Brasão da Alepe

PROJETO DE LEI ORDINÁRIA 2549/2021

Institui a Política Estadual de Proteção e Atenção Integral aos Órfãos e Órfãs do Feminicídio.

Texto Completo

     Art. 1º Fica institutída, no âmbito do Estado de Pernambuco, a Política Estadual de Proteção e Atenção Integral aos Órfãos e Órfãs do Feminicídio, voltada para a promoção de atenção multissetorial de crianças e adolescentes cujas mulheres responsáveis legais foram vítimas de Feminicídio.

     Art. 2º Para os fins desta Lei, consideram-se Órfãos e Órfãs do Feminicídio as crianças e adolescentes dependentes de mulheres assassinadas em contexto de violência doméstica e familiar ou de flagrante menosprezo e discriminação à condição de mulher, caracterizando-se como crime de “Feminicídio” nos termos que dispõe a Lei Federal nº 13.104, de 9 de março de 2015, e a Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.

     § 1º As mulheres vítimas de Feminicídio referidas no caput são todas aquelas que se autoidentificam com o gênero feminino, vedadas discriminações por raça, orientação sexual, deficiência, idade, escolaridade e de outras naturezas, nos termos do art. 5º, incisos XIII e XIV da Constituição do Estado de Pernambuco.

     § 2º A execução da Política Estadual de Proteção e Atenção Integral aos Órfãos e Órfãs do Feminicídio será orientada pela garantia da proteção integral e prioritária dos direitos das crianças e dos adolescentes, preconizada pela Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990.

     § 3º A Política Estadual de Proteção e Atenção Integral aos Órfãos e Órfãs do Feminicídio compreende a promoção, entre outros, dos direitos à assistência social, à saúde, à alimentação, à moradia, à educação e à assistência jurídica gratuita para órfãos e órfãs do Feminicídio, compreendendo-os(as) também como vítimas colaterais da violência de gênero.

     Art. 3º São princípios da Política Estadual de Proteção e Atenção Integral aos Órfãos e Órfãs do Feminicídio:

     I - o fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Sistema Único de Saúde e do Sistema Único de Assistência Social, em seus componentes especializados no atendimento a vítimas de violência, como equipamentos públicos prioritários no atendimento a órfãos e órfãs do Feminicídio e responsáveis legais;

     II - o atendimento especializado e por equipe multidisciplinar dos órfãs e órfãs do Femincídio, com prioridade absoluta, considerada a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento;

     III - o acolhimento e proteção integral como dever norteador do trabalho dos serviços públicos e conveniados implicados no fluxo de atendimento dos órfãs e órfãs do Femincídio;

     IV - a vedação às condutas de violência institucional, praticadas por instituição pública ou conveniada, para não gerar revitimização dos órfãs e órfãs do Femincídio, nos termos do art. 4º, inciso IV, da Lei Federal nº 13.431, de 4 de abril de 2017.

     Art. 4º A Política Estadual de Proteção e Atenção Integral aos Órfãos e Órfãs do Feminicídio tem como objetivo assegurar a proteção integral e o direito humano das crianças e dos adolescentes de viverem sem violência, preservando sua saúde física e mental, seu pleno desenvolvimento e seus direitos específicos na condição de vítimas ou testemunhas de violência no âmbito de relações domésticas, familiares e sociais, resguardando-os de toda forma de negligência, discriminação, abuso e opressão, na forma que dispõe o art. 2º da Lei Federal nº 13.431, de 4 de abril de 2017.

     Parágrafo único. Para alcançar o objetivo referido no caput, na execução da Política Estadual de Proteção e Atenção Integral aos Órfãos e Órfãs do Feminicídio incentivar-se-á a intersetorialidade, visando à promoção de atenção e proteção multissetorial, pelo Estado de Pernambuco, de órfãos e órfãs do Feminicídio e seus responsáveis legais, de modo a integrar os serviços da Rede de Proteção às Mulheres em Situação de Violência e do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.

     Art. 5º A execução da Política Estadual de Proteção e Atenção Integral aos Órfãos e Órfãs do Feminicídio terá como diretrizes:

     I - o incentivo à realização de estudos de caso pela rede local para vítimas e familiares em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher ou de Feminicídio tentado, para atuar na prevenção da reincidência e da letalidade da violência de gênero, bem como para garantir a intersetorialidade na proteção integral dos direitos de crianças e adolescentes;

     II - a obrigatoriedade de comunicação ao conselho tutelar competente, pela Delegada ou pelo Delegado de Polícia competente, do nome completo de crianças e adolescentes dependentes de vítimas de Feminicídio e suas respectivas idades, devidamente identificados ao se lavrarem ocorrências de violência doméstica e familiar contra a mulher, consoante o art. 12, § 1º, inciso II, da Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, para que o órgão atue como articulador dos serviços de proteção;

     III - o atendimento humanizado, pelo conselho tutelar da localidade, de crianças e adolescentes órfãos do Feminicídio, para encaminhamento de denúncias de violações de direitos ao Ministério Público de Pernambuco, aplicando-se as medidas protetivas cabíveis e referenciamento na rede de atendimento, nos termos do art. 136, inciso I, da Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990;

     IV - o atendimento de órfãos e órfãs do Feminicídio e responsáveis legais, por unidades de referência do Sistema Único de Assistência Social, preferencialmente por Centros de Referência Especializados de Assistência Social, para concessão de benefícios socioassistenciais de provimento alimentar direto em caráter emergencial e auxílio em razão do desabrigo temporário, bem como orientação para preenchimento de formulários para acesso a benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS de seus ascendentes, a exemplo de auxílio-reclusão e pensão por morte;

     V - a realização de escuta especializada de crianças e adolescentes dependentes de mulheres em situação de violencia doméstica e familiar, quando necessário, visando minimizar a revitimização decorrente de escuta não qualificada e dar celeridade às medidas protetivas, nos termos da Lei Federal nº 13.431, de 4 de abril de 2017;

     VI - a observância em decisões de processos judiciais relativos à guarda de órfãos do Feminicídio, da perda do poder familiar por quem praticou o Feminicídio, nos termos do art. 1.638, Parágrafo único, inciso I, alínea “a”, da Lei Federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002;

     VII - o estabelecimento de estratégias de atendimento médico e de assistência judiciária gratuira, de forma prioritária, à crianças e adolescentes órfãs e órfãs de vítimas de Feminicídio;

     VIII - a garantia, com prioridade, do atendimento psicossocial e psicoterapêutico especializado e por equipe multidisciplinar dos órfãos e órfãs do Feminicídio e seus responsáveis legais, preferencialmente em localidade próxima à sua residência, para o acolhimento e a promoção da saúde mental;

     IX - a capacitação e o acompanhamento de pessoas que ofertarem lar provisório aos órfãos e órfãs do Feminicídio, que foram afastados do convívio familiar por medida protetiva determinada judicialmente ou, para adesão voluntária, de membros da família extensa que passarão a ser seus responsáveis legais, para a reconstrução de vínculos familiares e comunitários;

     X - quando houver a necessidade, a inserção do órfão e órfã do Feminicídio e seus familiares ou responsáveis legais em programas de proteção policial do Estado de Pernambuco;

     XI - a garantia do direito à educação dos órfãos e órfãs do Feminicídio, mediante a apresentação de documentos comprobatórios da situação de violência, para que seja priorizada a matrícula de dependentes de mulheres vítimas de Feminicídios tentados ou consumados, em instituição educacional mais próxima ao domicílio, ou a transferência para a unidade escolar requerida, independentemente da existência de vagas, nos termos do art. 9º, § 7º, da Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006;

     XII - a priorização dos órfãos e órfãs do Feminicídio em programas, projetos e ações sociais no âmbito do Estado de Pernambuco;

     XIII - a implementação de políticas de acompanhamento aos órfãos e órfãs do Feminicídio, com atenção especial para as consequências físicas e psicológicas; e

     XIV - a integração operacional de órgãos do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Conselho Tutelar e encarregados da execução das políticas sociais básicas e de assistência social, para o efetivo atendimento multissetorial de crianças e adolescentes filhos de vítimas de Feminicídio.

     Art. 6º São exemplos de ações que poderão ser implementadas no âmbito da Política Estadual de Proteção e Atenção Integral aos Órfãos e Órfãs do Feminicídio:

     I - oferta de capacitação continuada às servidoras e aos servidores que atuam na Rede de Proteção às Mulheres em Situação de Violência e no Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente sobre o conteúdo desta Lei;

     II - promoção de campanhas permanentes e ações de sensibilização sobre os direitos de familiares de vítimas de Feminicídio previstos nesta Lei; e

     III - monitoramento da adesão voluntária de familiares de vítimas de Feminicídio aos serviços articulados no âmbito desta Política.

     Art. 7º Caberá ao Poder Executivo regulamentar a presente Lei em todos os aspectos necessários para a sua efetiva aplicação.

     Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

Autor: Delegada Gleide Angelo

Justificativa

     Apresentamos o presente Projeto de Lei, para deliberação desta Egrégia Assembleia Legislativa, cuja competência legislativa encontra respaldo no art. 19, da Magna Carta do Estado de Pernambuco, e no art. 194, I, do Regimento Interno desta Casa, uma vez que seu conteúdo não esbarra no rol de matérias a qual a iniciativa é reservada privativamente ao Governador do Estado.

     Cumpre salientar, desde já, que sob o aspecto financeiro e orçamentário, a execução normativa desta iniciativa não implicará em aumento de despesas para o Poder Público, e nem implicará na criação de atribuições para Secretarias de Estado, órgãos e entidades da administração pública.

     Ademais, a proposição não viola os limites estabelecidos pela Constituição Federal, no que tange a competência dos Estados-membros para legislar sobre matérias que não foram incluídas nas competências enumeradas ou implícitas da União e dos Municípios, bem como não incidam nas vedações constitucionais que balizam a atuação dos entes federados, conforme previsto no §1º do art. 25 da Constituição Federal.

     O presente Projeto de Lei tem por prioridade garantir, no âmbito do Estado de Pernambuco, o atendimento psicossocial à crianças e adolescentes cujas mães foram vítimas de feminicídio, podendo compreender, ainda, após regulamentação pelo Poder Executivo, a promoção do direito à assistência social, à saúde, à alimentação, à moradia, à educação e à assistência jurídica gratuita para órfãos do feminicídio e seus responsáveis legais.

     Pesquisas vêm evidenciando uma grande preocupação com os desdobramentos do feminicídio em decorrência da falta de políticas públicas propostas pelo Estado às famílias das mulheres vitimizadas.

     Em geral, pouco é visibilizado o impacto dessa violência sobre a vida de inúmeras crianças e adolescentes que, não raras vezes, foram testemunhas dos crimes cometidos pelos seus próprios pais contra a vida de suas mães.

     Nesta linha, entendemos que é necessário um acolhimento especializado e multiprofissional, a fim de minimizar os danos psicológicos aos órfãos do feminicídio, e suas terríveis consequências.

     Mesmo adotando uma das melhores legislações do mundo na proteção às mulheres em situação de violência, de acordo com dados do Alto Comissariado das Nações Unidades para os Direitos Humanos (ACHUDH), o Brasil permanece na 5ª posição no ranking de países com maior número de mortes violentas contra mulheres por questões de gênero.

     De acordo com Secretaria Estadual de Direitos Humanos, somente no primeiro semestre do ano de 2020 foram registrados 24.646 casos de violência contra a mulher sul-mato-grossense, o que corresponde a um registro a cada 12 minutos, cinco por hora e 115 por dia.

     Infelizmente, os índices de violência contra a mulher são exacerbadamente elevados em nosso país, inclusive em Pernambuco. Um levantamento realizado pelo Observatório da Segurança em Pernambuco revelou que o Estado é o segundo maior com relação aos números de feminicídios entre os acompanhados. De acordo com o estudo, 90 mulheres foram mortas por questões de gênero entre junho de 2019 e maio de 2020.

     O levantamento também avaliou os números da Bahia, Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo. A Rede de Observatórios da Segurança leva em conta vários tipos de violência, além da cometida contra mulheres.

     Em relação ao número de feminicídios, Pernambuco fica atrás apenas de São Paulo, que registrou 175 casos no período. Rio de Janeiro, com 56 mortes, e Bahia, com 75, apesar de terem populações superiores, ficam atrás de Pernambuco.

     Os canais ‘Disque 100’ e ‘Ligue 180’ registraram 105.671 denúncias de violência contra a mulher em 2020, no Brasil. O número representa um registro a cada cinco minutos. O dado foi divulgado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no dia 7 de março deste ano. Segundo a pasta, 72% dessas denúncias foram de violência doméstica e familiar. Os outros 22% foram registros de violação de direitos civis e políticos, como tráfico de pessoas, cárcere privado e condição análoga à escravidão.

     O ministério informou que a maioria das vítimas são mulheres declaradas como pardas, de 35 a 39 anos, com renda de até 1 salário mínimo. O perfil mais comum dos suspeitos relatados nas denúncias é de homens brancos de 35 a 39 anos. Ao todo, foram feitas denúncias 349.850 contra direitos humanos no ‘Disque 100’ e no ‘Ligue 180’ em 2020. Cerca de 1/3 foram de violência contra mulheres. Foram realizados 3,5 milhões de atendimentos.

     Em pesquisa sobre a temática, o professor José Raimundo Carvalho, da Universidade Federal do Ceará (UFC), coordenador da Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (PCSVDFMulher), desenvolvida em parceria com o Instituto Maria da Penha, revela que cada mulher que morre deixa aproximadamente três órfãos e que a maioria desses órfãos fica com a família do assassino.

     São dados alarmantes que exigem de todos os Poderes medidas eficazes!

     Diariamente os noticiários veiculados no Estado estão repletos de casos de feminicídio cometidos na presença dos filhos das vítimas crianças e adolescentes, que acabam se tornando vítimas colaterais da violência de gênero.

     Quais os traumas emocionais que essas crianças e adolescentes carregarão por toda a vida? Essas crianças e adolescentes vivenciaram um trauma brutal, ocorrido de forma cruel. Essa tem sido uma discussão constante entre os órgãos especializados de atendimento à mulher em situação de violência, na construção de políticas e protocolos de atendimento às crianças e adolescentes filhos e filhas de vítimas de feminicídios.

     A violência doméstica não afeta apenas as mulheres e se estende aos filhos e às filhas que se encontram em desenvolvimento. Sendo assim, nos casos dos feminicídios se faz necessário ir além da punição do agressor como resposta, tirando da invisibilidade as crianças e adolescentes que ficam sem suas mães e que precisam de cuidado imediato e efetivo para que consigam romper com a cultura da violência na busca de uma vida minimamente saudável.

     Proteger e ofertar o acompanhamento psicológico para esses filhos e filhas significa criar mecanismos reais e efetivos para o rompimento do ciclo de violência e a política pública tem papel fundamental na criação de estratégias e desenvolvimento desse fluxo de atendimento.

     Assim sendo, reunir orientações e iniciativas para que as crianças e adolescentes filhos das vítimas de feminicídio tenham atenção especial, se faz fundamental para a garantia do pleno direito de viver uma vida livre de Violência.

     A legislação e as políticas públicas vigentes têm a preocupação de proteger a vítima durante o período de violência. No entanto, quando o feminicídio é consumado, os filhos e familiares que vivenciam a violência doméstica e o assassinato da mãe sofrem um abandono por essa rede de proteção.

     Nesse sentido, apresentamos esse Projeto de Lei, que busca instituir em Pernambuco a Política Estadual de Proteção e Atenção Integral aos Órfãos e Órfãs do Feminicídio.

     Diante o exposto, estando presente o interesse público que motiva e legitima esse Projeto, solicito o valoroso apoio dos Nobres Parlamentares desta Assembleia Legislativa para sua aprovação.

Histórico

[12/08/2021 13:01:36] ASSINADO
[12/08/2021 13:02:51] ENVIADO P/ SGMD
[16/12/2021 14:20:42] EMITIR PARECER
[18/08/2021 15:41:26] ENVIADO PARA COMUNICA��O
[18/08/2021 18:19:49] RENUMERADO
[18/08/2021 19:28:25] RENUMERADO
[19/08/2021 13:46:42] DESPACHADO
[19/08/2021 13:47:20] EMITIR PARECER
[19/08/2021 14:09:28] EMITIR PARECER
[19/08/2021 17:12:15] ENVIADO PARA PUBLICA��O
[20/08/2021 11:23:50] PUBLICADO
[20/12/2021 18:07:04] AUTOGRAFO_CRIADO
[24/01/2022 16:58:42] AUTOGRAFO_ENVIADO_EXECUTIVO
[27/01/2022 14:08:00] AUTOGRAFO_PROMULGADO
[27/01/2022 14:08:08] AUTOGRAFO_TRANSFORMADO_EM_LEI

Delegada Gleide Angelo
Deputada


Informações Complementares

Status
Situação do Trâmite: AUTOGRAFO_PROMULGADO
Localização: SECRETARIA GERAL DA MESA DIRETORA (SEGMD)

Tramitação
1ª Publicação: 20/08/2021 D.P.L.: 7
1ª Inserção na O.D.:




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