Publicado em 31/10/2018 - 16:10

A vez delas

Participação feminina nas casas legislativas cresce em 2018, mas desafios financeiros e culturais à equidade de gênero na política permanecem

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Helena Alencar

20%das cadeiras da Alepe foram conquistadas por mulheres nas eleições 2018.

Feito inédito para Pernambuco: neste ano, dez mulheres foram eleitas para a Assembleia Legislativa. O número foi o maior registrado até então, representando mais de 20% do total de parlamentares. Ainda sobre o pleito de 2018, a trajetória de uma mulher foi a mais lembrada: a delegada Gleide Ângelo (PSB), que, escolhida por 412.636 pernambucanos (9,15% dos votos válidos), tornou-se a candidata mais votada da história da Alepe.

“Atribuo essa minha votação expressiva a 15 anos de serviços prestados à sociedade, na Polícia Civil. O enfrentamento à violência contra a mulher foi determinante”, acredita a deputada eleita. “As mulheres querem, exigem e precisam ter igualdade em todos os espaços, inclusive nas urnas. Não estou chegando sozinha.”

Ouça a reportagem especial da Rádio Alepe:

A quantidade de deputadas eleitas é o dobro da registrada no pleito anterior, em 2014. Antes, o recorde havia sido na disputa de 2002, quando oito mulheres conquistaram cadeiras na Casa de Joaquim Nabuco. Da eleição da pioneira, Adalgisa Cavalcanti, em 1945, até 2001, o Estado só havia contado, ao todo, com nove parlamentares.

Além do quantitativo, 2018 também se destaca por outra novidade promovida por elas: um mandato coletivo com cinco mulheres, o Juntas (PSOL). “A gente espera que haja participação popular e dos movimentos sociais dentro do processo organizativo da ‘mandata’, pautando causas que são ricas para nós”, afirmou Jô Cavalcanti, que representou a candidatura nas urnas.

Gráfico em linha com título "A passos lentos", informando que, mesmo com garantias legais, Congresso Nacional e Alepe ainda estão distantes da igualdade de gênero na representação política. Mostra evolução das três casas legislativas e destaca percentuais da eleição de 2018: 13% do Senado; 15% da Câmara; e 20,4% da Alepe.

Aos poucos, a participação feminina na política vem crescendo no Estado e no País (ver gráfico). No entanto, ainda é longo o caminho que metade da população brasileira precisa trilhar para se ver, de fato, representada nos espaços públicos de decisão. “Como as mulheres não possuem um nível de participação equivalente à proporção demográfica, elas estão sendo sub-representadas. Por isso, equivalem a minorias políticas”, explica a professora Michelle Fernandez, que é pesquisadora pela Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe).

“Há duas questões: a incorporação de um amplo setor da população do ponto de vista quantitativo e uma representação política substantiva, com uma agenda de temas que são caros e importantes para elas”, complementa a pós-doutora no Centro para o Estudo de Instituições Democráticas na Vanderbilt University (EUA) Nara Pavão.

“Mulheres preocupam-se mais com saúde e educação e menos com questões internacionais, por exemplo.”

Nara Pavão, professora visitante do departamento de Ciência Política da UFPE

Segundo a especialista, atualmente professora visitante do departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), estudos mostram que as prioridades das mulheres costumam ser diferentes das dos homens. “Preocupam-se mais com saúde e educação e menos com questões internacionais”, exemplifica.

Nara Pavão ainda revela que democracias que têm maior participação feminina produzem resultados diferentes: “Nota-se que há menos corrupção e melhor controle institucional entre os poderes. A desigualdade tende a ser menor e o grau de desenvolvimento econômico e social, maior”.

Números

Diante de tantas vantagens, pode-se questionar por que as mulheres ainda são pouco presentes na política partidária. Nas eleições de 2018, Pernambuco elegeu apenas uma mulher para deputada federal, das 25 cadeiras a que tem direito, e nenhuma senadora. Por outro lado, o Estado tem, pela primeira vez, uma mulher ocupando o cargo de vice-governadora: Luciana Santos (PCdoB), que já foi deputada federal e estadual, além de prefeita de Olinda.

Conforme os dados divulgados pelo TSE, no Brasil, foram eleitas neste ano 77 deputadas federais, 26 a mais que no pleito de 2014. Apesar do crescimento, o quantitativo representa apenas 15% do total de 513 parlamentares da Câmara Federal. E três estados não elegeram nenhuma mulher para o cargo: Amazonas, Maranhão e Sergipe. Elas também conquistaram sete das 54 cadeiras do Senado, sendo que em três unidades federativas (Acre, Bahia e Tocantins) sequer houve candidatas.

Nas assembleias de todo o País, foram eleitas 161 deputadas estaduais de um total de 1.059 vagas – um crescimento de 42 postos em relação a 2014. No ranking de presença feminina nos parlamentos estaduais, a Alepe aparece na sexta posição, atrás de Amapá, Roraima, Sergipe, Pará e Tocantins. Mesmo assim, com mais de um quinto de parlamentares mulheres, a Casa de Joaquim Nabuco está acima da média nacional, que é de 15,2%.

Cotas

O resultado, contudo, mostra uma falta de proporcionalidade persistente entre o número de candidatas e o de eleitas. Em Pernambuco, das 681 candidaturas a deputado estadual registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 212 eram de mulheres – ou 31% delas. O percentual revela que as legendas se preocupam em cumprir a Lei das Eleições, a qual prevê, no mínimo, 30% de “candidaturas de cada sexo”. Entretanto, a cota não resultou na ampliação do número de eleitas.

31%das candidaturas a deputado estadual foram de mulheres, segundo TSE. Média nacional nas Assembleias foi de 15,2% de deputadas eleitas.

“Não é suficiente, mas é importante, e a gente não pode retroceder. A cota de gênero permitiu que a mulher pudesse adentrar no universo partidário”, analisa a professora Michelle Fernandez. Para a especialista nas áreas de políticas públicas e participação da mulher na política, falta estrutura de campanha para eleger as candidatas: “Até esta eleição, não havia obrigatoriedade de investimento”.

Ela se refere à Reforma Eleitoral de 2015 (Lei Federal nº 13.165), que alterou a Lei dos Partidos Políticos para ampliar a aplicação do fundo partidário e incentivar a participação feminina. Essa norma também especificou que, nas três eleições seguintes (2016, 2018 e 2020), as legendas deveriam reservar, no mínimo, 5% e, no máximo, 15% dos recursos desse fundo à “aplicação nas campanhas de suas candidatas”.

Além disso, está prevista a utilização de pelo menos 10% do tempo de propaganda partidária em TV e rádio para promover e difundir a participação das mulheres na política. Nessas eleições, elas passaram, ainda, a ter direito a 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (conhecido como fundo eleitoral), por determinação do TSE.

O resultado: em 2018, o número de mulheres se manteve no Senado, mas aumentou em 51% na Câmara dos Deputados e em 35% nas assembleias legislativas estaduais. “Essas eleições demonstram que as mulheres estão avançando no campo da política. Está muito longe do que a gente precisa para que as pautas femininas tenham maior relevância nos espaços de decisão e poder, mas houve um crescimento importante”, acredita a cientista política e professora da UFPE Ana Maria de Barros.

Executivo

No Poder Executivo, o desempenho do País é ainda pior: 167º lugar no Mapa Mulheres na Política 2017 da ONU Mulheres. Nas eleições de 2018, nenhuma mulher foi eleita governadora no primeiro turno e apenas uma candidata foi para o segundo: Fátima Bezerra (PT), que venceu no Rio Grande do Norte.

Foto da deputada Simone Santana falando ao microfone na tribuna do Plenário.

SIMONE – “Casa está mais receptiva agora do que quando entrei.” Foto: Roberto Soares

Na Alepe, desde 2013, a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher homenageia os municípios que se destacaram na condução de políticas de promoção da igualdade de gênero com o Prêmio Prefeitura Amiga das Mulheres. Estabelecida na Resolução n° 1213/2013, a honraria é apenas uma das iniciativas do colegiado, explica a presidente, deputada Simone Santana (PSB). “A Casa está mais receptiva agora do que quando entrei. A Comissão saiu da invisibilidade, ganhou repercussão”, observa a deputada. Outra frente foi a criação da Ação Formativa Mulheres na Tribuna – Adalgisa Cavalcanti, que incentiva o surgimento de lideranças políticas femininas no Estado.

Atualmente, todos os municípios pernambucanos têm algum organismo de políticas para mulheres – em 40 deles, secretarias, mas também há assessorias, coordenadorias, secretarias executivas, diretorias e gerências específicas.

 

Mundo

Infográfico com mapa da América Latina informando que Brasil está na retaguarda do continente, na frente apenas de Guatemala e Haiti na quantidade de mulheres nas câmaras baixas (equivalente à Câmara de Deputados).No cenário internacional, o desempenho brasileiro é pífio. A pesquisa Mulheres nos Parlamentos, da União Interparlamentar, posicionou o País em 156º no ranking de participação feminina no Poder Legislativo. A lista é encabeçada por Ruanda, seguida por Cuba, Bolívia e México. Também estamos abaixo da média das Américas, que é de 29,5%.

Nessas democracias latinas, a posição é resultado de leis de paridade implantadas nos últimos anos, explica Nara Pavão: “No sistema de lista fechada (caso da Bolívia e do México), quem define a ordem em que os candidatos aparecem é o partido. E a população vota na legenda, enquanto, no Brasil, a gente vota no candidato”. Para a cientista política, a indução é boa. “Lá não se pode colocar as mulheres no final da lista ou deixar de investir, e os partidos assumem posição de protagonismo”, analisa.

Nas eleições de 2014, dos 130 deputados federais, a Bolívia elegeu 69 mulheres (53,1%). No Senado, elas foram 17 dos 36 parlamentares (47,2%). O terceiro colocado mundial é o único país latino-americano que tem mais mulheres no parlamento do que qualquer democracia da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que reúne 36 países considerados desenvolvidos por critérios de Produto Interno Bruno (PIB) e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

A Bolívia melhorou de classificação rapidamente em comparação a 2014, quando ocupou o 51º lugar em participação feminina. Esse crescimento é atribuído à aprovação da Constituição de 2009 e à adoção da “lista cremallera” (que alterna homens e mulheres e assegura 50% de candidaturas para elas), a partir da reforma eleitoral de 2010. No Brasil, o sistema de lista fechada foi proposto na Reforma Política de 2017, mas terminou rejeitado pelo Plenário da Câmara dos Deputados.

53,1%da Câmara dos Deputados da Bolívia é composta por mulheres. País ocupa 3º lugar no ranking internacional de presença feminina nos parlamentos, à frente de todas as democracias da OCDE.

Já os mexicanos elegeram 241 mulheres entre os 500 deputados federais neste ano (48,2%) e, dos 128 senadores, foram 63 postos femininos (49,2%). O quarto lugar no ranking estabeleceu constitucionalmente a paridade nas candidaturas para o Poder Legislativo Federal. Além disso, candidatos registrados e suplentes devem ter o mesmo gênero. Antes da medida, nas eleições de 2015, apenas 37% da Câmara dos Deputados e 33% do Senado eram compostos por mulheres.

“O projeto mexicano foi extremamente exitoso”, afirma o professor de Ciência Política da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) José Mário Wanderley. “No Brasil, pelo contrário, as medidas tomadas para aumentar a participação político-eleitoral das mulheres geraram candidaturas pró-forma: alguns partidos as incluem no quadro para preencher os números, sem dar acesso ao fundo partidário, mais preocupados em cumprir a regra para não sofrer sanções do que com a participação efetiva.”

Cultura

Um exemplo disso são os dados do TSE referentes às eleições municipais (vereadores e prefeitos) de 2016. Nesse pleito, do total de 155.587 candidatas, 14.417 não receberam um voto sequer – 9,2% das inscritas na disputa, ou quase uma em cada 11 mulheres. Em comparação, apenas 0,5% dos candidatos homens (1.714 de 336.819) ficaram sem voto algum.

Não só a má distribuição de recursos financeiros afeta a equidade de gênero nos espaços de decisão. De acordo com a professora Nara Pavão, é preciso atentar, também, para os chamados “recursos simbólicos”. “Existe o problema da desigualdade na distribuição dos números mais ou menos fáceis de memorizar, por exemplo, de modo que elas não se tornem competitivas”, diz.

9,2%
das candidatas nas últimas eleições municipais, em 2016, não receberam nenhum voto. Entre os homens, foi 0,5%.

Além disso, explica a pesquisadora, a desigualdade em outros campos reforça o desequilíbrio eleitoral. “A exclusão feminina não se dá só na política. O confinamento da mulher à vida privada reforça o estereótipo de que ela não é competente para a esfera pública, o que inclui qualquer função não enquadrada em serviços domésticos: cargos de direção, postos de poder… E quando ocupam, elas não são recompensadas da mesma forma que os homens”, observa Pavão.

O entendimento foi corroborado pela campanha Mais Mulheres na Política, do Senado Federal. Em um dos livretos temáticos produzidos pelo projeto, são listados como fatores que limitam e impedem a presença da mulher na política a elevada carga de trabalho (tripla jornada), o machismo e o domínio masculino nos partidos políticos. O material também cita a ineficiência do atual sistema de cotas, poucos recursos nas campanhas, falta de punição aos partidos que não cumprem a legislação e ausência de campanhas de conscientização.

Mudança

Além das políticas afirmativas, as eleições de 2018 foram marcadas pela maior visibilidade das concorrentes, afirma Michelle Fernandez. “Nunca vi tantas candidaturas femininas nas mídias sociais. Percebe-se a emergência de uma necessidade da mulher de se sentir representada”, pontua.

Ela alerta, porém, para o risco de se apontar responsáveis pela mudança no perfil dos eleitos entre as próprias vítimas. “Existe uma tendência em se culpar as mulheres que não votam em mulheres, mas, muitas vezes, elas nem sabem que há candidatas porque as campanhas são frágeis, sem recursos ou sequer acontecem. Transferir a responsabilidade de algo estrutural apenas para elas é cruel”, analisa.

Foto de mulher com as mãos estendidas falando na tribuna do Plenário do Palácio Joaquim Nabuco, durante a Ação Formativa Mulheres na Tribuna - Adalgisa Cavalcanti.

FORMAÇÃO – Desde abril, a Alepe promove a Ação Mulheres na Tribuna – Adalgisa Cavalcanti, que incentiva o surgimento de lideranças políticas femininas no Estado. Foto: Jarbas Araújo

Há cinco anos, o Instituto Patrícia Galvão – organização social sem fins lucrativos que atua para promover o debate público sobre as demandas das mulheres por direitos e visibilidade – realizou a pesquisa Mais Mulheres na Política. O levantamento, feito em parceria com o Ibope e com o apoio da Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres), identificou que 78% dos entrevistados defendem a obrigatoriedade da paridade de gênero nas listas de candidatos dos partidos.

78%dos brasileiros defendem paridade de gênero obrigatória nas listas de candidatos dos partidos.

“Os brasileiros não rejeitam as mulheres. Quando você pergunta sobre a importância da participação feminina ou se mulheres governam melhor do que os homens, a maior parte diz que sim. Mas isso não se reflete de modo prático. Respondem porque acham que é o correto, que é a resposta socialmente desejável”, avalia a professora visitante do Departamento de Ciência Política da UFPE Nara Pavão.

Ainda de acordo com o instituto, se não for adotada a cota de cadeiras no Parlamento brasileiro, será necessário pelo menos um século para que as mulheres alcancem a igualdade com os homens na representação política.

 

*Fotos em destaque: Roberto Soares (home) e Kerol Correia/Arquivo Alepe (Notícias Especiais)