
Parecer 1179/2019
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 217/2019
AUTORIA: DEPUTADO WILLIAM BRÍGIDO
PROPOSIÇÃO QUE ALTERA A LEI Nº 15.210, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2013, QUE DISPÕE SOBRE ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DE SAÚDE – OSS, NO ÂMBITO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, OBJETIVANDO MAIOR TRANSPARÊNCIA NA GESTÃO DA SAÚDE. MATÉRIA ABRANGIDA PELO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DA ADMINISTRAÇÃO, CONSUBSTANCIADO NA ATRIBUIÇÃO CONSTITUCIONAL CONFERIDA AO CHEFE DO PODER EXECUTIVO DE EXERCER A DIREÇÃO SUPERIOR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ART. 84, INCISO II, DA CF/88). INICIATIVA PRIVATIVA DO GOVERNADOR DO ESTADO, EM FACE DA CRIAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PARA ÓRGÃOS DO PODER EXECUTIVO (ART. 19, § 1º, INCISO VI, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL). PELA REJEIÇÃO.
1. RELATÓRIO
Vem a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 217/2019, de autoria do Deputado William Brígido, que altera a Lei nº 15.210, de 19 de dezembro de 2013, que dispõe sobre as Organizações Sociais de Saúde - OSS, no âmbito do Estado de Pernambuco, objetivando maior transparência na gestão de saúde.
Em síntese, a proposição promove as seguintes modificações no texto da Lei nº 15.210/2013: 1) a exclusão do prazo máximo de 10 (dez) anos para a vigência do contrato de gestão (art. 10, inciso X); 2) a especificação das situações que se enquadram como variação efetiva dos custos de produção e dos insumos (art. 10, inciso XII); 3) a exigência de publicação do extrato do instrumento contratual na imprensa oficial (art. 10, § 2º); 4) a necessidade de implementação de processo de acreditação hospitalar, com custos divididos entre contratante e contratada, por meio de plano de investimento bilateral (art. 13, § 3º); 5) a menção à atribuição da Comissão Técnica de Acompanhamento Interno de proceder a averiguação do plano de metas e sua revisão a cada repactuação (art. 15, parágrafo único); 6) a obrigatoriedade de instituição de reserva para compensação no mesmo ano orçamentário na hipótese de não atingimento das metas ou, sendo inviável a compensação, a restituição mediante processo administrativo quando a contratada não atingir as metas por três meses consecutivos (art. 15-A, §§ 2º e 3º); 7) a exigência de envio ao Tribunal de Contas do parecer conclusivo emitido pela Comissão Mista de Avaliação (art. 16, § 1º); 8) a alteração na composição dos membros da Comissão Mista de Avaliação (art. 16, § 3º); 9) a inclusão de hipótese de rescisão do contrato de gestão, por requerimento da contratante, quando constatada a produção deficitária da contratada após o terceiro mês; 10) a redução do prazo para apresentação da prestação de contas pela contratada após a rescisão, bem como do prazo para apreciação pela contratante (art. 20-A, § 1º); e 11) a possibilidade de manter a cessão de servidores à OSS após rescisão do contrato de gestão (art. 20-A, § 3º).
O Projeto de Lei tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (art. 223, inciso III, Regimento Interno).
É o relatório.
2. PARECER DO RELATOR
A proposição vem arrimada no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 194, inciso I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa.
Apesar de louvável iniciativa em prol da transparência na gestão das Organizações Sociais de Saúde do Estado de Pernambuco, o Projeto de Lei nº 217/2019 apresenta vício de inconstitucionalidade por violação ao princípio da Reserva da Administração e à iniciativa privativa do Poder Executivo.
Com efeito, a Reserva da Administração constitui uma construção doutrinária e jurisprudencial que busca preservar a independência dos Poderes ao rejeitar a ingerência do Poder Legislativo em matérias sujeitas à competência administrativa dos demais Poderes.
No Supremo Tribunal Federal, aplicação do princípio encontra guarida em diversos precedentes. Nesse sentido:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO RECURSO DE AGRAVO - DECISÃO QUE SE AJUSTA À JURISPRUDÊNCIA PREVALECENTE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - CONSEQÜENTE INVIABILIDADE DO RECURSO QUE A IMPUGNA - SUBSISTÊNCIA DOS FUNDAMENTOS QUE DÃO SUPORTE À DECISÃO RECORRIDA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação “ultra vires” do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais.
(RE 427574 ED, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 13/12/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-030 DIVULG 10-02-2012 PUBLIC 13-02-2012 RT v. 101, n. 922, 2012, p. 736-741)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 3.449/04 DO DISTRITO FEDERAL. PROIBIÇÃO DE COBRANÇA DE ASSINATURA BÁSICA NOS SERVIÇOS DE ÁGUA, LUZ, GÁS, TV A CABO E TELEFONIA. INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR E PRESTAR OS SERVIÇOS PÚBLICOS DE TELECOMUNICAÇÕES E ENERGIA ELÉTRICA (CF, ART. 21, XI E XII, ‘b’, E 22, IV). FIXAÇÃO DA POLÍTICA TARIFÁRIA COMO PRERROGATIVA INERENTE À TITULARIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO (CF, ART. 175, PARÁGRAFO ÚNICO, III). AFASTAMENTO DA COMPETÊNCIA CONCORRENTE DO ESTADO-MEMBRO PARA LEGISLAR SOBRE CONSUMO (CF, ART. 24, V E VII). USUÁRIO DE SERVIÇOS PÚBLICOS CUJO REGIME GUARDA DISTINÇÃO COM A FIGURA DO CONSUMIDOR (CF, ART. 175, PARÁGRAFO ÚNICO, II). PRECEDENTES. SERVIÇOS DE FORNECIMENTO DE ÁGUA E GÁS. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO (CF, ART. 2º). PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
[...]
4. Ofende a denominada reserva de administração, decorrência do conteúdo nuclear do princípio da Separação de Poderes (CF, art. 2º), a proibição de cobrança de tarifa de assinatura básica no que concerne aos serviços de água e gás, em grande medida submetidos também à incidência de leis federais (CF, art. 22, IV), mormente quando constante de ato normativo emanado do Poder Legislativo fruto de iniciativa parlamentar, porquanto supressora da margem de apreciação do Chefe do Poder Executivo Distrital na condução da Administração Pública, no que se inclui a formulação da política pública remuneratória do serviço público. 5. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente.
(ADI 3343, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 01/09/2011, DJe-221 DIVULG 21-11-2011 PUBLIC 22-11-2011 EMENT VOL-02630-01 PP-00001)
Logo, na linha do entendimento exposto, o Projeto de Lei ora analisado interfere, de forma indevida, na seara administrativa do Poder Executivo, em especial na atribuição do Governador do Estado de exercer a direção superior da administração estadual, nos termos do art. 37, inciso II, da Constituição Estadual.
Cumpre destacar que a proposição modifica diversas atribuições de órgãos públicos que realizam o acompanhamento e fiscalização do cumprimento das metas pactuadas com as Organizações Sociais de Saúde.
Tal circunstância caracteriza afronta à inciativa privativa do Chefe do Poder Executivo para deflagrar o processo legislativo, a teor do art. 19, § 1º, inciso VI, da Constituição Estadual:
Art. 19. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador, ao Tribunal de Justiça, ao Tribunal de Contas, ao Procurador-Geral da Justiça e aos cidadãos, nos casos e formas previstos nesta Constituição.
§ 1º É da competência privativa do Governador a iniciativa das leis que disponham sobre:
[...]
VI - criação, estruturação e atribuições das Secretarias de Estado, de órgãos e de entidades da administração pública;
Vale ressaltar que esta Comissão já emitiu parecer em que foi afirmada a prerrogativa do Governador do Estado para apresentar projetos de lei que versam sobre a matéria. Nesse sentido: Parecer nº 4831/2017 ao Projeto de Lei Ordinária nº 1582/2017, que deu origem à Lei nº 16.155, de 19 de dezembro de 2013.
Diante do exposto, opino pela rejeição, por vício de inconstitucionalidade, do Projeto de Lei Ordinária nº 217/2019, de autoria do Deputado William Brígido.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela rejeição, por vício de inconstitucionalidade, do Projeto de Lei Ordinária nº 217/2019, de autoria do Deputado William Brígido.
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