Projeto para acabar com tarifa mínima de água e energia é debatido na Comissão de Justiça

Em 26/04/2018 - 17:04
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DÚVIDA - Representantes das empresas explicaram base legal da arrecadação e razão da cobrança mesmo daqueles que não utilizaram os serviços. Foto: Sabrina Nóbrega

JUSTIFICATIVA – Representantes das empresas explicaram base legal da arrecadação e razão da cobrança mesmo daqueles que não utilizaram os serviços. Foto: Sabrina Nóbrega

Para embasar o entendimento dos parlamentares que vão apreciar o Projeto de Lei (PL) n° 712/2016, que visa acabar com a cobrança de tarifa mínima de consumo de água e de energia elétrica no Estado, a Comissão de Justiça recebeu, nesta quinta (26), representantes das concessionárias que ofertam esses serviços em Pernambuco. Durante a audiência pública, os profissionais esclareceram a base legal da arrecadação e a razão técnica de, atualmente, empresas de todo o Brasil exigirem pagamento mesmo daqueles que não utilizaram o serviço.

Autor do PL, o deputado Rodrigo Novaes (PSD) defende a prerrogativa do Parlamento Estadual legislar sobre o tema. “Não podemos interferir nas questões técnicas de distribuição de energia e abastecimento de água, que são de responsabilidade da União. Mas temos a atribuição constitucional concorrente de tratar de normas do Direito do Consumidor, que é o que se aplica nesse caso”, observou, citando leis já aprovadas na Casa que regulam questões relacionadas a estes serviços, como a 16.259/2018 e a 16.055/2017.

“É injusto pagar por algo que não se consumiu”, posicionou-se o parlamentar, defendendo que os custos de operação cabem aos prestadores do serviço, que podem compartilhá-los apenas com o consumidores efetivos. “O simples fato de o serviço estar disponível, com canos e postes instalados, não faz devedor aquele indivíduo que não utilizou o produto. Estes casos exigem a previsão de cobrança de taxas, e não de tarifa”, prosseguiu Novaes, explicando que esta última modalidade de cobrança só é cabível quando há contraprestação de serviço.

NOVAES - “É injusto pagar por algo que não se consumiu”. Foto: Sabrina Nóbrega

NOVAES – “É injusto pagar por algo que não se consumiu”. Foto: Sabrina Nóbrega

Representante da Companhia Energética de Pernambuco (Celpe), João Paulo Rodrigues explicou que o valor mínimo equivale ao consumo de 30 kW para ligações monofásicas e 100 kW para as trifásicas. Segundo ele, esse recolhimento não se refere ao pagamento de um “potencial serviço a ser prestado”, conforme afirmou Novaes, e sim de um “custo de disponibilidade”. “O trabalho oferecido pela Celpe é o de distribuição, e não de venda de energia. E a operação da rede independe do consumo de luz”, pontuou, esclarecendo que há descontos entre 10% e 100% da cobrança para os indivíduos de baixa renda que fazem jus à tarifa social.

No caso do fornecimento de água, a fatura mínima no Estado refere-se ao custo de 10 m³, esclareceu Waldecy Farias, representante da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa). “A concessionária não cobra apenas pelo serviço prestado no abastecimento de água ou tratamento de esgoto, mas também todos os investimentos necessários para a implementação deste sistema”, alegou. Ainda segundo o técnico, os investimentos  em infraestrutura são possíveis graças ao subsídio cruzado: quando se permite a aplicação de um preço único para todos os municípios de um Estado, de modo que as operações rentáveis compensem as deficitárias.

Os representantes das duas concessionárias compartilharam o entendimento de que qualquer alteração legal deve ser discutida com a participação das agências reguladoras nas discussões. “Atendemos hoje um regramento estabelecido pela União, por isso entendemos ser imprescindível a presença da Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] neste debate, pois é ela quem disciplina o setor”, defendeu Rodrigues. “Senão, correremos o risco de observar um conflito de normas”, acrescentou.

Agências reguladoras – Aneel, Agência Nacional de Águas (ANA) e Agência Reguladora de Pernambuco (Arpe) foram convidadas para o debate, mas apenas a última instituição mandou representante. A analista de regulação desta agência, Tatiana Toraci, explicou que a supressão da cobrança de tarifa mínima trará, inevitavelmente, impactos na conta. “Isto exigirá um novo estudo de reequilíbrio econômico financeiro do contrato de concessão, visto que, hoje, a garantia dessa receita tem um peso importante no rendimento das empresas”, afirmou, esclarecendo que a Arpe não regula a distribuição de energia elétrica no Estado.

As ausências dos representantes das reguladoras nacionais foram criticadas pelo presidente da Comissão de Justiça, deputado Waldemar Borges (PSB). “Esta Casa está cansada dessa postura da Aneel de se omitir das discussões como estratégia para obstaculizar o debate. Sendo assim, não teremos nenhum receio de seguir enfrentando a questão”, afirmou. “Acredito que o serviço deva ser arcado por quem é efetivamente beneficiado, e não socializado pelo conjunto da população”, complementou, fazendo ressalva apenas para a população de baixa renda.

Relatora da matéria no colegiado, a deputada Teresa Leitão (PT) falou sobre a relevância do debate para a construção de seu relatório. “Foi importante para compreendermos a complexidade da questão. Os pontos técnicos aqui colocados podem embasar emendas capazes de redimensionar o projeto”, disse, informando que um substitutivo elaborado por sua assessoria poderá trazer alterações no texto de forma a evitar a inconstitucionalidade da matéria.

“Se eventualmente enfrentarmos um conflito de leis, isto se resolve no Judiciário. Nós não podemos abrir mão da nossa prerrogativa de legislar sobre o Direito do Consumidor”, disse Novaes, propondo que a mudança passe a valer apenas no próximo ano, para não se criar um desequilíbrio contratual. “O consumidor sempre fica em segundo plano, o que é ruim. Estamos em uma fase de supressão de direitos e isso não é bom para uma sociedade que quer crescer de forma justa”, arrematou Ewerton Ferreira, da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-PE.