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Parecer 5102/2021

Texto Completo

TRAMITAÇÃO EM CONJUNTO DO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1806/2021, DE AUTORIA DA DEPUTADA DELEGADA GLEIDE ÂNGELO COM O PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1869/2021 DE AUTORIA DO DEPUTADO JOAQUIM LIRA

 

PROPOSIÇÕES QUE ESTABELECEM HIPÓTESES DE COMUNICAÇÃO COMPULSÓRIA ÀS AUTORIDADES COMPETENTES PARA FINS DE APURAÇÃO DE CRIMES DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PROTEÇÃO À INFÂNCIA E À JUVENTUDE. MATÉRIA INSERTA NA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE DO ART. 24, XV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. PRECEDENTE DO STF. AUSÊNCIA DE VÍCIOS DE INCONSTITUCIONALIDADE, ILEGALIDADE OU ANTIJURIDICIDADE. PELA APROVAÇÃO, NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO PROPOSTO POR ESTE COLEGIADO.

 

1. RELATÓRIO

 

É submetido à apreciação desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 1806/2021, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo, que visa estabelecer a comunicação compulsória dos casos de lavratura de assento de nascimento cuja mãe do registrando tenha, na data do nascimento, menos de 14 (quatorze) anos e 9 (nove) meses de idade, pelos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais.

 

Com conteúdo similar, verifica-se que está em tramitação, também, o Projeto de Lei Ordinária nº 1869/2021, de autoria do Deputado Joaquim Lira, que obriga os cartórios de registro civil a comunicar ao Ministério Público a realização de registro de nascimento por mãe ou pai menor de 14 (quatorze) anos.

 

 

Assim, por tratar-se de proposições com objetos conexos, posto que voltadas à notificação de prováveis casos de estupro de vulnerável, prática prevista pelo art. 217-A do Código Penal – Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, as duas submetem-se à tramitação conjunta, em observância ao disposto nos arts. 232 e seguintes do Regimento Interno deste Poder Legislativo.

 

Os projetos de lei em referência tramitam nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário, conforme inciso III do art. 223 do Regimento Interno.

 

É o Relatório.

2. PARECER DO RELATOR

 

Nos termos do art. 94, inciso I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa, compete à Comissão de Constituição, Legislação e Justiça manifestar-se sobre a constitucionalidade, legalidade e juridicidade das matérias submetidas à sua apreciação.

Os projetos vêm arrimados no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 194, inciso I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa, não constando no rol de matérias cuja iniciativa é reservada privativamente ao Governador do Estado.

Sob o prisma da competência formal orgânica, as proposições em cotejo versam sobre assunto inserido na competência legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para dispor sobre proteção à infância e à juventude, nos termos do art. 24, inciso XV, da Lei Maior, in verbis:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

[...]

XV - proteção à infância e à juventude;         

Outrossim, elas revelam-se compatíveis com o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal – CF/88) e com os princípios constitucionalmente estabelecidos que asseguram à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à dignidade, ao respeito, e à liberdade, senão vejamos:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[...]

§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

A prioridade de proteção e amparo de que gozam as crianças e os adolescentes é reafirmada, também, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990, nos seguintes termos:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

 Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

 Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

[...]

Ademais, o dever de comunicação às autoridades competentes de certos fatos juridicamente relevantes, como se afigura nos casos em apreço, é prática igualmente contemplada no ECA:

Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais. (Redação dada pela Lei nº 13.010, de 2014)

[...]

Art. 245. Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente:

Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

O dever de informação ao Poder Público em determinadas circunstâncias é tão imprescindível que sua omissão pode ensejar, inclusive, contravenção penal, referente à Administração Pública, como previsto no art. 66 da Lei de Contravenções Penais – LCP, Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941:

Art. 66. Deixar de comunicar à autoridade competente:

I – crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício de função pública, desde que a ação penal não dependa de representação;

II – crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício da medicina ou de outra profissão sanitária, desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal:

Pena – multa, de trezentos mil réis a três contos de réis.

Assim, segundo preconiza a LCP, quando verificados indícios de prática de estupro contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, cuja natureza da ação penal é pública incondicionada – como a suspeita ou a gravidez confirmada de criança ou adolescente abaixo dessa idade –, aquele que tomar conhecimento no exercício de função pública, da medicina ou de outra profissão sanitária já é legalmente obrigado a comunicar à autoridade competente.

 

Por certo, os projetos em estudo seguem a mesma lógica, e intentam assegurar a efetiva proteção das crianças e dos adolescentes por meio da imposição do dever de cuidado, vigilância e comunicação daqueles que têm condições reais de perceber com clareza e, até exatidão, a ocorrência desses crimes. Logo, eles têm o potencial de prevenir a impunidade, a persistência da prática da conduta delituosa e a subnotificação proveniente da omissão ou inércia sociais.

 

Importante esclarecer que nos Projetos analisados a iniciativa parlamentar é legítima por não interferir na competência privativa da União para legislar sobre registros públicos (art. 22, inciso XXV, da CF/88) ou na competência fiscalizatória conferida ao Poder Judiciário, nos termos do art. 236 da CF/88. Com efeito, seus conteúdos não versam sobre a atividade fim dos Cartórios de Registro Civil e não instituem regras referentes à fiscalização ou controle da atividade cartorária.

 

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2254/ES, a constitucionalidade de lei estadual que impunha a comunicação de óbitos ao Tribunal Regional Eleitoral e ao órgão de identificação estadual:

 

EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 5.643/1998 do Estado do Espírito Santo, que determina aos cartórios de registro civil o encaminhamento de comunicação de óbito ao Tribunal Regional Eleitoral e ao órgão responsável pela emissão da carteira de identidade. Vício formal. Competência legislativa da União para editar normas sobre registros públicos. Inexistência. Improcedência da ação. 1. Lei estadual que impõe aos cartórios de registro civil a obrigação de encaminhar ao Tribunal Regional Eleitoral e ao órgão responsável pelo cadastro civil do Estado os dados de falecimento colhidos quando do registro do óbito das pessoas naturais. Não há quebra ou ingerência em esfera de competência legiferante da União para legislar sobre registros públicos (art. 22, inciso XXV, CF/88). A norma não alberga disciplina enquadrável no conceito de registros públicos, ou seja, não pretende criar ou alterar regulamento concernente à validade, à forma, ao conteúdo ou à eficácia dos atos registrais. 2. A criação da obrigação de repasse das informações se estabelece para órgãos que atuam no âmbito do próprio Estado-membro, quais sejam, as serventias extrajudiciais, as quais, embora tenham feição privada, desempenham atividade de natureza pública delegada e são submetidas à fiscalização do Tribunal de Justiça. Portanto, não ocorre quebra ou ingerência em esfera de competência legiferante alheia. Vício formal não configurado. Precedente. 3. A menção à Justiça Eleitoral no contexto da norma questionada, a despeito da existência de previsão similar no Código Eleitoral (art. 71, § 3º), não é razão suficiente para a configuração de inconstitucionalidade, haja vista que a instituição judiciária figura como simples destinatária da informação pública, estabelecendo a legislação ônus de atuação apenas ao cartório de registro civil, cujo funcionamento é lícito aos estados-membros disciplinar. 4. Ação direta julgada improcedente. (ADI 2254, Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-040 DIVULG 02-03-2017 PUBLIC 03-03-2017)

 

(STF - ADI: 2254 ES - ESPÍRITO SANTO 0002639-05.2000.1.00.0000, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 15/12/2016, Tribunal Pleno)

 

Tal linha de intelecção coaduna-se, pois, em perfeita sintonia, com o que ora é proposto.

 

Ademais, essa Comissão já se mostrou favorável a iniciativas desse viés, como por exemplo na apreciação técnica do Projeto de Lei nº 794/2012, de que proveio a Lei nº 14.633, de 23 de abril de 2012 (Dispõe sobre o procedimento de notificação compulsória dos casos de violência contra mulher, criança, adolescente, idoso e pessoa com deficiência atendidos em estabelecimentos e serviços de saúde públicos e privados do Estado de Pernambuco).

 

Por fim, em observância ao que estatui o art. 234 do Regimento Interno, e com o intuito de conciliar as disposições dos projetos em tramitação, é sugerido o seguinte Substitutivo:

 

SUBSTITUTIVO N°         /2021

AOS PROJETOS DE LEI ORDINÁRIA Nº 1806/2021 E Nº 1869/2021.

 

Altera integralmente a redação dos Projetos de Lei Ordinária nº 1806/2021, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo e do Projeto de Lei Ordinária nº 1869/2021, de autoria do Deputado Joaquim Lira.

 

Artigo único. Os Projetos de Lei Ordinária nº 1806/2021 e nº 1869/2021 passam a ter redação única, nos seguintes termos:

 

“Estabelece hipóteses de comunicação compulsória, por parte dos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais, às autoridades competentes para fins de apuração de crimes de estupro de vulnerável, no âmbito do Estado de Pernambuco.

 

 

 

Art. 1º Os Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais, situados no âmbito do Estado de Pernambuco, deverão comunicar ao Ministério Público de Pernambuco, à Polícia Civil de Pernambuco e ao Conselho Tutelar local a lavratura de registro de nascimento cuja mãe ou pai do registrando tenha, na data do nascimento, menos de 14 (quatorze) anos e 9 (nove) meses de idade, para que sejam adotadas as medidas legais cabíveis.

 

Parágrafo único. A comunicação prevista no caput far-se-á acompanhada de cópia do assento de nascimento.

 

 

Art. 2º A comunicação de que trata esta Lei é obrigatória e deve ser realizada de forma que não exponha a criança ou o adolescente a situações vexatórias ou constrangedoras, sendo assegurado o sigilo dos seus dados perante terceiros.

 

Art. 3º O descumprimento do disposto nesta Lei sujeitará o Cartório infrator às seguintes penalidades, sem prejuízo de outras previstas na legislação vigente:

 

I - advertência, quando da primeira autuação de infração; e

 

II - multa.

 

§1º A multa prevista no inciso II deste artigo será fixada entre R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e R$ 10.000,00 (dez mil reais), a depender do porte do Cartório e das circunstâncias da infração.

 

§2º Em caso de reincidência, o valor da penalidade de multa será aplicado em dobro.

 

§3º Os valores estipulados como limite de fixação da penalidade de multa prevista neste artigo serão atualizados, anualmente, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, ou índice previsto em legislação federal que venha a substituí-lo.

 

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

 

Feitas as considerações pertinentes, ausentes vícios de inconstitucionalidade, ilegalidade ou antijuridicidade, o parecer do Relator é pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 1806/2021 de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo e do Projeto de Lei Ordinária nº 1869/2021, de autoria do Deputado Joaquim Lira, nos termos do Substitutivo elaborado.

           

É o Parecer do Relator.

3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO

 

Diante do exposto, tendo em vista as considerações expendidas pelo Relator, a CCLJ, por seus membros infra-assinados, opina pela aprovação dos Projetos de Lei Ordinária nº 1806/2021, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo e do Projeto de Lei Ordinária nº 1869/2021, de autoria do Deputado Joaquim Lira, conforme o Substitutivo proposto por este Colegiado.

Histórico

[29/03/2021 12:04:59] ENVIADA P/ SGMD
[29/03/2021 16:25:46] ENVIADO PARA COMUNICA��O
[29/03/2021 16:25:53] ENVIADO P/ PUBLICAÇÃO
[29/03/2021 21:48:39] PUBLICADO





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