aumentar as contribuições daqueles que se aposentaram.

MUDANÇA – Relator da PEC na Comissão Especial, Samuel Moreira elaborou texto que atinge apenas servidores públicos federais, deixando Estados e municípios de fora. Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Pelo texto original, os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), como são chamados os sistemas de aposentadoria dos servidores públicos, teriam que adotar a mesma idade mínima do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Desse modo, assim como os empregados na CLT, servidores públicos homens cumpririam 65 anos e as mulheres, 62 – e não mais os atuais 60 e 55 anos, respectivamente. Além disso, a contribuição dos estatutários passaria para 14% (hoje é de 13,5%), podendo ser acrescida de alíquotas extraordinárias de até 8% nos Estados, se houver déficit atuarial.
No entanto, o relator do projeto na Comissão Especial dedicada à Reforma, deputado federal Samuel Moreira (PSDB-SP), elaborou texto que atinge apenas servidores públicos federais – possíveis mudanças nos sistemas de previdência de Estados e municípios seriam definidas por cada um deles, posteriormente. Além disso, não haveria mais alíquotas extraordinárias de contribuição, mas seriam autorizadas aquelas progressivas (quem ganha mais, paga uma porcentagem maior do salário). A nova redação ainda prevê a possibilidade de cobrar contribuição de inativos sobre valores recebidos acima de um salário mínimo. Atualmente, contribuem apenas os aposentados e pensionistas que recebem acima do teto do RGPS.
A discussão é bastante relevante para o Governo de Pernambuco, por conta do impacto que a Previdência tem nas finanças estaduais. Em 2018, R$ 2,6 bilhões dos recursos do Estado foram consumidos para custear o déficit com aposentadorias de servidores públicos. Para se ter uma ideia, o valor gasto com recursos próprios na Secretaria de Educação no período foi quase equivalente – cerca de R$ 2,8 bilhões.

ANÁLISE – “Números mostram que é necessário fazer alterações na idade e no tempo de contribuição, já que as pessoas estão vivendo mais”, afirma presidente da Funape, Tatiana Nóbrega. Foto: Nando Chiappetta
“Os números mostram que é necessário fazer alterações na idade e no tempo de contribuição para as aposentadorias, já que as pessoas estão vivendo mais”, afirmou Tatiana Nóbrega, presidente da Fundação de Aposentadoria e Pensões dos Servidores de Pernambuco (Funape). Ela participou de audiência pública realizada pela Comissão Especial da Reforma da Previdência Social da Alepe. “Temos uma proporção quase de um para um, quando sistemas de repartição, como o atual, precisam de uma proporção de quatro ativos para um inativo a fim de se manterem equilibrados”, complementou o diretor de Previdência Social (DPS) da Funape, Maurício Benedito.
A mudança da previdência estadual para o sistema de capitalização já está autorizada pelas leis complementares de números 257/2013 e 258/2013, mas até hoje não foi implementada. Apesar de significar diminuição de custos a longo prazo, instaurar o modelo sem alterar as regras de aposentadoria deixaria o déficit ainda maior pelos próximos 30 anos, pelo menos, segundo estudo da Consultoria Legislativa (Consuleg) da Alepe.
De acordo com o Governo Federal, a proposta original da PEC 6/2019 geraria uma economia de R$ 12,14 bilhões para Pernambuco nos próximos dez anos. Desse total, R$ 10,54 bilhões correspondem ao que o Estado deixaria de gastar com pagamentos de aposentadorias, pensões e demais benefícios dos servidores, e mais R$ 1,6 bilhão com policiais e bombeiros militares.
Diferenças
A grande distinção entre os sistemas previdenciários dos Estados e da União é que parte significativa dos servidores estaduais integra categorias que têm direito à aposentadoria antecipada: professores do Ensino Básico, juntamente com bombeiros e policiais militares, entre outros, representam 42,8% do total dos atuais vínculos em Pernambuco (48% considerando ativos e inativos).
A média salarial dos docentes da rede estadual é de R$ 3,9 mil, enquanto a dos militares é de R$ 5 mil, conforme Demonstrativo de Resultados da Avaliação Atuarial (DRAA) relativo a 2017 do Governo do Estado. Para efeito de comparação, a média de renda dos servidores do Poder Executivo Federal foi de R$ 8,1 mil em 2016.
Jorgiana Araújo, diretora de Assuntos de Gênero do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe), criticou as medidas previstas no texto original da Reforma da Previdência para as professoras, destacando a questão de gênero envolvida: no Ensino Básico, 80% dos docentes são mulheres. “Para se aposentar com 100% dos rendimentos, elas terão que começar a trabalhar aos 20 anos e sair aos 60. Não consigo ver uma professora de mais de 60 anos conseguindo lecionar para mais de 40 alunos”, apontou a sindicalista.
A proposta para os professores foi modificada no relatório apresentado pelo deputado federal Samuel Moreira. No parecer elaborado por ele, os professores do Ensino Básico vinculados a Estados e municípios não terão seus sistemas de previdência alterados. Já para os docentes de Ensino Fundamental e Médio vinculados a instituições federais e à iniciativa privada, o parecer apresentado na Câmara indica uma suavização da proposta original do Governo Federal especificamente para as mulheres, com a diminuição da idade mínima proposta de 60 para 57 anos.

TRIBUNA – equivalência entre militares estaduais e os das Forças Armadas foi criticada por Joel da Harpa. Foto: Roberto Soares
No entanto, o parecer não fez modificações na PEC 6/2019 com relação aos policiais militares, aos quais se aplicariam regras similares às propostas para as Forças Armadas: precisariam alcançar as idade mínimas definidas para suas patentes na legislação federal ou completar 35 anos de serviço para passarem à reserva. Atualmente, é possível passar à reserva remunerada com 30 anos de serviço, ou então ao alcançar a idade mínima de cada patente, que pode variar entre 51 e 59 anos.
A equivalência entre militares estaduais e os das Forças Armadas foi criticada pelo deputado Joel da Harpa (PP) em Plenário. “É fácil para um general trabalhar por mais anos, mas um praça da Polícia Militar que completa 30 anos de serviço está completamente esgotado, com vários problemas de saúde e, principalmente, com transtornos psicológicos”, argumentou.
Debate na Alepe
Na Assembleia Legislativa de Pernambuco, a inclusão ou não dos regimes próprios de Estados e municípios na proposta federal de Reforma da Previdência vem repercutindo. Para o líder do Governo na Casa, deputado Isaltino Nascimento (PSB), retirar o tema da discussão é “terceirizar uma tarefa do Congresso Nacional para vereadores e deputados estaduais”.

CRÍTICA – Para Isaltino, retirar Estados e municípios da discussão é “terceirizar uma tarefa do Congresso Nacional para vereadores e deputados estaduais”. Foto: Roberta Guimarães
“É uma irresponsabilidade, que criará no País uma ‘Torre de Babel’. Serão 27 previdências estaduais e mais de dois mil municípios que discutirão reformas diversas, as quais poderão ser prejudicadas em razão da disputa eleitoral municipal que se aproxima”, analisou. Para o parlamentar, crítico da PEC 6, a proposta só é vantajosa para integrantes das Forças Armadas. “Todas as outras categorias só perdem”, considerou Isaltino.
Outros deputados estaduais que se pronunciaram em Plenário sobre o assunto defenderam a inclusão de todos os entes federativos na Reforma, mas apoiam a proposta apresentada pelo Governo Federal. Segundo Romário Dias (PSD), que foi conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE), cerca de 85% dos municípios pernambucanos não terão, em dez anos, caixa suficiente para honrar o pagamento das aposentadorias dos servidores. “A PEC 6 tem que ser aprovada em Brasília para valer para todos os lugares. Estados e municípios poderão, depois das regras gerais serem definidas, fazer as adaptações necessárias”, argumentou.
Já a deputada Priscila Krause (DEM) cobrou maior envolvimento do governador Paulo Câmara na aprovação do texto. “Só nos primeiros quatro meses deste ano, Pernambuco gastou R$ 170 milhões a mais que no mesmo período de 2018 com o pagamento de aposentados e pensionistas”, apontou. “Até o momento, o PSB fecha os olhos ao futuro e enxerga apenas a eleição de 2020, fazendo jogo duplo e dificultando diretamente a possibilidade de darmos esse passo à frente. Uma incoerência que a história cobrará”, avaliou. Para ela, a Alepe deve se preparar para fazer uma reforma própria caso a mudança nos RPPSs estaduais seja excluída da PEC em discussão no Congresso.

SUGESTÃO – Presidente da Comissão Especial da Alepe, Barros defende “previdência geral única, com fundo que possa garantir o equilíbrio fiscal e financeiro do sistema”. Foto: Roberta Guimarães
“Para mim, seja no Congresso ou aqui na Alepe, temos que ter coragem de fazer essa Reforma. Mas claro que fazer no Congresso é melhor” avalia o deputado Antônio Moraes (PP), presidente da Comissão de Administração Pública. “É normal o Governo colocar mais ‘gordura’ num projeto e então negociar isso com o Legislativo. Mas temos que ter coragem para discutir esse tema, pois esses R$ 2,6 bilhões que vão para as aposentadorias e pensões deixam de ser aplicados em obras e, com o envelhecimento da população, não se sabe se lá na frente conseguiremos pagar esses valores”, considerou.
Na opinião do presidente da Comissão Especial da Reforma da Previdência Social, deputado Doriel Barros (PT), “as mudanças apresentadas no Congresso Nacional até agora não atendem ao País como um todo, nem aos Estados e municípios”. Ele sugeriu que o sistema geral de União, Estados e municípios tenham “uma previdência geral única, com um único fundo que possa garantir o equilíbrio fiscal e financeiro do sistema”.
*Imagens em destaque (home e Notícias Especiais): Roberto Soares