
Parecer 1980/2020
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 583/2019
AUTORIA: DEPUTADO CLODOALDO MAGALHÃES
PROPOSIÇÃO QUE DISPÕE SOBRE A PROIBIÇÃO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DOS CURSOS DE NÍVEL MÉDIO OU TÉCNICO DA ÁREA DE SAÚDE, NA MODALIDADE DE ENSINO À DISTÂNCIA (EAD), COM CARGA HORÁRIA EXCLUSIVAMENTE À DISTÂNCIA. MATÉRIA INSERTA NA COMPETÊNCIA DOS ESTADOS-MEMBROS PARA LEGISLAR SOBRE EDUCAÇÃO E MEIOS DE ACESSO AO ENSINO (ART. 23, INCISO V, E ART. 24, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). PRECEDENTES DO STF. PELA APROVAÇÃO, NOS TERMOS DA EMENDA MODIFICATIVA APRESENTADA PELO RELATOR.
1. RELATÓRIO
Submete-se à apreciação desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 583/2019, de autoria do Deputado Clodoaldo Magalhães, cria proibição de formação profissional dos cursos de nível médio ou técnico da área de saúde, na modalidade de ensino à distância (EAD), com carga horária exclusivamente à distância.
Conforme esclarece o autor da proposição, os cursos de capacitação técnica e profissional em saúde na modalidade de ensino à distância devem restringir-se a uma complementação do ensino presencial em razão dos prejuízos que esses cursos podem oferecer à qualidade da formação dos profissionais além dos riscos potenciais à sociedade devido à falta de integração entre o ensino-serviço-comunidade, essencial para a área.
O Projeto de Lei em referência tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (art. 223, inciso III, Regimento Interno).
É o relatório.
2. PARECER DO RELATOR
Cabe à Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, nos termos do art. 94, inciso I, do Regimento Interno desta Casa, manifestar-se sobre a constitucionalidade, legalidade e juridicidade das matérias submetidas a sua apreciação.
A proposição em análise encontra guarida no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 194, inciso I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa, não estando no rol de matérias afetas à iniciativa privativa do Governador do Estado. Infere-se, portanto, quanto à iniciativa, sua constitucionalidade formal subjetiva.
Pela ótica das competências constitucionais, a matéria versada no Projeto de Lei nº 583/2019 está inserta na esfera de competência legislativa concorrente da União, Estados e Distrito Federal, conforme estabelece o art. 24, inciso IX (educação, ensino, cultura e desporto), bem como na de competência material comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, segundo prevê o art. 23, inciso V, (proporcionar os meios de acesso à educação), ambos da Constituição Federal:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:
[...]
IX - educação, cultura, ensino e desporto;
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
[...]
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;
Além das regras de repartição de competência, a Constituição Federal também possui disciplina própria quanto ao arranjo de competências entre os entes políticos. De fato, a Carta Magna prevê não só a necessidade de atuação conjunta e sistêmica por União, Estados e Municípios, mas também designa funções materiais específicas.
Segue abaixo a transcrição das principais diretrizes:
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.
§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios;
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.
§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório.
§ 5º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular.
Como se observa, o art. 211 da Constituição não prescreve competências meramente estanques, podendo existir atuações de entes distintos numa mesma área de ensino. Assim sendo, o primeiro aspecto que deve ser ressaltado é a atuação em regime de colaboração, havendo um sentido de sistematicidade entre os sistemas de ensino da União, Estados e Municípios.
Ademais, no exercício de sua competência privativa, nos termos do art. 22, inciso XXIV, da Constituição, a União editou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei nº 9.394/1996), a qual trouxe novos elementos ao quadro de competências dos entes federados, desta feita com um viés material. Tirante às novas funções que foram atribuídas, a LDB criou a figura dos sistemas de ensino, que além de constituir uma ordenação articulada dos vários elementos necessários à consecução dos objetivos educacionais preconizados, funciona também para classificar as diversas instituições públicas e privadas. Assim, cada ente, no âmbito do seu respectivo sistema de ensino, pode baixar normas complementares, as quais passam a ser de observância obrigatória por parte das instituições integrantes.
Acerca do sistema de ensino estadual, o art. 17 da LDB dispõe que todas as instituições mantidas pelo Poder Público estadual integram o referido sistema, o que inclui as universidades e faculdades objeto do Projeto de Lei nº 312/2019:
Art. 17. Os sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal compreendem:
I - as instituições de ensino mantidas, respectivamente, pelo Poder Público estadual e pelo Distrito Federal;
O STF também admite a possibilidade de legislação estadual sobre o tema:
(...) 1. Competência concorrente entre a União, que define as normas gerais e os entes estaduais e Distrito Federal, que fixam as especificidades, os modos e meios de cumprir o quanto estabelecido no art. 24, inc. IX, da Constituição da República, ou seja, para legislar sobre educação. 2. O art. 22, inc. XXIV, da Constituição da República enfatiza a competência privativa do legislador nacional para definir as diretrizes e bases da educação nacional, deixando as singularidades no âmbito de competência dos Estados e do Distrito Federal. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (ADI 3669, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 18/06/2007, DJe-047 DIVULG 28-06-2007 PUBLIC 29-06-2007)
Como bem ressaltou o autor da proposição, o Decreto Federal nº 9.057/2017 regula o ensino a distância e reconhece a competência Estadual em matéria de ensino médio e técnico:
Art. 8º Compete às autoridades dos sistemas de ensino estaduais, municipais e distrital, no âmbito da unidade federativa, autorizar os cursos e o funcionamento de instituições de educação na modalidade a distância nos seguintes níveis e modalidades:
I - ensino fundamental, nos termos do § 4º do art. 32 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 ;
II - ensino médio, nos termos do § 11 do art. 36 da Lei nº 9.394, de 1996 ;
III - educação profissional técnica de nível médio;
IV - educação de jovens e adultos; e
V - educação especial.
Logo, no que tange ao campo de aplicação, não existe óbice ao exercício da competência legislativa em âmbito estadual.
Sobre proposição análoga, a Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul fez diversas ponderações favoráveis ao projeto (Parecer ao PL nº 118/2018):
“Ademais, a importância do ensino presencial na formação dos profissionais de saúde. Como a própria natureza de tais ofícios exige um contacto direto entre o paciente e o profissional – não há como imaginar e proceder um ensino sem uma relação direta entre aluno e professor. Só esta relação é capaz de garantir uma vivência em situações reais durante a formação acadêmica.
As competências e habilidades dos profissionais de saúde, estão diretamente relacionadas com o cuidar do ser humano e consistente na intervenção eficaz mediante ações inter-relacionadas, competências atitudinais, procedimentais e conceituais. Tais fatores que não podem ser replicados pelo simples e puro estudo teórico a distância, principalmente quanto à necessidade de estágio supervisionado e práticas de laboratoriais”.
Essa também é a posição do Conselho Nacional de Saúde, que na Resolução nº 515/2016 afirma categoricamente o entendimento do órgão:
Art. 1º Posicionar-se contrário à autorização de todo e qualquer curso de graduação da área da saúde, ministrado totalmente na modalidade Educação a Distância (EAD), pelos prejuízos que tais cursos podem oferecer à qualidade da formação de seus profissionais, bem como pelos riscos que estes profissionais possam causar à sociedade, imediato, a médio e a longo prazos, refletindo uma formação inadequada e sem integração ensino/serviço/comunidade.
No entanto, faz-se necessária a apresentação de emenda modificativa, a fim de alterar o parágrafo único do artigo 1º para condicionar o mínimo de 50% em relação a carga horária teórica dos conteúdos programáticos específicos, práticas, estágio obrigatório, avaliação de estudantes, defesa de trabalhos de conclusão de curso (em caso de previsão), além de atividades relacionadas a laboratórios de ensino, quando for o caso. Assim, tem-se a seguinte emenda:
EMENDA MODIFICATIVA Nº /2020 AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 583/2019
Altera a redação do parágrafo único do art. 1º do Projeto de Lei Ordinária nº 583/2019.
Art. 1º O parágrafo único do art. 1º do Projeto de Lei Ordinária nº 583/2019 passa a ter a seguinte redação:
“Art.1º ..................................................................................................................
Parágrafo único. A carga horária presencial, que abrangerá práticas, estágio obrigatório, avaliação de estudantes, defesa de trabalhos de conclusão de curso (em caso de previsão), além de atividades relacionadas a laboratórios de ensino, quando for o caso, deverá ser de no mínimo de 50% do total distribuído ao longo do curso. ” (NR)
Desse modo, inexistem vícios de inconstitucionalidade ou de ilegalidade que possam comprometer a validade do Projeto de Lei ora analisado.
Diante do exposto, opina-se pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 583/2019, de autoria do Deputado Clodoaldo Magalhães, nos termos da emenda modificativa proposta acima.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, o parecer desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, é pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 583/2019, de autoria do Deputado Clodoaldo Magalhães, nos termos da emenda proposta.
Histórico