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PROJETO DE LEI ORDINÁRIA 3416/2022

Estabelece a constituição de bancas de heteroidentificação no âmbito dos processos seletivos para ingresso de estudantes nas instituições estaduais de ensino superior do Estado de Pernambuco, quando adotarem o critério racial.

Texto Completo

     Art. 1º Os processos seletivos para ingresso em instituições estaduais de ensino superior, quando adotarem o critério de reserva de vagas para pretos ou pardos mediante autodeclaração, deverão incluir bancas de heteroidentificação.

     Parágrafo único. Entende-se por banca de heteroidentificação os colegiados instituídos com a finalidade de aferir a veracidade da autodeclaração realizada pelos candidatos que pretendam preencher vagas reservadas a estudantes negros, de cor preta ou parda, nos processos seletivos adotados para ingresso nas instituições estaduais de ensino superior.

     Art. 2º As bancas de heteroidentificação procederão conforme as seguintes diretrizes:

     I - respeito à dignidade da pessoa humana;

     II - observância do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal;

     III - garantia de padronização e de igualdade de tratamento entre os candidatos submetidos ao procedimento de heteroidentificação promovido no mesmo processo seletivo;

     IV - garantia da publicidade e do controle social do procedimento de heteroidentificação, resguardadas as informações pessoais dos candidatos, nos termos da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, bem como as demais hipóteses de sigilo a serem definidas em regulamento vigente na instituição de ensino;

     V - atendimento ao dever de autotutela da legalidade pela administração pública;

     VI - necessidade de previsão editalícia dos procedimentos de heteroidentificação adotados no processo seletivo para ingresso nas instituições estaduais de ensino superior; e

     VII - garantia da efetividade da ação afirmativa de reserva de vagas a candidatos negros, de cor preta ou parda, nos processos seletivos de ingresso nas instituições estaduais de ensino superior.

     Art. 3º As instituições estaduais de ensino superior poderão adotar exclusivamente o critério fenotípico para aceitar a autodeclaração oferecida pelo candidato quando da inscrição no processo seletivo.

     Art. 4º Caberá ao Poder Executivo regulamentar a presente Lei em todos os aspectos necessários para a sua efetiva aplicação.

     Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Autor: Gustavo Gouveia

Justificativa

     Nossa proposição tem como objetivo estabelecer a constituição de bancas de heteroidentificação no âmbito dos processos seletivos para ingresso de estudantes nas instituições estaduais de ensino superior do Estado de Pernambuco, quando adotarem o critério racial.

     No julgamento da ADPF 186, realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em abril de 2012, foi declarada a constitucionalidade da política de reserva de vagas em universidades com fundamento em critérios étnico-raciais. Na oportunidade, também foi consolidada a tese jurisprudencial a respeito da constitucionalidade das bancas de heteroidentificação.

     Relatado pelo Ministro Ricardo Lewandowski, o julgado estabeleceu que as cotas raciais devem ter aplicabilidade restrita “às vítimas diretas do racismo e da discriminação racial, como medida de justiça distributiva voltada para a neutralização de iniquidades raciais persistentes na sociedade brasileira”. Outrossim, foi defendida que a autodeclaração não é critério absoluto na definição da pertença étnico-racial de um indivíduo, sobretudo para fins de acesso a política pública instituidora de ação afirmativa em favor de grupos historicamente marginalizados, nos seguintes termos:

 

“A discriminação e o preconceito existentes na sociedade não têm origem em supostas diferenças no genótipo humano. Baseiam-se, ao revés, em elementos fenotípicos de indivíduos e grupos sociais. São esses traços objetivamente identificáveis que informam e alimentam as práticas insidiosas de hierarquização racial ainda existentes no Brasil.” (ADPF 186, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 26/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-205 DIVULG 17-10-2014 PUBLIC 20-10- 2014).

 

     Por sua vez, no âmbito da Ação Declaratória de Constitucionalidade 41, o STF julgou, em junho de 2017, a constitucionalidade da Lei Federal nº 12.990/2014, que reserva a pessoas negras vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta. No julgamento, foi defendida a legitimidade da utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação para fins de seleção dos beneficiários das cotas raciais, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa.

     Dentre os desafios que vêm sendo impostos aos programas de cotas, encontra-se a necessidade de aprimoramento dos processos de implementação da política, considerando os recorrentes casos de fraude que deturpam o sentido da ação afirmativa, notadamente em relação à reserva de vagas para pessoas negras.

     Isso porque, de modo mais ou menos igual, as universidades brasileiras adotam o critério da "autodeclaração" como meio pelo qual um candidato torna-se apto a concorrer no concurso (i.e., vestibular) para ingresso ao curso oferecido pela instituição na modalidade reservada a determinado grupo racial (i.e., raça negra).

     Ocorre que, o requisito da "autodeclaração", dada a sua natureza subjetiva (i.e., "autorreconhecimento" do candidato enquanto pessoa negra), nem sempre acompanha o critério objetivo do "fenótipo", que tem como pressuposto a existência de características físicas por meio das quais objetivamente é possível identificar determinado sujeito enquanto pessoa negra.

     Ou seja, nem sempre os traços fenotípicos próprios de pessoas negras estão presentes em quem se "autodeclara" como tal. A fraude é caracterizada neste limiar, que afere a incompatibilidade entre a autodeclaração e o fenótipo do candidato.

     Tanto é assim que muitas universidades brasileiras vêm recebendo denúncias de ocupação irregular das vagas destinadas a pessoas negras, o que tem suscitado a abertura de processos administrativos de invalidação de matrícula e, consequentemente, a expulsão de uma série de estudantes tidos como fraudadores. Isto porque, identificou-se o preenchimento de vagas destinadas ao grupo racial (negro) por pessoas que não são as verdadeiras destinatárias da ação afirmativa.

     Ou seja, em português direto, mas comedido: pessoas não-negras tentando descaradamente se passar por pessoas negras. Neste sentido, fundamentadas nas referidas e paradigmáticas decisões judiciais, bem como na experiência normativa em todo o Brasil, dezenas de universidades brasileiras implementam bancas de heteroidentificação.

     As bancas de heteroidentificação, portanto, são organismos administrativos com uma finalidade bastante específica: garantir que a ação afirmativa tenha seu propósito respeitado e atendido, qual seja, possibilitar às pessoas negras, cor preta ou parda, a ocupação do ambiente universitário.

     Além da jurisprudência acima citada, nossa proposição se insere na competência legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, conforme previsto na Carta da República, in verbis:

 

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...]

IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação; [...]

 

     Destacamos que nossa proposição respeita o princípio da autonomia universitária, uma vez que estabelece a utilização de bancas de heteroidentificação apenas quando elas realizarem processos seletivos com reserva de vagas para pretos e pardos, a fim de evitar fraudes e garantir a isonomia do processo.

     Em face do exposto, solicito a colaboração dos Nobres Pares da Casa Joaquim Nabuco para aprovação da presente proposição legislativa, dada a sua relevância e interesse público.

Histórico

[24/05/2022 15:33:00] ASSINADO
[24/05/2022 15:34:36] ENVIADO P/ SGMD
[24/05/2022 16:19:19] ENVIADO PARA COMUNICA��O
[24/05/2022 16:48:01] RENUMERADO
[24/05/2022 17:50:27] DESPACHADO
[24/05/2022 17:50:43] EMITIR PARECER
[24/05/2022 18:11:19] ENVIADO PARA PUBLICA��O
[25/05/2022 08:41:39] PUBLICADO

Gustavo Gouveia
Deputado


Informações Complementares

Status
Situação do Trâmite: PUBLICADO
Localização: SECRETARIA GERAL DA MESA DIRETORA (SEGMD)

Tramitação
1ª Publicação: 25/05/2022 D.P.L.: 10
1ª Inserção na O.D.:




Esta proposição não possui emendas, pareceres ou outros documentos relacionados.