
PROBLEMAS – O rompimento de barragens de minérios e a absorção de rejeitos oriundos dos centros urbanos são duas das causas da contaminação do manancial. Foto: Evane Manço
“Enquanto estamos aqui reunidos, a contaminação avança, porque o rio é dinâmico, está em movimento.” Proferida pelo pesquisador Neison Freire, da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), a frase chama atenção para os impactos do rompimento de barragem de minério em Brumadinho (MG), no início do ano. O tema voltou a ser debatido pela Frente Parlamentar em Defesa do Rio São Francisco, em audiência pública realizada nesta terça (7).
Ao apresentar pesquisar emergencial conduzida pela Fundaj, Freire defendeu a retirada da lama de rejeitos pela Vale: “Isso tem que ser feito de forma urgente para barrar a contaminação”. Também da Fundação, Luís Romani falou sobre os impactos econômicos, tendo em vista a intensa atividade agrícola, pecuária e aquífera na região. Apontou para a necessidade de participação do setor empresarial no debate e nas ações. “É importante que haja essa aproximação”, pontuou. Entre as sugestões para o poder público, elencou o apoio a estudos tecnológicos e econômicos, além de acompanhamento das barragens.
Do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Fernanda Rodrigues frisou que o ocorrido em Brumadinho “não foi um desastre. Foi um crime”. “Existiam estudos técnicos alertando para os riscos de rompimento”, destacou. Ao relatar a situação enfrentada pelos moradores da região, ressaltou que muitos mananciais estão poluídos no País. “Não estamos acompanhando apenas a poluição causada pelos rejeitos de minérios, mas também por esgotos e pelo uso de agrotóxico. “Santa Maria da Boa Vista e Orocó (Sertão do São Francisco), por exemplo, já bebem água contaminada como consequência do agronegócio. O poder público precisa cumprir seu papel de defender o povo e a natureza, não os interesses econômicos”, observou.

PREOCUPAÇÃO – “Precisamos ter segurança de que o Rio São Francisco não terá o mesmo destino do Rio Doce e do Rio Barcarena”, declarou o presidente do Comitê de Bacias, Anivaldo de Miranda. Foto: Evane Manço
Presidente do Comitê de Bacias, Anivaldo de Miranda afirmou que “o Brasil está vendo seus rios morrerem”. “Precisamos ter segurança de que o Rio São Francisco não terá o mesmo destino do Rio Doce e do Rio Barcarena”, declarou. Por fim, ponderou que o momento, diante das adversidades, traz uma grande lição para o futuro: “Precisamos fazer o diagnóstico dos pontos de ameaça ao Rio São Francisco”.
Da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), João Henrique de Araújo advogou no mesmo sentido. “Precisamos dimensionar o risco que a Bacia do Rio São Francisco enfrenta”, disse. Comentou, ainda, sobre a crise hídrica que afeta o manancial desde 2013 e “tem ficado mais severa a cada ano”. Marcelo Teixeira, da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), falou sobre os desafios do programa de integração do Rio São Francisco e da gestão das águas.
Marina Gadelha, presidente da Comissão Nacional de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), lamentou cortes de recursos do Ministério de Minas e Energia e a ausência de diálogo na tramitação do Projeto de Lei nº 3729/2014 na Câmara dos Deputados. A proposta disciplina regras para o processo de licenciamento ambiental no País. “O que ocorreu em Brumadinho é resultado de vício no licenciamento ambiental. Não podemos deixar que um projeto dessa magnitude tramite em regime de urgência, sem que possamos fazer um debate como o que estamos fazendo aqui hoje. Isso é extremamente preocupante”, argumentou.
Secretária-executiva de Meio Ambiente em Pernambuco, Inamara Mélo também criticou corte de recursos pelo Governo Federal: “Sofremos hoje com a incompreensão do que é política ambiental. O Decreto nº 9741/2019 representa um enorme retrocesso e perda para o País”. Declarou, ainda, que “não se pode fechar os olhos pelo princípio da precaução”. “Os alertas ambientais precisam ser levados em consideração”, frisou.

LEGISLAÇÃO – “O que ocorreu em Brumadinho é resultado de vício no licenciamento ambiental”, acredita representante da OAB, Marina Gadelha. Foto: Evane Manço
Diretor-Presidente da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), Djalma Paes declarou que o órgão aumentou o número de coletas de qualidade da água e tem realizado estudos sobre metais pesados. Salientou, ainda, que “é preciso tirar dessa situação a lição de que é preciso cuidar da prevenção ambiental”. “A Agência Pernambucana de Águas e Climas (Apac) tem acompanhado, junto à Agência Nacional de Águas (ANA), os impactos”, disse a diretora Cristiane Rosal, que também tratou do ocorrido em Brumadinho como crime. A ANA foi convidada, mas não enviou representante.
Também participaram da audiência representantes da Secretaria Estadual de Recursos Hídricos e da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa). Ambos criaram grupos de estudos para debater os impactos do rompimento da barragem mineira.
Coordenador da Frente Parlamentar, o deputado Lucas Ramos (PSB) destacou que, “diante do episódio trágico, o objetivo é trabalhar para preservar a saúde das pessoas e do rio”. “Nosso papel como legislador é dar ressonância às demandas da sociedade”, frisou. O uso do rio apenas para fins de abastecimento foi defendido pelo deputado Antonio Fernando (PSC). “O perfil do São Francisco deveria ser de fornecimento de água para a população, não de energia hidrelétrica. A região também tem potencial eólico e solar “, pontuou.