
Parecer 6669/2021
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 744/2019
AUTORIA: DEPUTADA DELEGADA GLEIDE ÂNGELO
PROPOSIÇÃO QUE MODIFICA A LEI Nº 15.878, DE 2016. NORMAS PARA OS EMBARQUES E DESEMBARQUES DE PASSAGEIROS DO SISTEMA DE TRANSPORTE PÚBLICO DE PASSAGEIROS DA REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE - STPP/RMR E DO SISTEMA DE TRANSPORTE PÚBLICO INTERMUNICIPAL DO ESTADO DE PERNAMBUCO AMPLIAR O ALCANCE PROTETIVO DA LEI. INICIATIVA NOS TERMOS DO ART. 19, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO E DO ART. 194, INCISO I, DO REGIMENTO INTERNO DESTA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. COMPETENCIA CONCORRENTE. PROTEÇÃO E INTEGRAÇÃO SOCIAL DAS PESSOAS COM DEFIFIÊNCIA. ART. 24, XIV. COMPETÊNCIA REMANESCENTE DOS ESTADOS. ART. 25, §1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.TRANSPORTE INTERMUNICIPAL. DISCRIMINAÇÃO POSITIVA. AUSÊNCIA DE VÍCIOS. PELA APROVAÇÃO, NOS TERMOS DA EMENDA MODIFICATIVA APRESENTADA.
1. RELATÓRIO
É submetido à apreciação desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça o Projeto de Lei Ordinária (PLO) nº 744/2019, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo, que busca modificar a Lei nº 15.878, de 11 de agosto de 2016, que estabelece normas para os embarques e desembarques de passageiros do Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife - STPP/RMR e do Sistema de Transporte Público Intermunicipal do Estado de Pernambuco, a fim de ampliar o seu alcance às pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.
A autora da proposição, nos termos da justificativa, destaca que o projeto visa ampliar os efeitos da Lei nº 15.878, de 2016, garantido às pessoas com deficiência que são usuários do serviço de transporte público coletivo de Pernambuco maior dignidade e igualdade em condições em relação ao restante da população.
O Projeto de Lei em análise tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário, conforme o art. 223, inciso III, de seu Regimento Interno.
É o relatório.
2. PARECER DO RELATOR
De início, cabe à Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, nos termos do art. 94, I, do Regimento Interno desta Casa, manifestar-se sobre a constitucionalidade, legalidade e juridicidade das matérias submetidas à sua apreciação.
Sob o prisma da competência para a iniciativa legislativa, a proposição encontra supedâneo no art. 19, caput, da Constituição do Estado, e no art. 194, inciso I, do Regimento Interno desta Casa, e, uma vez que não consta no rol de matérias afetas à iniciativa privativa do Governador, não havendo vício de iniciativa
Por outro lado, a matéria de que trata o PLO ora analisado encontra-se inserta na esfera de competência legislativa remanescente dos Estados membros, com fulcro no art. 25, §1º, da Constituição Federal, para dispor sobre transporte intermunicipal, bem como na competência concorrente para dispor sobre proteção e integração social das pessoas com deficiência, nos termos do art. 24, XIV, CF/88.
Com efeito, enquanto a União detém a competência privativa para legislar sobre diretrizes da política nacional de transportes, trânsito e transporte (art. 22, incisos IX e XI, da CF), e transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, regulação que se destina ao nível nacional, a Lei Maior atribuiu aos Municípios, em seu art. 30, inciso V, a competência para organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial.
Nessa toada, infere-se que, na ausência de disposição constitucional específica sobre transporte intermunicipal – aqui compreendido o metropolitano –, aludida matéria enquadrar-se-ia no art. 25, §1º, da CF, como competência remanescente dos Estados. Segundo leciona José Afonso da Silva:
“Quanto à forma (ou o processo de sua distribuição), a competência será: (a) enumerada, ou expressa, quando estabelecida de modo explícito, direto, pela Constituição para determinada entidade (arts. 21 e 22, p. ex.); (b) reservada ou remanescente e residual, a que compreende toda matéria não expressamente incluída numa enumeração, reputando-se sinônimas as expressões reservada e remanescente com o significado de competência que sobra a uma entidade após a enumeração da competência da outra (art.25, §1º: cabem aos Estados as competências não vedadas pela Constituição), enquanto a competência residual consiste no eventual resíduo que reste após enumerar a competência de todas as unidades, como na matéria tributária, em que a competência residual – a que eventualmente possa surgir apesar da enumeração exaustiva – cabe à União (art. 154, I).” (in Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed. Malheiros, 38ª ed., 2015, p.484).
Registre-se que em análise de caso análago, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade de lei estadual no mesmo sentido, afastando, ainda, eventuais argumentos pela inconstitucionalidade em face da iniciativa parlamentar ou de eventual ameaça ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, senão vejamos:
Vistos. O SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS DO ESTADO DE SÃO PAULO – SEPTESP interpõe recurso extraordinário, com fundamento nas alíneas “a”, “c” e “d”, do permissivo constitucional, contra acórdão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça paulista, assim do: “Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei nº 2.520 de 29 de dezembro de 1989 que disciplina o transporte gratuito de idosos, aposentados e pensionistas, e Lei nº 4.199 de 12 de agosto de 2005 que dispensa a parada de ônibus urbanos nos pontos normais de parada de embarque e desembarque de passageiros para portadores de deficiência física, ambas do Município de Mogi Guaçu – Não existência de reserva do Poder Executivo para sua iniciativa – Constitucionalidade reconhecida – Ação improcedente”(fl. 174). Opostos embargos de declaração (fls. 119 a 195), foram rejeitados (fls. 203 a 207). Alega o recorrente violação dos artigos 2º, 5º, inciso XXXVI, 29 e 37, inciso XXI, da Constituição Federal, consubstanciada pelo ausência do reconhecimento das apontadas inconstitucionalidades de leis municipais, que padeceriam de vício de iniciativa e imporiam desequilíbrio econômico-financeiro nos contratos celebrados com as empresas concessionárias do serviço público em tela. Depois de apresentadas contrarrazões (fls. 285 a 297), o recurso extraordinário (fls. 251 a 279) foi admitido, na origem (fls. 335 a 337), subindo os autos a esta Suprema Corte. O recurso especial paralelamente interposto já foi definitivamente rejeitado pelo Superior Tribunal de Justiça (fls. 342 a 381). O parecer da douta Procuradoria-Geral da República é pelo provimento do recurso (fls. 387 a 389). Decido. Anote-se, inicialmente, que o acórdão dos embargos de declaração foi publicado em 1/2/07, conforme expresso na certidão de folha 209, não sendo exigível a demonstração da existência de repercussão geral das questões constitucionais trazidas no recurso extraordinário, conforme decidido na Questão de Ordem no Agravo de Instrumento nº 664.567/RS, Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6/9/07. A irresignação, contudo, não merece prosperar. O Tribunal de origem assentou não serem inconstitucionais as Leis nºs 2.520/89 e 4.199/05, do Município de Mogi Guaçu, sob o fundamento de que ao referido município seria possível editar legislação sobre esse tema, sendo certo ainda, que eventual diploma nesse sentido editado poderia decorrer de iniciativa parlamentar. Com efeito, tal entendimento está em sintonia com a jurisprudência desta Corte no sentido de que os municípios podem legislar sobre assuntos de interesse local, destacando-se que o transporte coletivo de passageiros no âmbito de seus respectivos territórios inegavelmente se insere dentro dessa qualificação. Nesse sentido, citem-se os seguintes trechos de precedentes do Plenário desta Suprema Corte, assim dispondo: “(...) 1. A Constituição do Brasil estabelece, no que tange à repartição de competência entre os entes federados, que os assuntos de interesse local competem aos Municípios. Competência residual dos Estados-membros --- matérias que não lhes foram vedadas pela Constituição, nem estiverem contidas entre as competências da União ou dos Municípios. 2. A competência para organizar serviços públicos de interesse local é municipal, entre os quais o de transporte coletivo [artigo 30, inciso V, da CB/88](...)” (ADI nº 845/AP, Relator o Ministro Eros Grau, DJe de 7/3/08). “(...) A Carta de 1988 estabelece as esferas de competência dos entes federados para a definição das linhas de transporte coletivo de passageiros, cabendo aos Estados as intermunicipais e aos Municípios as intramunicipais, nada impedindo, obviamente, que o serviço de transporte intermunicipal se exerça no território municipal, utilizando-se, mesmo, de logradouros que também servem de itinerário para o transporte local (...)“ (RE nº 107.337-EDv/RJ, Relator para o acórdão o Ministro Ilmar Galvão, DJ de 8/6/01). E tampouco há que se falar em vício de iniciativa quanto à origem dessas leis, pois nenhuma delas interfere na administração pública municipal, pois se limitam, respectivamente, a disciplinar a concessão de identificação aos portadores de gratuidade legal para uso de meio de transporte público e a permitir que coletivos parem em locais diversos dos demarcados, para desembarque de passageiros portadores de deficiência. Ora, tais diplomas legais em nada interferem com a administração pública, concernente ao transporte coletivo de passageiros, no âmbito do município de Mogi Guaçu, pois não impõem obrigações ao Chefe do Poder Executivo Municipal sobre o tema,tampouco disciplinam, de forma diversa à anteriormente existente, a forma de prestação desse serviço público, naquela cidade. Tampouco se pode afirmar que essas leis representam alguma ameaça ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato celebrado com as concessionárias do serviço público em tela, pois, conforme bem destacado pelo acórdão atacado, a Lei local nº 2.590/89 encontrava-se em vigor há mais de 15 anos, quando do ajuizamento da presente ação, sem que se tivesse notícia da existência de problemas desse tipo, com relação a seu cumprimento. Correta, pois, a decisão regional, a não merecer reparos. Ante o exposto, nego provimento ao recurso extraordinário. Publique-se. Brasília, 29 de novembro de 2011.Ministro DIAS TOFFOLI Relator. (STF - RE: 573040 SP, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 29/11/2011, Data de Publicação: DJe-231 DIVULG 05/12/2011 PUBLIC 06/12/2011)
Ademais, a matéria se insere na competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre sobre a proteção e integração social das pessoas deficientes, nos termos do art. 24, XIV, da Lei Maior; in verbis:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
[...];
XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;
[...].
Igualmente, a metéria, também, está inserida na competência material comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, conforme diposto no art. 23, II, da Constituição Federal:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
[...];
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;
[...].
A Proposição em análise também ressalta os princípios constitucionais da “dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III), da “promoção do bem de todos” (art. 3º, IV) e do “direito à vida, à liberdade, à saúde e à segurança” (art. 5º, caput, CF/88).
Frise-se, ainda, que o projeto trata, notoriamente, de um caso de discriminação positiva. A discriminação positiva é instituto jurídico que busca, através da adequada tipificação (imposição legal, como no caso em apreço), trazer equilíbrio social por meio do tratamento diferenciado de determinado segmento da sociedade, reputado vulnerável e desprestigiado por razões históricas e/ou sociológicas.
Nesse cenário, por ser uma medida de fortalecimento ao respeito da dignidade das pessoas com deficiência, e ao mesmo tempo não implicar em interferência nos contratos de concessões ou no equilíbrio econômico financeiro desses contratos, entende-se ser constitucional e legal franquear às pessoas com deficiência o direito de desembarcarem no locais mais acessíveis e seguros.
Todavia, sugere-se uma alteração no art. 1º, a fim de condicionar a suspensão da seletividade das paradas à identificação pela Carteira emitida pela Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude – SDSCJ, bem como para restringir a suspensão aos veículos do Sistema de Transporte Público Intermunicipal do Estado de Pernambuco do tipo urbano. Desta forma, tem-se a seguinte emenda:
EMENDA MODIFICATIVA Nº /2021 AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA nº 744/2019
Altera o art. 1º do Projeto de Lei Ordinária Nº 744/2019
Artigo Único. O art. 1º do Projeto de Lei Ordinária Nº 744/2019 passa a ter a seguinte redação:
“Art. 1º Acrescenta dispositivo à Lei nº 15.878, de 11 de agosto de 2016, com o seguinte teor:
“Art. 2º-A Às pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, e seus respectivos acompanhantes, fica assegurado o direito de optarem pelo embarque ou desembarque dos veículos do Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife - STPP/RMR e o Sistema de Transporte Público Intermunicipal do Estado de Pernambuco, do tipo urbano, em local mais seguro e acessível no trajeto regular da linha de transporte, mesmo que fora dos pontos de parada pré-estabelecidos, em qualquer horário ou dia da semana, respeitadas as normas de trânsito vigentes. (AC)
§ 1º Na impossibilidade de parada na área escolhida pelo usuário, fica estabelecido o local autorizado pelas normas de trânsito mais próximo do indicado por ele. (AC)
§ 2º A aplicação do presente artigo pode ser ressalvada em casos explicitados em normativa do órgão gerenciador do Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife - STPP/RMR, fundamentada em razões de segurança pública ou fluidez e bom funcionamento do tráfego. (AC)
§ 3º Para os efeitos do disposto neste artigo, considera-se: (AC)
a) pessoa com deficiência: aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, nos termos da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015; (AC)
b) pessoa com mobilidade reduzida: aquela que tenha, por qualquer motivo, dificuldade de movimentação, permanente ou temporária, gerando redução efetiva da mobilidade, da flexibilidade, da coordenação motora ou da percepção, incluindo idoso, gestante, lactante, pessoa com criança de colo e obeso, nos termos da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015; e (AC)
c) acompanhante: aquele que acompanha a pessoa com deficiência, podendo ou não desempenhar as funções de atendente pessoal, nos termos da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. (AC)
§ 4º O direito assegurado neste artigo fica condicionado a apresentação dos seguintes documentos: (AC)
I - para pessoas com deficiência: Carteira emitida pela Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude – SDSCJ, ou outro órgão similar legalmente responsável pela sua confecção; e (AC)
II - pessoas com mobilidade reduzida: documento com valor legal que comprove a condição disposta na alínea “b” do § 2º deste artigo, nos termos da legislação em vigor.” (AC)
Tecidas as considerações pertinentes, o parecer do Relator é pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 744/2019, de iniciativa da Deputada Delegada Gleide Ângelo, com a emenda proposta.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Em face das considerações expendidas pelo relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 744/2019, de iniciativa da Deputada Delegada Gleide Ângelo, com a emenda proposta.
Histórico