
ENCONTRO – O caso da estudante universitária Remís Carla da Costa, assassinada pelo namorado, motivou a realização da audiência pública. Foto: Lourival Maia
Tipificado como o crime “contra a mulher por razão da condição de sexo feminino”, por envolver violência doméstica ou discriminação à condição do gênero, o feminicídio voltou a ser tema de debate na Assembleia Legislativa nesta sexta (2). Diante da repercussão do caso da estudante universitária Remís Carla da Costa, de 24 anos, assassinada pelo namorado no final do ano passado, a Comissão de Cidadania realizou audiência pública para discutir políticas de enfrentamento a essa violência.
Após seis dias do desaparecimento da jovem, em dezembro de 2017, a Polícia Civil encontrou o corpo e confirmou a morte por asfixia. O crime ocorreu na casa do ajudante de pedreiro e namorado da vítima, Paulo César de Oliveira Silva, de 25 anos. De acordo com a polícia, ele confessou o assassinato. Também no ano passado, Remís já havia denunciado agressões, injúria e ameaça praticadas por Paulo, que deveria manter-se afastado da estudante por força de medida protetiva decretada em novembro.
A advogada da vítima, Maria José Amaral criticou a atuação da polícia no caso. De acordo com ela, somente na terceira delegacia a família conseguiu registrar o desaparecimento da jovem. “A primeira disse que não era ali e a segunda estava fechada. Então a demora nesse registro foi motivada pela ausência do Estado”, frisou. Maria José também lamentou a ação do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). “Precisamos saber o que foi feito do caso de Remís. A corregedoria do tribunal tem que dar essa resposta”, cobrou.
Da Polícia Civil, a delegada da Mulher Julieta Japiassu trouxe dados da violência no Estado. No ano passado, houve 76 feminicídios, o que representa 1,4% de todos os Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI). Ao apontar que dos 5.647 pedidos de medida protetiva realizados em 2017 houve três mortes, considerou que “a medida protetiva funciona e tem evitado crimes”. “Procurar a polícia é o primeiro passo para dar um basta na violência contra mulher”, pontuou.
Nesse sentido, a também delegada da Mulher Ana Eliza Gadelha falou da importância de denunciar. “Precisamos melhorar e é por isso que estamos aqui hoje”, afirmou. Acerca das críticas à atuação policial em casos de violência contra a mulher, Ana Eliza declarou que “às vezes, há falhas pontuais e não dá para generalizar”. Também explicou que, por lei, o delegado não dispõe da competência de autorizar a medida protetiva, apenas o Poder Judiciário.
Apontando falhas na atuação da polícia, a estudante Jéssika Alves, que acompanhou Remís durante a denúncia na delegacia, contou detalhes do procedimento: “O atendimento foi péssimo, inclusive houve incentivo para que ela desistisse de prestar queixa, e em vários momentos questionaram se o que ela dizia era verdade”. Jéssika acrescentou que não se sente protegida pela Delegacia da Mulher. “A denúncia foi feita e um mês depois o corpo dela foi encontrado. Remís foi pedir ajuda e socorro, que não chegaram. Paulo sequer chegou a ser notificado.”
Nesse sentido, a estudante Tainá Peixoto pontuou a necessidade de “denunciar os fracassos da política pública de segurança e das investigações”. “Quem achou o corpo de Remís foi o povo”, frisou. Em sua avaliação, “é preciso que haja a responsabilização dos chefes da polícia”. “Para justificar o fracasso da investigação, falaram que o corpo estava a 400 metros do local, mas estava a 15 metros”, argumentou.
A socióloga Ana Paula Portela apresentou dados do Ministério da Saúde sobre violência, destacando que os números revelam a ineficiência das políticas públicas adotadas. Da Ordem dos Advogados do Brasil seccional Pernambuco (OAB-PE), Ana Luiza Mousinho expôs estatísticas do Instituto Maria da Penha, revelando que a cada dois segundos uma mulher é vítima de violência física ou verbal no Brasil. Albanise Pires, do Coletivo Somos Feministas, ressaltou que crimes como o feminicídio são resultados da trajetória de cultura machista e patriarcal evidenciada no País. “Estamos sempre preocupadas sobre o que devemos vestir e a que horas vamos sair de casa”, pontuou.
Presente no debate, a deputada Teresa Leitão (PT) ponderou que “a política de defesa e proteção não tem sido considerada em Pernambuco”. “Se o pedido de proteção de Remís tivesse sido levado a sério, era menos uma morte”, disse. A petista lamentou, ainda, o que considerou o fracasso do Pacto Pela Vida.
Como encaminhamentos do debate, o presidente da Comissão, deputado Edilson Silva (PSOL), elencou a necessidade de uma nova audiência pública com o objetivo de ouvir o TJPE sobre a medida protetiva solicitada pela jovem e para discutir o sistema de acolhimento às vítimas de violência. Também declarou que o colegiado ficará atento a todas as denúncias de falhas na investigação no caso.
O parlamentar pontuou, ainda, a elaboração de duas notas de repúdio, uma em referência à declaração do chefe da Polícia Civil, Joselito Amaral, durante coletiva de imprensa sobre o caso Remís; e outra à recente fala, em rádio local, do chefe da Defensoria Pública Estadual, Manoel Jerônimo, sobre estupro. “Ambos apresentaram opiniões que culpabilizam as vítimas”, avaliou o parlamentar.