Decreto sobre demarcação de terras quilombolas é debatido na Assembleia

Em 20/06/2017 - 18:06
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DISCUSSÃO – Promovido pelas comissões de Justiça e de Educação da Casa, o encontro abordou o julgamento sobre a constitucionalidade da lei. Foto: Roberto Soares

O julgamento sobre a constitucionalidade do Decreto Federal n° 4.887/2003 – que regulamenta a demarcação e titulação das terras dos povos remanescentes de quilombolas no Brasil – motivou audiência pública, nesta terça (20), na Alepe. Promovida pelas comissões de Justiça e de Educação e Cultura da Casa, a discussão envolveu representantes dessas comunidades e de movimentos sociais de Pernambuco e de outros Estados.

A deliberação em torno da norma, assinada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, será feita pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), sediado no Recife. O defensor público da União Geraldo Vilar explicou que a ação é um desdobramento do processo de desapropriação de terra feito em 2003, em benefício da comunidade quilombola de Acauã, localizada no município potiguar de Poço Branco. A medida foi questionada judicialmente pelos antigos proprietários do local, que entendem que o decreto fere a Carta Magna.

Vilar ainda informou que uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) sobre o tema também tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo o defensor, o argumento jurídico apresentado pelos que questionam o Decreto 4.887/2003 é de que seria necessária uma lei para regulamentar o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o qual garante o direito ao reconhecimento de propriedade definitiva aos quilombolas. Mas ele discorda. “A regra é autoaplicável pela Constituição Federal e, portanto, não há necessidade de uma lei. O decreto serve apenas para dar concretude a um direito fundamental”, alegou.

PARTICIPAÇÃO - Membros de comunidades quilombolas de todo o Nordeste estiveram no debate. Foto: Roberto Soares

PARTICIPAÇÃO – Membros de comunidades quilombolas de todo o Nordeste estiveram no debate. Foto: Roberto Soares

Gabriella Santos, da Comissão Pastoral da Terra, ressaltou a amplitude do  impacto da decisão do TRF5, cuja jurisdição abrange os Estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe. Atualmente, segundo ela, estima-se em 20 mil o número de famílias quilombolas no Nordeste, região de maior concentração no País. “A prerrogativa desses povos de permanecer em seus territórios está prevista na Constituição Federal. Por ser um direito fundamental, tem aplicabilidade imediata”, corroborou. Gabriella defendeu, ainda, a força legal da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e do Estatuto da Igualdade Racial, documentos que também regulam a questão fundiária dos povos quilombolas.

“A sociedade brasileira foi erguida sobre o racismo e sobre a concentração de terra. O que vai estar em julgamento no TRF é a estrutura fundiária do nosso País”, resumiu Fernando Prioste, representante do Movimento Terra de Direitos. “A regularização fundiária quilombola é um dever do Estado brasileiro, bem como as políticas públicas necessárias e dela decorrentes”, acrescentou Jonas Rodrigues, da Fundação Cultural Palmares.

Para o representante da Coordenação Estadual dos Quilombos, Antônio Crioulo, “os poderes Judiciário, Executivo e Legislativo estão a serviço de um poder único, o do capital. É por essa questão que os povos negros têm perdido as brigas”, opinou. O racismo institucional também foi o tema abordado pela procuradora do Ministério Público de Pernambuco, Maria Bernadete Figueiroa. “O povo quilombola é tratado, muitas vezes, como oportunista. Não apenas pelos proprietários de terras, mas, infelizmente, também pela Justiça”, disse. O presidente do Quilombo Acauã, Sebastião Silva, acredita que “é o direito humano que está sendo violado”. Para ele, a luta pela constitucionalidade do decreto soma-se a outras batalhas travadas, cotidianamente, pelos povos quilombolas no Brasil.

Avaliação – Presidente da Comissão de Educação, a deputada Teresa Leitão (PT) falou sobre o simbolismo da discussão promovida na Alepe. “Os poderes instituídos têm de ter opinião e intervir toda vez que acharem que um deles não está atuando como deveria. O debate é para dizer que somos contra essa ação”, defendeu. “Cumprimos nosso papel de ouvir os movimentos sociais. Vamos reunir as imagens e discursos aqui registrados e juntar ao processo, buscando sensibilizar o TRF sobre a constitucionalidade do decreto”, acrescentou o líder do Governo, deputado Isaltino Nascimento (PSB), que presidiu o encontro.

“A luta em defesa dos territórios de povos quilombolas é contra uma lógica econômica destrutiva, a qual entende que o modo de vida das populações tradicionais não atende às demandas da sociedade contemporânea”, analisou o presidente da Comissão de Cidadania, deputado Edilson Silva (PSOL), que também participou do encontro.