Sobre duas rodas

Em 10/05/2018 - 15:05
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DEMANDA - Integrante da Ameciclo, Pedro Guedes questiona políticas públicas voltadas mais ao lazer que à mobilidade e defende o aumento dos investimentos em ciclovias. Foto: Sabrina Nóbrega

DEMANDA – Integrante da Ameciclo, Pedro questiona políticas públicas que priorizam lazer a mobilidade. Foto: Sabrina Nóbrega

 

Haymone Neto

Em 1817, o inventor alemão Karl Von Drais criou um objeto de duas rodas batizado de “máquina de correr”. A criação passou por várias melhorias e, em pouco tempo, ficou conhecida com o nome usado até hoje: bicicleta. Duzentos anos depois, e com mais de um bilhão de exemplares fabricados em todo o mundo, esse meio de transporte é visto não apenas como um invento genial, mas uma alternativa segura, barata, saudável e ecológica para o meio urbano.

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No Brasil, ela é muito popular e os governos têm, aos poucos, melhorado a legislação e ampliado a infraestrutura para ciclistas. Segundo o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco (CAU), Rafael Amaral Tenório, atualmente a bicicleta é fundamental para planejar a mobilidade das cidades. “Não existe projeto de mobilidade sem levar em consideração o modal bicicleta”, observa.

Para ele, é “um caminho sem volta”: “É muito complicado, diante das limitações de investimento, conseguir um resultado imediato. Porém, a médio e longo prazo, vamos ver, em âmbito nacional, o impacto das implantações de ciclovia e o modal bicicleta sendo cada vez mais absorvido, a exemplo das grandes cidades da Europa”, analisa o representante do CAU.

NECESSIDADE - Para presidente do CAU, Rafael Tenório, “não existe projeto de mobilidade sem levar em consideração o modal bicicleta”. Foto: Divulgação

NECESSIDADE – Para presidente do CAU, Rafael Tenório, “não existe projeto de mobilidade sem levar em consideração o modal bicicleta”. Foto: CAU/Divulgação

Apesar dos avanços, em geral, as condições de pedalar no Brasil estão longe de ser satisfatórias, e quem diz isso são os próprios ciclistas. De acordo com a pesquisa Perfil do Ciclista, coordenada pela organização não governamental (ONG) Transporte Ativo e publicada em 2015, metade dos usuários brasileiros pedalaria mais se houvesse uma infraestrutura melhor.

58%
das viagens feitas de bicicleta têm como destino o trabalho.

De acordo com Pedro Guedes, integrante da Associação Metropolitana dos Ciclistas do Grande Recife (Ameciclo), as políticas públicas para uso da bicicleta em Pernambuco têm se voltado mais ao lazer do que à mobilidade. Ele defende o aumento dos investimentos em ciclovias. “Têm sido sempre em ações no final de semana ou em dias específicos para fazer eventos usando a bicicleta como plataforma”, avalia. “A gente tem evidências de um uso muito grande da bicicleta para transporte hoje em vários pontos da Região Metropolitana do Recife e nenhum desses locais recebeu, por exemplo, investimentos em ciclovia.”

Em Pernambuco, a política de uso da bicicleta passa pelo Plano Diretor Cicloviário da Região Metropolitana do Recife (PDC), um documento lançado em 2014 que define as diretrizes para a ampliação da rede de ciclovias na região. A pesquisa que fundamentou o PDC traz algumas pistas sobre o perfil do ciclista do Grande Recife. Ela mostra que 58% das viagens feitas com bicicleta têm como destino o trabalho. Três em cada quatro ciclistas é trabalhador e usa o meio de transporte entre 7h e 8h e das 17h às 18h.

É com foco nesse público que o PDC prevê a construção de quase 600 quilômetros de ciclovia em toda a região, como explica o gerente de Ciclomobilidade da Secretaria Estadual de Turismo, Esporte e Lazer, Jáson Torres. “Em torno de 58% da responsabilidade será do Estado, por meio das ciclovias metropolitanas. O restante será dos municípios, com a estrutura complementar. Além disso, essas diretrizes obrigam a colocar estacionamentos para bicicleta, os bicicletários, vinculados ao sistema de transporte público”, afirma.

R$ 355 midevem ser investidos por Estado e municípios para cumprir plano cicloviário da RMR até 2024.

O PDC prevê investimentos do Estado e dos municípios de R$ 355 milhões até 2024. Se os recursos saírem do papel, pode haver impacto positivo na mobilidade, mas também em outras áreas, como a saúde pública. A razão para isso é que o uso diário da bicicleta, assim como outras atividades físicas, ajuda a combater males como dores, diabetes e hipertensão.

A prática pode facilmente ser incluída no dia a dia, como explica o cardiologista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Frederico Ribeiro. “Uma das estratégias que alguns trabalhos mostram que têm dado certo é incluir atividade física na rotina diária. Assim, você pode utilizar a bicicleta como um meio de transporte agradável e eficaz”, indica.

Para ele, porém, o desafio é garantir segurança nesse percurso. “Ter uma ciclovia ou calçada segura até o trabalho e de volta para casa, e que não se corram riscos de ser atropelado, sofrer acidentes de carro. Também é importante a educação dos motoristas para respeito aos ciclistas e vice-versa”, complementa Ribeiro.

Mas antes de tirar a bicicleta da garagem, o médico faz algumas recomendações. Quem é sedentário e tem mais de 40 anos, deve passar pela avaliação de um cardiologista. Para todas as idades e condições físicas, o ideal é usar luvas, capacete e fazer a manutenção periódica da bicicleta, acrescenta.