
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA 1355/2020
Proíbe, no âmbito do Estado de Pernambuco, práticas discriminatórias que impeçam ou dificultem as doações de sangue por homossexuais.
Texto Completo
Art. 1º Fica proibida, no âmbito do Estado de Pernambuco, qualquer prática discriminatória que impeça ou dificulte a doação de sangue por homossexuais, em razão de sua orientação sexual.
Parágrafo único. O disposto nesta Lei não afasta as demais normas aplicáveis aos doadores e aos bancos de sangue, hemocentros, serviços de hemoterapia e outras entidades afins, notadamente o disposto na Lei Federal nº 7.649, de 25 de janeiro de 1988, e na Lei Federal nº 10.205, de 21 de março de 2001.
Art. 2º Os materiais coletados nas doações de sangue realizadas por homossexuais serão submetidos aos protocolos de segurança necessários, de forma a garantir a biossegurança para o doador, receptor e profissionais de saúde.
§1º Será recusado o doador que não se submeter aos protocolos de segurança mencionados no caput.
§2º Caso encontrada alguma alteração hematológica no material coletado que coloque em risco, efetivo ou potencial, a saúde do doador, receptor ou profissional de saúde, a doação será recusada e o material obtido descartado.
Art. 3º Os bancos de sangue, hemocentros, serviços de hemoterapia e outras entidades afins, localizadas no âmbito do Estado de Pernambuco, ficam obrigados a observar os parâmetros e a realizar os procedimentos, testes e exames laboratoriais necessários, com o fim de assegurar a biossegurança do material coletado e evitar a propagação de doenças hemotransmissíveis.
Art. 4º O descumprimento do disposto nesta Lei sujeitará o infrator, quando pessoa jurídica de direito privado, sem prejuízo de outras sanções de natureza administrativa, civil ou penal cabíveis, às seguintes penalidades:
I - advertência, quando da primeira autuação de infração; e
II - multa, a partir da segunda atuação de infração, a ser fixada entre R$ 1.000,00 (mil reais) e R$ 10.000,00 (dez mil reais), considerados o porte do empreendimento e as circunstâncias da infração.
§1º Em caso de reincidência, o valor da penalidade de multa será aplicado em dobro.
§2º Os valores limites de fixação da penalidade de multa prevista neste artigo serão atualizados, anualmente, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, ou índice previsto em legislação federal que venha a substituí-lo.
Art. 5º O descumprimento dos dispositivos desta Lei pelas instituições públicas ensejará a responsabilização administrativa de seus dirigentes, em conformidade com a legislação aplicável.
Art. 6º Caberá ao Poder Executivo regulamentar a presente Lei em todos os aspectos necessários para a sua efetiva aplicação.
Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Justificativa
A presente medida proíbe, em todo o Estado de Pernambuco, práticas discriminatórias que impeçam ou dificultem as doações de sangue por homossexuais, em razão de sua orientação sexual.
Dessa forma, objetiva-se assegurar a essas pessoas o pleno exercício da dignidade da pessoa humana, em conformidade com o ordenamento jurídico pátrio (art. 1º, III, CF/88). Trata-se de permitir que os homossexuais também possam exercer esse ato de elevada cidadania e altruísmo: a doação de sangue.
O sangue humano é responsável pelo suprimento de oxigênio e nutrientes para as células que compõe o organismo, pela retirada de componentes químicos nocivos, pelas funções imunológicas, pela regulação da temperatura corporal, entre tantas outras funções estudadas pela literatura médica.
De acordo com o Ministério da Saúde, o sangue é importante para procedimentos e intervenções médicas e elemento indispensável para pacientes com doenças crônicas graves - como Doença Falciforme e Talassemia - possam viver por mais tempo e com mais qualidade, além de ser de vital importância para tratar feridos em situações de emergência ou calamidades.
Em um momento em que os estoques de sangue encontram-se em níveis alarmantes, devido à alta demanda pelos pacientes e baixa oferta de doadores, notadamente em razão do estado de calamidade pública em decorrência da Covid-19, a presente medida ainda representa uma maior possibilidade de que novas doações sejam realizadas e vidas salvas.
Conforme as boas práticas em saúde, deve-se abandonar o conceito de grupo de risco, de aspecto discriminatório, em manifesto descompasso com a dignidade da pessoa humana (art. 1, III), para se adotar o conceito comportamento de risco.
O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IDBFAM) pontua que com o passar do tempo, passou-se da ideia de “grupo de risco” para a ideia de “prática ou comportamento de risco” (como prática de sexo não seguro ou sem preservativo, compartilhamento de seringas ou recepção de sangue ou hemoderivados não testados). É a partir daí que as normas que impedem que homossexuais doem sangue, única e exclusivamente com fundamento na orientação sexual, se mostram absolutamente discriminatórias e anacrônicas.
Portanto, a presente proposição assegura que os homossexuais estejam possibilitados de efetuar a doação de sangue, medida essencial para preservação e salvaguarda do direito à saúde e a vida de milhares de pernambucanos dependentes de transfusão de sangue e hemocomponentes. No atual momento de calamidade pública em decorrência da Covid-19, essa necessidade se faz, mais do que nunca, urgente.
Obviamente que a proposição resguarda a observância dos protocolos de segurança, testagem e exames laboratoriais, de forma a garantir a biossegurança do material coletado, por meio da identificação de doenças hemotransmissíveis. Com isso, preserva-se a saúde dos doadores, receptores e profissionais de saúde envolvidos.
Ressalta-se, ainda, que a presente proposição não afasta as demais normas que regulam os processos relacionados à doação, coleta, processamento, estocagem, distribuição e transfusão do sangue, de seus componentes e derivados, previstos na Lei Federal nº 7.649, de 25 de janeiro de 1988, e na Lei Federal nº 10.205, de 21 de março de 2001.
A proposição manifesta-se em perfeita harmonia com os princípios elencados na Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados, notadamente o acesso universal; à proteção à saúde do doador e do receptor; a responsabilidade, supervisão e assistência médica na triagem; e a testagem individualizada.
Sob a ótica das competências constitucionais, a matéria versada na presente proposta insere-se na competência legislativa concorrente da União, Estados e Distrito Federal, para legislar sobre proteção e defesa da saúde, nos termos do art. 24, V e XII, da CF.
A proposição tampouco insere-se nas matérias sujeitas à iniciativa privativa do Governador do Estado. Nesse diapasão, válido sublinhar que, por ser a Função Legislativa atribuída, de forma típica, ao Poder Legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Governador são taxativas e, enquanto tais, são interpretadas restritivamente. Sobre o tema:
“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, Pleno, ADI-MC nº 724/RS, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 27.4.2001 (original sem grifos).
“(...) uma interpretação ampliativa da reserva de iniciativa do Poder Executivo, no âmbito estadual, pode resultar no esvaziamento da atividade legislativa autônoma no âmbito das unidades federativas.” (STF - ADI: 2417 SP, Relator: Min. Maurício Corrêa, Data de Julgamento: 03/09/2003, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 05-12-2003)
Desse modo, não estando a matéria no rol das afetas à iniciativa privativa do Governador do Estado, franqueia-se ao parlamentar a legitimidade subjetiva para deflagrar o correspondente processo legislativo. Infere-se, portanto, quanto à iniciativa, a constitucionalidade formal subjetiva da proposição.
Quanto à constitucionalidade material, a proposição encontra-se em conformidade com o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88), com os direitos da personalidade e igualdade (art. 5º, caput, CF/88) e com a importância e alcance dos tratados internacionais de direitos humanos (art. 5º, §2º, CF/88).
A presente norma, por tratar da efetivação de direitos fundamentais, normas de aplicação imediata (art. 5º, §1º, CF/88), deve ser perseguida por todos os entes federativos. Pode-se, até mesmo, falar-se em poder-dever do Estado de Pernambuco em promover Políticas Públicas que assegurem a igualdade e o pleno exercícios dos direitos da personalidade e da autodeterminação, essenciais à acepção de dignidade da pessoa humana, tal como se verifica no presente caso.
Por fim, ressalta-se que o Supremo Tribunal Federal, no âmbito da Adin nº 5.543, julgou a inconstitucionalidade da art. 64, IV, da Portaria nº 158/2016 do Ministério da Saúde, quanto o art. 25, XXX, “d”, da Resolução da Diretoria Colegiada RDC nº 34/2014 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que constituíam impeditivos à doação por homossexuais, exclusivamente em razão de sua orientação sexual. Em síntese, as referidas normas proibiam, em caráter absoluto, a doação de sangue por homossexuais em vida sexual ativa, nos últimos 12 (doze) meses.
De acordo com o relator, Min. Edson Fachin:
“Nessa toada, a exclusão a priori de quaisquer grupos de pessoas da possibilidade de praticar tal ato - a doação de sangue - deve ser vista com atenção redobrada, devendo sempre ser dotada de ampla, racional e aprofundada justificativa (razões públicas enfim). [...] Não se pode coadunar, portanto, com um modo de agir que evidencie um amiudar desse princípio maior, tolhendo parcela da população de sua intrínseca humanidade ao negar-lhe, injustificadamente, a possibilidade de exercício de empatia e da alteridade como elementos constitutivos da própria personalidade e de pertencimento ao gênero humano Os dispositivos impugnados (art. 64, inciso IV, da Portaria n. 158/2016 do Ministério da Saúde e o art. 25, inciso XXX, alínea d, da Resolução da Diretoria Colegiada - RDC n. 34/2014 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária), no entanto, partem da concepção de que a exposição a um suposto maior contágio de enfermidades é algo inerente a homens que se relacionam sexualmente com outros homens e, por consequência, igualmente inerente às eventuais parceiras destes. Não é. Não pode o Direito incorrer em uma interpretação utilitarista, recaindo em um cálculo de custo e benefício que desdiferencia o Direito para as esferas da Política e da Economia. Não cabe, pois, valer-se da violação de direitos fundamentais de grupos minoritários para maximizar os interesses de uma maioria, valendo-se, para tanto, de preconceito e discriminação. [...]
Sobre o aspecto discriminatório dos dispositivos que impediam a doação por homossexuais, exclusivamente em razão de sua orientação sexual, prossegue o Ministro:
“O plexo normativo da Portaria do Ministério da Saúde e da Resolução da ANVISA ora questionado afronta a autonomia daqueles que querem doar sangue e, por ele estão impedidos, porque restringe a forma dessas pessoas serem e existirem. Exigir que somente possam doar sangue após lapso temporal de 12 (doze) meses é impor que praticamente se abstenham de exercer sua liberdade sexual. A precaução e segurança com a doação de sangue podem e devem ser asseguradas de outra forma, de tal maneira que não comprometa a autonomia para ser e existir dessas pessoas. O fato de um homem praticar sexo com outro homem não o coloca necessária e obrigatoriamente em risco. Pense-se, por exemplo, em relações estáveis, duradouras e protegidas contra doenças sexualmente transmissíveis. Não há em tal exemplo, em princípio, maior risco do que a doação de sangue de um heterossexual nas mesmas condições de relação. No entanto, apenas àquele é vedada a doação de sangue. Há, assim, uma restrição à autonomia privada dessas pessoas, pois se impede que elas exerçam plenamente suas escolhas de vida, com quem se relacionar, com que frequência, ainda que de maneira sexualmente segura e saudável. Da mesma forma, há também, em certa medida, um refreamento de sua autonomia pública, pois esse grupo de pessoas tem sua possibilidade de participação extremamente diminuída na execução de uma política pública de saúde relevante de sua comunidade ? o auxílio àqueles que necessitam, por qualquer razão, de transfusão de sangue. A Portaria do Ministério da Saúde e a Resolução da ANVISA impugnadas consistem justamente em normas estatais, portanto prática estatal, que, a despeito de buscar proteger os receptores de sangue, acabam por desrespeitar a identidade mesma de um determinado grupo de cidadãos e potenciais doadores de sangue. E assim o fazem com base na orientação sexual das pessoas com que eles se relacionam, e não com base em possíveis condutas arriscadas por eles praticadas. Ou seja, tais normas limitam sobremaneira a doação de sangue de um grupo específico de pessoas pelo simples fato de serem como são, de pertencerem a uma minoria, e não por atuarem de maneira arriscada. Há, assim, um tratamento desigual, desrespeitoso, verdadeiro desconhecimento ao invés de reconhecimento desse grupo de pessoas.”
A inovação ora proposta, em última análise, traduz uma norma para assegurar o pleno exercício da dignidade da pessoa humana, ao mesmo tempo em que permitirá o direito à saúde de milhares de pernambucanos.
Diante do exposto, solicita-se a colaboração de todos os membros desta nobre Casa para aprovação da presente proposição legislativa, dada a sua relevância e interesse público.
Histórico
Clodoaldo Magalhães
Deputado
Informações Complementares
Status | |
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Situação do Trâmite: | AUTOGRAFO_PROMULGADO |
Localização: | SECRETARIA GERAL DA MESA DIRETORA (SEGMD) |
Tramitação | |||
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1ª Publicação: | 07/08/2020 | D.P.L.: | 15 |
1ª Inserção na O.D.: |
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