Brasão da Alepe

Parecer 4922/2021

Texto Completo

PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1457/2020

 

AUTORIA: DEPUTADO ROMERO SALES FILHO

 

 

ALTERA A LEI 13.338/2007. IMPOSSIBILIDADE DE CONTRATAR OU CONCEDER BENEFÍCIOS DIVERSOS A EMPRESAS CONDENADAS POR UTILIZAR TRABALHO INFANTIL. ART. 24, XV, DA CF. PORTEÇÃO À INFÂNCIA. CONSTITUCIONALIDADE FORMAL ORGÂNICA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À LEI DE LICITAÇÕES (LEI Nº 8.666/1993). PELA APROVAÇÃO, NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO PROPOSTO.

 

 

1. RELATÓRIO

 

Trata-se do Projeto de Lei Ordinária nº 1457/2020, de autoria do Deputado Romero Sales Filho, que altera a Lei nº 13.338, de 23 de novembro de 2007, que estabelece a proibição da utilização de quaisquer benefícios fiscais e a proibição de contratação pela administração pública estadual, de empregadores, pessoas físicas ou jurídicas, incluídos no Cadastro de Empregadores do Ministério do Trabalho e Emprego, que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravos, a fim de incluir empresas que se utilizaram de mão de obra infantil, diretamente ou em alguma etapa da produção, no âmbito do Estado de Pernambuco.

 

Em sua justificativa, o Exmo. Deputado alega que:

 

“A proposição trata de acrescentar a impossibilidade de o Poder Público estadual manter relações institucionais, notadamente quanto à concessão de benefícios vinculados a programas estaduais, com pessoas físicas ou jurídicas que foram condenadas em razão de empregarem pessoas em idade onde o trabalho é proibido ou de empresas que em qualquer de suas etapas operacionais façam uso direto ou indireto de trabalho infantil. 

 

Segundo um estudo realizado pela Fundação Abrinq, cerca de 2,6 milhões de crianças e adolescentes, entre cinco e 17 anos, trabalham no território brasileiro. A pesquisa tem como base os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e traz as regiões Nordeste e Sudeste como locais onde este tipo de trabalho é mais comum. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, entre os anos de 2014 e 2015, foi registrado um aumento de 8,5 mil crianças de cinco a nove anos expostas a este tipo de trabalho, o que corresponde a 11% de um total de meninos e meninas nesta idade. [...].”

 

O projeto de lei em referência tramita sob o regime ordinário.

 

É o relatório.

 

2. PARECER DO RELATOR

 

Cabe à Comissão de Constituição, Legislação e Justiça manifestar-se sobre a constitucionalidade, legalidade e juridicidade das matérias submetidas a sua apreciação.

 

Pois bem. O Projeto pretende ampliar a impossibilidade de o Poder Público Estadual manter relações institucionais com empresas e entidades condenadas por utilizar trabalho infantil ilegal, notadamente quanto à contratação e à concessão de benefícios diversos.

 

Em relação à iniciativa no projeto, não há que se falar em aumento de despesa, nem tampouco se constata modificação das atribuições das Secretarias de Estado, de órgãos e de entidades da administração pública. Os destinatários da norma são as empresas, que eventualmente incorram em descumprimento da legislação trabalhista e de proteção ao trabalho infantil.

 

Do ponto de vista formal orgânico, a matéria ora analisada se insere na competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre proteção à infância e à juventude, nos termos do art. 24, XV, da Lei Maior; in verbis:

 

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

[...]

XV - proteção à infância e à juventude; [...]

 

Sobre a competência legislativa dos Estados-membros, assim leciona Pedro Lenza, in verbis:

 

“7.5.3.2.  Competência legislativa

Como a terminologia indica, trata-se de competências, constitucionalmente definidas, para elaborar leis.

Elas foram assim definidas para os Estados-membros:

- Expressa: art. 25, caput > qual seja, como vimos, a capacidade de auto-organização dos Estados-membros, que se regerão pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios da CF/88;

- Residual (remanescente ou reservada): art. 25, § 1.º > toda competência que não for vedada está reservada aos Estados-membros, ou seja, o resíduo que sobrar, o que não for de competência expressa dos outros entes e não houver vedação, caberá aos Estados materializar;

- Delegada pela União: art. 22, parágrafo único > como vimos, a União poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias de sua competência privativa prevista no art. 22 e incisos. Tal autorização dar-se-á por meio de lei complementar;

- Concorrente: art. 24 > a concorrência para legislar dar-se-á entre a União, os Estados e o Distrito Federal, cabendo à União legislar sobre normas gerais e aos Estados, sobre normas específicas;” (LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado / Pedro Lenza. 16. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2012.)

 

Por outro lado, no que tange à possibilidade de exercício da função legislativa em âmbito estadual na matéria de contratações públicas especificamente, verifica-se que, a priori, o Projeto de Lei ora analisado encontra amparo no regime de repartição de competências adotado pela Constituição Federal.  Com efeito, o art. 22, inciso XXVII, da Carta Magna estabelece:

 

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

[...]

XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

 

Embora o referido dispositivo constitucional disponha sobre a competência privativa da União, trata-se de campo reservado tão somente à edição de “normas gerais”. Ou seja, reconhece-se, de forma implícita, a competência suplementar dos demais entes federativos para legislar sobre licitações e contratos administrativos em questões específicas, com fundamento no art. 24, §§ 3° e 4º, da Constituição Federal.

 

A propósito do assunto, destaca-se a lição de Rafael Carvalho Rezende Oliveira:

 

Na forma do art. 22, XXVII, da CRFB, compete à União legislar sobre normas gerais de licitações e contratos. É importante frisar que o texto constitucional estabeleceu a competência privativa apenas em relação às normas gerais, razão pela qual é possível concluir que todos os Entes Federados podem legislar sobre normas específicas.

Desta forma, em relação à competência legislativa, é possível estabelecer a seguinte regra:

a) União: competência privativa para elaborar normas gerais (nacionais), aplicáveis a todos os Entes Federados.

b) União, Estados, DF e Municípios: competência autônoma para elaboração de normas específicas (federais, estaduais, distritais e municipais), com o objetivo de atenderem as peculiaridades socioeconômicas, respeitadas as normas gerais.

A dificuldade, no entanto, está justamente na definição das denominadas “normas gerais”, pois se trata de conceito jurídico indeterminado que acarreta dificuldades interpretativas. Isso não afasta, todavia, a importância da definição das normas gerais, em virtude das consequências em relação à competência legislativa.” (OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e contratos administrativos. 4º ed., Rio de Janeiro: Forense).

 

Dessa forma, é possível concluir que a atividade legislativa estadual em matéria de licitações e contratos é viável desde que não afronte as normas gerais editadas pela União e tenha por finalidade a complementação ou suplementação de lacunas, sem corresponder à generalidade. 

 

Contudo, o problema reside na identificação das referidas normas gerais, pois as leis editadas pela União (Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e Lei Federal nº 10.520, de 17 de julho de 2002) contemplam, indistintamente, normas gerais – aplicáveis a todos entes federativos – e normas federais propriamente ditas – aplicáveis tão somente à União.

 

Nada obstante, no bojo da ADI nº 3735/MS, o STF traçou os parâmetros que devem orientar o intérprete durante a delimitação do espaço para exercício da competência legislativa estadual:

 

[...] é necessário ter presente que a competência legislativa dos Estados-membros para criar requisitos de participação em licitações não pode comprometer a competência federal para fazer o mesmo, pois esta última tem clara precedência (art. 22, XXVII). A definição que se impõe, nesses circunstâncias, é a respeito das consequências dessa posição de preferência da lei nacional.

 Uma das consequências certamente está relacionada com o âmbito material de regulação da norma local. É que somente a lei federal poderá, em âmbito geral, estabelecer desequiparações entre os concorrentes e assim restringir o direito de participar de licitações em condições de igualdade. Ao direito estadual (ou municipal) somente será legítimo inovar neste particular se tiver como objetivo estabelecer condições específicas, nomeadamente quando relacionadas a uma classe de objetos a serem contratados ou a peculiares circunstâncias de interesse local. É o que pode suceder com obras de infra estrutura de alta complexidade ou fornecimento de bens em grande escala, por exemplo. A aprovação de diplomas locais com esses desígnios tem o benfazejo efeito de padronizar as exigências rotineiramente praticadas pela administração estadual em licitações específicas, estabilizando as expectativas dos respectivos participantes. (ADI 3735, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 08/09/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-168 DIVULG 31-07-2017 PUBLIC 01-08-2017) – grifos acrescidos

 

Entretanto, faz-se necessário proceder mais alguns ajustes à Lei nº 13.338, de 23 de novembro de 2007, a fim de que sua ementa também seja alterada, tendo em vista a compreensão adequada da norma. Ademais, algumas das penalidades previstas, como as relativas à competência tributária, só poderão ser estabelecidas pelo Governador do Estado. Portanto, a fim de retirar vícios inconstitucionais, tem-se o seguinte substitutivo:

 

SUBSTITUTIVO Nº     /2021 AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1457/2020

 

Altera integralmente a redação do Projeto de Lei Ordinária nº 1457/2020.

 

 

Artigo único. O Projeto de Lei Ordinária nº 1457/2020 passa a ter a seguinte redação:

 

“Altera a Lei nº 13.338, de 23 de novembro de 2007, que estabelece a proibição da utilização de quaisquer benefícios fiscais e a proibição de contratação pela administração pública estadual, de empregadores, pessoas físicas ou jurídicas, incluídos no Cadastro de Empregadores do Ministério do Trabalho e Emprego, que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravos, a fim de incluir empresas que se utilizaram de mão de obra infantil, diretamente ou em alguma etapa da produção, no âmbito do Estado de Pernambuco. (NR)


 

     Art. 1º A ementa da Lei nº 13.338, de 23 de novembro de 2007, passa a vigorar com as seguintes modificações:

‘Estabelece a proibição da utilização de quaisquer benefícios fiscais e a proibição de contratação pela administração pública estadual, de empregadores, pessoas físicas ou jurídicas, incluídos no Cadastro de Empregadores do Ministério do Trabalho e Emprego, que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravos ou que façam uso direto ou indireto de trabalho infantil. ‘ (NR)

     Art. 2º O art. 1º da Lei nº 13.338, de 2007, passa a vigorar com as seguintes modificações:

‘Art. 1º Ao empregador, pessoa física ou jurídica, incluído no Cadastro de Empregadores do Ministério do Trabalho e Emprego, criado pela Portaria nº 540, de 15 de outubro de 2004, com decisão final administrativa em processo administrativo instaurado, em decorrência de auto de infração pela prática de trabalho escravo, por haver mantido trabalhadores em condições análogas a de escravos, ou que façam uso direto ou indireto de trabalho infantil, serão impostas, no âmbito da Administração Pública Estadual, as seguintes penalidades, a depender do tipo de infração: (NR)

................................................................................................................

Parágrafo único. As penalidades previstas neste artigo deverão ser aplicadas aos empregadores com decisão final administrativa em processo administrativo instaurado, em decorrência de auto de infração da seguinte forma: (AC)

I -  pela prática de trabalho escravo, por haver mantido trabalhadores em condições análogas a de escravos, devem ser aplicadas todas as penalidades do art. 1º; (AC)

II – pelo uso direto ou indireto de trabalho infantil, deverá ser aplicada apenas a penalidade prevista no inciso V do art. 1º. (AC)

 Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.’”

 

Firmadas essas premissas, fazendo-se a análise material da proposta, inexistem em suas disposições quaisquer vícios de inconstitucionalidade ou ilegalidade.

 

Diante do exposto, opino no sentido de que o parecer desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça seja pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 1457/2020, de autoria do Deputado Romero Sales Filho, nos termos do substitutivo acima proposto.

3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO

 

Ante o exposto, tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 1457/2020, de autoria do Deputado Romero Sales Filho, nos termos do substitutivo proposto.

Histórico

[15/03/2021 13:34:57] ENVIADA P/ SGMD
[15/03/2021 14:48:31] ENVIADO PARA COMUNICA��O
[15/03/2021 14:48:38] ENVIADO P/ PUBLICAÇÃO
[16/03/2021 16:03:43] PUBLICADO





Informações Complementares






Esta proposição não possui emendas, pareceres ou outros documentos relacionados.