Publicado em 26/01/2018 - 09:01

Desestatizações em pauta

Ao longo de 2017, deputados estaduais discutiram propostas do Governo Federal com impacto em Pernambuco. Futuro da Chesf é o que mais preocupa

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ENERGIA - Possível privatização da Chesf motivou audiência pública e criação de Frente Párlamentar na Alepe. Foto: Rinaldo Marques/Arquivo

ENERGIA – Possível privatização da Chesf motivou audiência pública e criação de Frente Párlamentar na Alepe. Foto: Rinaldo Marques/Arquivo

Gabriela Bezerra

Uma série de desestatizações em setores estratégicos do País foi anunciada, em 2017, pelo presidente Michel Temer, por meio do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). O tema não passou despercebido na Alepe, onde deputados realizaram diversos debates, ao longo do ano, todos em defesa da preservação do controle estatal de empresas que impactam a realidade pernambucana, como a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) e o Aeroporto Internacional do Recife/Guararapes – Gilberto Freyre, no Recife. Duas frentes parlamentares contra os processos de desestatização foram instaladas na Casa.

Criado a partir da Medida Provisória nº 727/2016, convertida na Lei Federal nº 13.334/2016, o PPI foi apresentado como alternativa a um “ciclo vicioso” de aumento do desemprego e perda de renda da população. A motivação anexa à MP diz, ainda, que se trata de uma ação de “caráter emergencial” para implementar medidas que estimulem o crescimento da economia e a geração de empregos. Para isso, visa fortalecer a interação entre Governo Federal e a iniciativa privada a fim de criar cenário favorável ao investimento em infraestrutura no País. Os processos serão feitos por meio de concessão, permissão e arrendamento.

80%dos municípios nordestinos são abastecidos pela Chesf.

Em agosto, o anúncio da privatização da Eletrobras chamou atenção dos parlamentares, já que a estatal controla a Chesf, responsável pelo abastecimento de 80% dos municípios nordestinos. Comandado pelo pernambucano Fernando Coelho Filho, o Ministério das Minas e Energia (MME) encaminhou projeto de lei ditando os trâmites desse processo à Casa Civil, que o remeterá ao Congresso Nacional.

Composta por 29 usinas hidrelétricas, 15 termelétricas e duas nucleares, a Eletrobras foi criada em 1961 e controla, atualmente, seis subsidiárias (entre elas, a Chesf), além de deter metade do capital da Itaipu Binacional. De acordo com o ministério, “as dívidas e o ônus do passado se avolumaram e exigem uma mudança de rota para  não comprometer o futuro da empresa”. O processo será semelhante ao que ocorreu com a Embraer e a Vale.

Liderando o colegiado em defesa da Chesf, o deputado Lucas Ramos (PBS) participou de 11 audiências públicas em cinco Estados da região. Uma Ação Popular com o objetivo de suspender a privatização foi elaborada pela frente. Outros deputados da Casa expressaram, em Plenário, preocupações com a proposta, assim como o próprio o governador Paulo Câmara. O chefe do Poder Executivo estadual criticou a forma como o Governo Federal conduz o processo de privatização do Sistema Eletrobras e lamentou o fato de Temer não ter respondido carta elaborada pelos governadores do Nordeste com manifestação contrária: “Não recebemos nenhuma explicação. Isso mostra, claramente, qual é o olhar que se tem para o Nordeste”, disse, em dezembro.

Risco à integração

Publicado em outubro, o Decreto Presidencial nº 9.180/2017, que colocou o maior aeroporto de Pernambuco como um dos carros-chefe de um pacote de desestatização que abarca outros 12 terminais brasileiros, também chamou atenção do Parlamento Estadual. Em novembro, a deputada Teresa Leitão (PT) solicitou audiência pública sobre o tema. “Estamos vendo um processo de privatização do Estado brasileiro. Administrativamente falando, a Assembleia não tem poder de ingerência sobre o tema, mas, politicamente, sim. E nós vamos dar força ao movimento nacional, empenhado em lutar contra essas privatizações”, declarou.

AEROPORTOS - Contrários à privatização, funcionários da Infraero elencaram riscos para o sistema aéreo nacional. Foto: Jarbas Araújo

AEROPORTOS – Contrários à privatização, funcionários da Infraero elencaram riscos para o sistema aéreo nacional. Foto: Jarbas Araújo

O Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, na Região Metropolitana de Natal (RN), foi o primeiro do País a ser concedido à iniciativa privada, em 2011, quando foi arrematado em leilão por grupo argentino. No início de 2017, outros quatro aeroportos foram desestatizados por meio de concessão (Decreto Presidencial nº 8.517/2015), sendo todos transferidos a grupos europeus: os de Fortaleza e Porto Alegre (Alemanha), Salvador (França) e Florianópolis (Suíça). O prazo médio dos contratos é de 30 anos.

Anunciada em julho deste ano, a devolução do Aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), ao Governo Federal, é mencionada como argumento contra a desestatização. O empreendimento deve ser relicitado. “As concessões estão colocando em risco a sustentabilidade do sistema aéreo. Querem entregar um patrimônio estratégico para o desenvolvimento do País para estrangeiros, que não têm nenhum compromisso com a integração nacional, e para empresas brasileiras pouco confiáveis, envolvidas em denúncias de corrupção”, acredita Jonatas Mesquita, funcionário da Infraero. Também aeroportuário, Sérgio Farias destaca o compromisso da estatal em garantir o deslocamento da população: “Conseguimos ligar Bagé (RS), na fronteira com o Uruguai, e Tabatinga (AM), ao resto do Brasil.”

A preocupação com a integração nacional já havia sido levantada pelos servidores dos Correios em maio. Apesar de não ter sido anunciada medida de desestatização para essa empresa pública, o sindicato criticou, em debate promovido pela Alepe, a “reestruturação” da instituição. “Reestruturar sempre é positivo, se for no sentido de fortalecer a empresa e adequá-la aos novos desafios. Se a proposta for privatizá-la, não é do nosso interesse”, frisou o diretor regional dos Correios em Pernambuco, Pedro Mota, na ocasião.

Em resposta ao temor da privatização, uma greve com duração superior a 30 dias foi deflagrada pela categoria em março. Carteiro há 25 anos e secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios em Pernambuco, Rinaldo Nascimento avaliou como “falsos” os argumentos oficiais da gestão Temer de que há déficit financeiro nos Correios e seria necessária a demissão de funcionários. Também criticou o anúncio de fechamento de agências e a ausência de concursos públicos.

CORREIOS - Empregados temem fechamento de agências e demissões. Foto: Rinaldo Marques/Arquivo

CORREIOS – Empregados temem fechamento de agências e demissões. Foto: Rinaldo Marques/Arquivo

Em maio, durante audiência pública sobre o tema – solicitada pelo deputado Waldemar Borges (PSB) –, o pesquisador do Laboratório de Geografia Política e Planejamento Territorial e Ambiental da Universidade de São Paulo (USP), Igor Venceslau, ressaltou a importância do fortalecimento dos Correios e argumentou sobre o ônus da privatização do sistema. “Resultaria na perda da universalização do serviço postal; na desestruturação do comércio digital, que dá suporte a empresas e autônomos; no prejuízo à integração nacional; e até mesmo na soberania nacional, já que o serviço de mensagem é estratégico”, elencou.

Já a Frente Parlamentar em Defesa dos Bancos Públicos foi instalada no último dia 12 de dezembro, por iniciativa de Teresa Leitão, a partir de manifestação em audiência pública realizada pela Comissão de Administração. Durante o debate, foi verificada preocupação com a continuidade da política habitacional caso bancos como a Caixa Econômica Federal percam o caráter público. Na avaliação da presidente do Sindicato dos Bancários de Pernambuco, Suzineide Rodrigues, os balanços contestam o argumento de que os bancos públicos estão dando prejuízo: “No primeiro semestre deste ano, a Caixa teve lucro de R$ 4,1 bilhões, um aumento de 104% em relação a 2016. Já o Banco do Brasil atingiu R$ 5,2 bilhões, um acréscimo de 67%”.

“A pauta das privatizações é atual e tem preocupado bastante. A Casa tem que se envolver nesse tema”, opina a petista. Teresa alerta, ainda, que processos semelhantes estão sendo desenhados para empresas estatais como as companhias pernambucanas de Saneamento (Compesa) e de Gás (Copergás).