
MENSAGEM – “As primeiras notícias recebidas, após quatro anos de um pesadelo silenciado por ameaças, por dores físicas e na alma: ela voltou a sorrir!”, leu Teresa Leitão. Foto: Evane Manço
Os fatos que envolveram a interrupção da gravidez de uma menina de 10 anos, vítima de estupros cometidos pelo tio, motivaram debate na Reunião Plenária desta quinta (20). No último domingo (16), a criança foi transferida do Espírito Santo para se submeter ao aborto autorizado pela Justiça no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), no Recife. A manifestação convocada por grupos político-religiosos contrários ao procedimento foi alvo de pronunciamentos da deputada Teresa Leitão (PT) e dos deputados Pastor Cleiton Collins (PP), João Paulo (PCdoB) e Alberto Feitosa (PSC).
No Pequeno Expediente, Teresa Leitão leu uma mensagem direcionada à garota: “As primeiras notícias recebidas, após quatro anos de um pesadelo silenciado por ameaças, por dores físicas e na alma: ela voltou a sorrir!”. Mais adiante, a parlamentar ressaltou que “ela sorriu primeiro para a avó e pôde sorrir para a vida. Vida exposta no Recife, por uma notoriedade macabra que a menina certamente não alcança a extensão. Vida que, por conta disso, terá que seguir com novas identidades: outro nome, outro endereço, outra escola”.
A petista também desejou, por meio do texto, “que o coração da criança cresça em tolerância e em bondade! Em caridade, no princípio cristão. Que não deixe de ter fé na vida. Que se constitua como mulher futuramente. Plena de direitos, ciente de autonomia”.
Na sequência, Pastor Cleiton Collins afirmou que esteve no local apenas para se inteirar dos fatos. “O que aconteceu nos dói muito. Sou solidário à criança. Quis ajudar e ouvir, jamais hostilizar a menina ou os médicos”, assegurou. O deputado disse que aguardava informações, como a razão de o procedimento não ter sido realizado no Espírito Santo. “Esse ponto está sob investigação e espero que os esclarecimentos sejam divulgados em breve.”

FAKE NEWS – Pastor Cleiton Collins afirmou que esteve no local apenas para se inteirar dos fatos. “O que aconteceu nos dói muito. Sou solidário à criança.” Foto: Evane Manço
Por outro lado, o parlamentar do PP lamentou ter sido alvo de notícias falsas nas redes sociais, envolvendo o nome dele e o da esposa, a vereadora do Recife Michele Collins (PP). Conforme falou, uma das postagens foi feita pela ex-nadadora Joanna Maranhão. “Ela disse que nós estivemos lá e chamamos a criança de assassina. Nós não fizemos isso. Apesar de ter apagado o texto, espero que se retrate publicamente”, enfatizou.
Ainda segundo Cleiton Collins, as pessoas deveriam pensar bem antes de postar fake news, pois isso pode trazer muitos prejuízos a quem for caluniado. Ele sugeriu que a Alepe crie alguma instância para debater o assunto e acrescentou que está “tomando providências para se proteger desses ataques”.
Legalidade – Ao comentar a questão durante o Grande Expediente, João Paulo apontou desrespeito aos valores humanos. “Em tempos de intolerância e fundamentalismo, os apoiadores do Governo Federal praticam a violência e desprezam os ensinamentos cristãos. Além de ter sido vítima de estupro por quatro anos, a menina foi alvo da condenação dos donos da verdade”, avaliou. O comunista lembrou que, mesmo estando amparada pela legislação, a garota foi “satanizada” nas redes sociais e também em frente ao hospital. “Vimos um retorno aos primórdios da civilização, quando as crianças eram submetidas a sacrifícios.”
De acordo com João Paulo, foi assustador observar integrantes do Governo Bolsonaro, como a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, pautando-se pelo fundamentalismo para ganhar exposição. “Também lamento a participação de colegas da Casa no ato em frente ao Cisam. Esse tipo de atitude mancha este Parlamento”, acredita. Para o deputado, “as práticas fascistas da gestão federal estão se espalhando”. “Não foi à toa que Jair Bolsonaro foi denunciado ao Tribunal de Haia por crime de genocídio, em razão de sua postura diante da pandemia”, lembrou, chamando atenção para a morte de dois mil índios.

INTOLERÂNCIA – João Paulo apontou desrespeito aos valores humanos: “Além de ter sido vítima de estupro, menina foi alvo da condenação dos donos da verdade”. Foto: Jarbas Araújo
Para concluir, o comunista citou um pensamento do líder religioso indiano Ravi Shankar sobre a importância de se promover o respeito às diferenças. “É quando o sentido de pertencimento termina que começam a violência, o preconceito e a intolerância. Por isso, precisamos estar em busca de maneiras para reduzir o estresse e unir pessoas das várias ideologias, classes sociais e modos de pensar, em um gesto de celebrar as diferenças e honrar a compaixão.”
Em aparte, Joel da Harpa (PP) afirmou estar preocupado com o posicionamento de alguns deputados. “Fui eleito democraticamente e conheço minhas prerrogativas como parlamentar. Cada um tem as suas pautas e sabe aonde deve ir e o que pode fazer. Não tenho satisfação a dar a nenhum colega”, assinalou.
O progressista vê “oportunismo político” por parte dos partidos de esquerda no “ataque aos políticos, que tinham o direito de saber como se deu todo o processo que levou ao aborto”. “Sugiro uma audiência pública sobre o tema, com a presença do diretor do Cisam e do secretário de Saúde, André Longo.” O deputado ainda observou que surgiram muitas mentiras envolvendo seu nome e que já acionou a Justiça para processar os autores.
Teresa Leitão solicitou um aparte para ressaltar que, no Brasil, existe liberdade de expressão e que as pressões que a menina vinha sofrendo antes de chegar ao Recife precisam ser apuradas. “Tentar usar o cargo ou mandato para exercer interferência em ações que vão contra a legislação deve ser investigado e punido. A Assembleia foi exposta e estamos sendo cobrados”, alegou.

PRERROGATIVA – Joel da Harpa vê “oportunismo político” por parte dos partidos de esquerda no “ataque aos políticos, que tinham o direito de saber como se deu todo o processo que levou ao aborto”. Foto: Evane Manço
“Muitas pessoas têm usado esse episódio para se promover politicamente. Boa parte dos que foram ao hospital dizendo que estavam em defesa da vida são favoráveis à pena de morte e não se envergonham com o descaso do Governo Federal em relação à pandemia”, complementou Doriel Barros (PT).
Em resposta, João Paulo analisou que Joel da Harpa está “se sentindo acuado pela sociedade e por muitos deputados, por isso tenta atacar a esquerda e o diretor do Cisam, Olímpio de Moraes”. “Vossa Excelência foi desrespeitoso e seus questionamentos são desqualificados. O que houve ali foi o cumprimento de uma decisão judicial”, reiterou.
Apuração – Também no Grande Expediente, Alberto Feitosa destacou que não adianta acusar parlamentar A ou B de ter sido antiético nesse caso. “Os políticos de esquerda, incluindo João Paulo, têm um grande histórico de desrespeito a decisões judiciais”, sublinhou. Ele informou que esteve no hospital, por volta das 22h do domingo, porque também queria se inteirar sobre o que estava havendo. “Recebi dezenas de telefonemas e mensagens questionando o vazamento do fato e precisava apurar.”
Para Feitosa, o Governo do Estado “tem muitas explicações a dar” em relação ao assunto. “Apesar de ter ido ao local, não consegui falar com ninguém do Cisam. Também telefonei para algumas autoridades, mas não fui atendido. Então, me dirigi a um tenente que estava comandando a operação policial e lhe pedi que me encaminhasse a lavratura da ocorrência”, contou.

INFORMAÇÃO – Para Alberto Feitosa, “antes de entrar na onda acusatória, é preciso analisar nível de respeito a parlamentares”: “Não recebi retorno dos telefonemas feitos aos membros do Governo do Estado”. Foto: Evane Manço
De acordo com o deputado, “antes de entrar na onda acusatória da mídia e de alguns movimentos, é preciso analisar o nível de respeito às prerrogativas parlamentares, pois, até hoje, não recebi nenhum retorno dos telefonemas feitos aos membros do Governo do Estado”. “Reforço meu apelo para que a Casa se manifeste em relação à postura do Poder Executivo. Os deputados não estão conseguindo ter acesso às informações requeridas”, reclamou.
Em aparte a Feitosa, João Paulo garantiu que tudo ocorreu como deveria e a menina agora está bem. “Se eu fosse o governador de Pernambuco e nenhum Estado quisesse fazer o procedimento, teria autorizado porque havia o amparo legal. Estarei sempre em favor da vida e do combate às injustiças sociais.”
Para Teresa Leitão, os parlamentares que queriam interromper o procedimento tentam “desviar o assunto”, ao acusar colegas e partidos. “Vocês não são os paladinos da lei e da ordem. Deputado tem várias prerrogativas, mas não é o dono do mundo e precisa respeitar o decoro. Lamento que alguém que já foi secretário de Estado não consiga ser atendido por nenhuma autoridade. É constrangedor”, expressou.
Em aparte, Waldemar Borges (PSB) classificou as manifestações no hospital de “arruaça”. “Houve um conjunto de absurdos e arbitrariedades. A situação da criança, que vinha sendo agredida por anos e corria risco de morrer, não estava sendo considerada. O que mais me estarreceu foram as tentativas de impedir o acesso dos médicos ao local de trabalho e de invadir a maternidade”, avaliou.

CRÍTICA – Waldemar Borges classificou as manifestações no hospital de “arruaça”. “Houve um conjunto de absurdos e arbitrariedades”, disse. Foto: Evane Manço
Conforme o socialista, “a população pernambucana está unida contra aquela barbárie revelada pelas imagens”. Além disso, Borges cobrou a apuração de uma denúncia de que alguns médicos entraram no quarto da menina antes do procedimento para tentar convencê-la a mudar de ideia. “Isso se chama tortura psicológica e precisa ser investigado e punido com rigor”, ressaltou. O parlamentar também parabenizou os policiais militares, que conseguiram conter os manifestantes e defender o hospital.
O presidente da Alepe, Eriberto Medeiros (PP), lembrou que todos os deputados sabem de suas prerrogativas e direitos, mas também devem atentar para o fato de que são regidos por algumas normas, como o Regimento Interno da Casa. ”A Mesa Diretora e a Comissão de Ética estão acompanhando as discussões. Quem tiver alguma reivindicação a fazer conhece os instrumentos existentes”, avisou. Ele acrescentou que “cada parlamentar deve ser responsável por seus atos e comportamento”. “A Casa preservará o bom trabalho e o respeito ao povo pernambucano”, concluiu.