
Parecer 6421/2021
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1937/2021
AUTORIA: DEPUTADO FABRIZIO FERRAZ
PROPOSIÇÃO QUE DISPÕE SOBRE O BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DE ACESSO PARA PESSOAS TRANSPLANTADAS E/OU QUE DOARAM ÓRGÃOS OU TECIDOS, EM ESPETÁCULOS ARTÍSTICOS-CULTURAIS E ESPORTIVOS NO ÂMBITO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. MATÉRIA INSERTA NAS ESFERAS DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE DA UNIÃO, ESTADOS E DISTRITO FEDERAL – ART. 24, IX (EDUCAÇÃO, ENSINO, CULTURA E DESPORTO), DA CF/88 – E DE COMPETÊNCIA MATERIAL COMUM DA UNIÃO, ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS – ART. 23, V (PROPORCIONAR OS MEIOS DE ACESSO À CULTURA, À EDUCAÇÃO E À CIÊNCIA), DA CF/88. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO QUE SE JUSTIFICA PELA BUSCA DA JUSTIÇA SOCIAL, FUNDAMENTO DA ORDEM ECONÔMICA NA ATUAL ORDEM CONSTITUCIONAL. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRECEDENTES DESTA COMISSÃO. ALTERAÇÃO DA LEI ESTADUAL Nº 16.724, DE 9 DE DEZEMBRO DE 2019. PELA APROVAÇÃO, NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO DESTE COLEGIADO.
1. RELATÓRIO
Submete-se a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 1937/2021, de autoria do Deputado Fabrizio Ferraz, que dispõe sobre o benefício da gratuidade de acesso para pessoas transplantadas e/ou que doaram órgãos ou tecidos, em espetáculos artísticos-culturais e esportivos no âmbito do Estado de Pernambuco, e dá outras providências.
O Projeto de Lei tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (art. 223, inciso III, Regimento Interno).
É o relatório.
2. PARECER DO RELATOR
Cabe à Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, nos termos do art. 94, I, do Regimento Interno desta Casa, manifestar-se sobre a constitucionalidade, legalidade e juridicidade das matérias submetidas à sua apreciação.
Avançando na análise da qualificação da proposição – isto é, seu enquadramento nas regras constitucionalmente estabelecidas de competência – faz-se necessário avaliar a natureza da medida ora proposta, para fins de atendimento ao critério da competência legislativa.
Quanto à constitucionalidade formal orgânica, o Projeto de Lei encontra-se inserto na competência administrativa comum (art. 23, II, CF/88) e legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal (art. 24, XII, CF/88), in verbis:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
Por outro lado, segundo dispõe o art. 170 da Constituição Federal “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.”
Isso significa dizer que o constituinte prestigiou uma economia de mercado, de cunho eminentemente capitalista. Entretanto, mesmo capitalista, a ordem econômica deve priorizar a justiça social como valor constitucional. Sobre o tema:
“Em face da atual Constituição, para conciliar o fundamento da livre iniciativa e do princípio da livre concorrência com os da defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça social, pode o Estado, por via legislativa, regular a política de preços de bens e serviços, abusivo que é o poder econômico que visa o aumento arbitrário dos lucros.” (STF, Tribunal Pleno, ADIQO nº 319/DF, rel. Min. Moreira Alves, pub. no DJ de 30.04.1993, p. 7.563)
Em outra decisão, em que se discutia a constitucionalidade de lei assecuratória do pagamento de meia-entrada do valor efetivamente cobrado para o ingresso em casas de diversões, praças desportivas e similares aos jovens de até vinte e um anos de idade, o Pretório Excelso considerou ausente a plausibilidade jurídica da tese de inconstitucionalidade por ofensa aos arts. 170, 173, § 4º e 174, da Carta Magna, em que se sustentava a indevida intervenção do Estado no domínio econômico. Eis como noticiou o Informativo nº 195 do STF:
“Indeferida medida liminar em ação direta ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio - CNC contra o art. 1º da Lei 3.364/2000, do Estado do Rio de Janeiro, que assegura o pagamento de 50% do valor efetivamente cobrado para o ingresso em casas de diversões, praças desportivas e similares aos jovens de até 21 anos de idade. À primeira vista, o Tribunal considerou ausente a plausibilidade jurídica da tese de inconstitucionalidade por ofensa aos arts. 170, 173, § 4º e 174, da CF, em que se sustentava a indevida intervenção do Estado no domínio econômico. Precedentes citados: ADInMC 107-AM - DJU de 17.11.89 e ADInMC 2-DF - DJU de 25.11.88. (ADInMC 2.163/RJ, rel. Min. Nelson Jobim, julg. em 29.06.2000)”
No mesmo sentido, ainda:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 7.737/2004, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. GARANTIA DE MEIA ENTRADA AOS DOADORES REGULARES DE SANGUE. ACESSO A LOCAIS PÚBLICOS DE CULTURA ESPORTE E LAZER. COMPETÊNCIA CONCORRENTE ENTRE A UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS E O DISTRITO FEDERAL PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO ECONÔMICO. CONTROLE DAS DOAÇÕES DE SANGUE E COMPROVANTE DA REGULARIDADE. SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE. CONSTITUCIONALIDADE. LIVRE INICIATIVA E ORDEM ECONÔMICA. MERCADO. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA. ARTIGOS 1º, 3º, 170 E 199, § 4º DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. Muito ao contrário. 2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170. 3. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da "iniciativa do Estado"; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa. 4. A Constituição do Brasil em seu artigo 199, § 4º, veda todo tipo de comercialização de sangue, entretanto estabelece que a lei infraconstitucional disporá sobre as condições e requisitos que facilitem a coleta de sangue. 5. O ato normativo estadual não determina recompensa financeira à doação ou estimula a comercialização de sangue. 6. Na composição entre o princípio da livre iniciativa e o direito à vida há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. 7. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.” (STF, Tribunal Pleno, ADI nº 3512/ES, rel. Min. EROS GRAU, pub. no DJ de 23.06.2006, p. 03, na RTJ, vol. 199-01, p. 209 e na LEXSTF, vol. 28, nº 332, 2006, p. 69-82)
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 7.844/92, DO ESTADO DE SÃO PAULO. MEIA ENTRADA ASSEGURADA AOS ESTUDANTES REGULARMENTE MATRICULADOS EM ESTABELECIMENTOS DE ENSINO. INGRESSO EM CASAS DE DIVERSÃO, ESPORTE, CULTURA E LAZER. COMPETÊNCIA CONCORRENTE ENTRE A UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS E O DISTRITO FEDERAL PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO ECONÔMICO. CONSTITUCIONALIDADE. LIVRE INICIATIVA E ORDEM ECONÔMICA. MERCADO. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA. ARTIGOS 1º, 3º, 170, 205, 208, 215 e 217, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. 2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170. 3. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da "iniciativa do Estado"; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa. 4. Se de um lado a Constituição assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto [artigos 23, inciso V, 205, 208, 215 e 217 § 3º, da Constituição]. Na composição entre esses princípios e regras há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. 5. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, são meios de complementar a formação dos estudantes. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.” (STF, Tribunal Pleno, ADI nº 1950/SP, rel. Min. EROS GRAU, pub. no DJ de 02.06.2006, p. 04 e na LEXSTF, vol. 28, nº 331, 2006, p. 56-72 e na RT, vol. 95, nº 852, 2006, p. 146-153)
Ressalte-se, ainda, que a Carta Magna alçou o lazer à qualidade de direito social (art. 6º, caput) e determinou que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” (art. 215, caput).
Dessa forma, a proposição legislativa em análise encontra apoio no Texto Constitucional e se manifesta como justa intervenção do Estado no domínio econômico, possibilitando o pagamento de meia-entrada para doadores de órgãos ou tecidos em espetáculos artístico-culturais e esportivos realizados no âmbito do Estado de Pernambuco, ou seja, realizando, nesse particular, o desejo do constituinte de incessante busca da justiça social.
Ademais, ressalte-se o entendimento proferido no relatório do Ministro Eros Grau, quando do julgamento da ADI 3.512-6/ES, no qual ele destaca que apesar de o art. 199, § 4º da Constituição Federal vedar todo tipo de comercialização de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, admite o estímulo à doação, como propõe o projeto em análise. Salienta, ainda, o Ministro que tal atividade é caracterizada como uma intervenção estatal por indução.
Nesta senda, o Ministro conceitua a intervenção por indução como aquela através da qual o Estado manipula os instrumentos de intervenção em consonância e na conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados, como normas dispositivas, mas a fim de, na dicção de Modesto Carvalhosa, (Considerações sobre Direito Econômico, tese, São Paulo, 1.971, pág. 122) “leva-lo a uma opção econômica de interesse coletivo e social que transcende os limites do querer individual”. Destarte, não há sanção pela não aceitação, mas há mero convite, incitação para que que se participe da atividade de interesse geral. Portanto, o destinatário tem a alternativa de não se deixar por ela seduzir ou aderir e usufruir dos benefícios dela advindos.
Conforme autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.512-6/ES, a Procuradoria-Geral da República se posicionou da mesma forma que o relator, reconhecendo a medida como incentivo à doação e não permissão para comercialização, a qual afrontaria flagrantemente a Constituição Federal de 1988.
Esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça deste Poder Legislativo, por sua vez, no âmbito do Parecer nº 910/2019, manifestou-se favoravelmente à concessão de medida análoga (meia-entrada para os doadores de sangue e/ou medula óssea), resultante na Lei Estadual nº 16.724, de 9 de dezembro de 2019.
Ressalte-se, por fim que, consoante art. 3º da Lei nº 16.724, de 9 de dezembro de 2019, a concessão do benefício de que trata a Lei deve observar o limite de 40% (quarenta por cento) do total dos ingressos disponíveis para cada evento estabelecido no § 10 do art. 1º da Lei Federal nº 12.933, de 2013, não podendo, ainda, haver restrições de horário ou data aos beneficiários.
Dessa forma, em primazia à técnica legislativa (Lei Complementar Estadual nº 171/2011), configura-se adequado a tratativa da matéria por meio da alteração da supracitada Lei nº 16.724, de 9 de dezembro de 2019, motivo pelo qual se apresenta o seguinte Substitutivo:
SUBSTITUTIVO N° /2021
AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1937/2021
Altera integralmente a redação do Projeto de Lei Ordinária nº 1937/2021.
Artigo único. O Projeto de Lei Ordinária nº 1937/2021 passa a ter a seguinte redação:
“Altera a Lei nº 16.724, de 9 de dezembro de 2019, que dispõe sobre o benefício do pagamento de meia entrada para doadores regulares de sangue ou de medula óssea em espetáculos artístico-culturais e esportivos realizados no âmbito do Estado de Pernambuco, originada de projeto de lei de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo, a fim de estender o benefício às pessoas transplantadas e aos doadores de órgãos ou tecidos.
Art. 1º A Ementa da Lei nº 16.724, de 9 de dezembro de 2019, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Dispõe sobre o benefício do pagamento de meia entrada para pessoas transplantadas e para doadores de órgãos ou tecidos, inclusive doadores regulares de sangue ou de medula óssea, em espetáculos artístico-culturais e esportivos realizados no âmbito do Estado de Pernambuco, e dá outras providências.” (NR)
Art. 2º A Lei nº 16.724, de 9 de dezembro de 2019, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 1º Fica assegurado às pessoas transplantadas e aos doadores de órgãos ou tecidos, inclusive aos doadores regulares de sangue ou de medula óssea, o acesso às salas de cinema, cineclubes, teatros, espetáculos musicais e circenses e eventos educativos, esportivos, de lazer e de entretenimento, em todo o território do Estado de Pernambuco, promovidos por quaisquer entidades e realizados em estabelecimentos públicos ou privados, mediante pagamento da metade do preço do ingresso efetivamente cobrado ao público em geral. (NR)
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Art. 2º O benefício de que trata esta Lei, relativamente aos doadores regulares de sangue e/ou medula óssea, somente será concedido àqueles doadores considerados aptos por entidade reconhecida pelo Governo do Estado de Pernambuco, respeitadas as portarias e resoluções do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), mediante a apresentação dos seguintes documentos: (NR)
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Art. 2º-A O benefício de que trata esta Lei, relativamente às pessoas transplantadas e aos doadores de órgãos ou tecidos, somente será concedido àqueles que tenham sua condição comprovada mediante apresentação de documento oficial emitido pelo órgão governamental competente. (AC)
.....................................................................................................................”
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Feitas essas considerações, o parecer do Relator é pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 1937/2020, de autoria do Deputado Fabrizio Ferraz, nos termos do Substitutivo apresentado.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Diante do exposto, tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, o parecer desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, é pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 1937/2021, de autoria do Deputado Fabrizio Ferraz, nos termos do Substitutivo deste Colegiado.
Sala de Reuniões da Comissão, em
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