PROJETO DE LEI ORDINÁRIA 2290/2024
Adota medidas de proteção à saúde da população pernambucana frente aos sites ou aplicativos de apostas.
Texto Completo
Art. 1º Ficam vedadas ações de comunicação mercadológica, de maneira física ou virtual, para divulgação de sites ou aplicativos de apostas por pessoas físicas ou jurídicas no território pernambucano.
§ 1º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:
I - comunicação mercadológica: toda e qualquer atividade de comunicação comercial, inclusive publicidade, para a divulgação de produtos, serviços, marcas e empresas independentemente do suporte, da mídia ou do meio utilizado.
II - aposta: o ato por meio do qual se coloca determinado valor em risco na expectativa de obtenção de um prêmio.
§ 2º Os contratos em vigor que envolvam comunicação mercadológica nos termos do caput, ao seu término, não poderão ser renovados.
Art. 2º A administração pública direta ou indireta fará constar cláusula obrigatória de não exibição de propaganda de sites ou aplicativos de aposta:
I - ao contratar serviços ou adquirir produtos de qualquer natureza;
II - ao patrocinar eventos ou espetáculos públicos;
III - ao fazer propaganda institucional em programas de rádio, televisão ou redes sociais.
Art. 3º A Secretaria de Saúde promoverá campanhas de conscientização da população pernambucana, de forma seriada e contínua, acerca dos riscos associados ao uso de sites ou aplicativos de apostas.
§ 1º As campanhas serão realizadas por todos os meios disponíveis, impressos ou digitais, e divulgadas obrigatoriamente em todos os equipamentos públicos e sites oficiais;
§ 2º Será elaborada campanha específica direcionada à juventude pernambucana, por meio do sistema de ensino e cultura estadual, com o fim de alertar a população jovem para os riscos à saúde mental e financeira relacionados ao uso de sites e aplicativos de apostas.
Art. 4º Caberá ao Poder Executivo disponibilizar em toda a rede de saúde pública do Estado, assistência terapêutica para os adictos em apostas que queiram parar de apostar.
§ 1º Os profissionais do sistema de saúde serão capacitados por meio de cursos e treinamentos para atuar em casos de adictos em apostas.
§ 2º Os eventos relacionados à adicção em apostas serão de notificação obrigatória no sistema de saúde pernambucano.
§ 3º O Poder Executivo fica autorizado a criar o canal de teleatendimento 24 horas voltado para pessoas em condições de vulnerabilidade em função do vício em apostas.
Art. 5º O Governo do Estado apoiará a criação de grupos de pesquisa para colher dados sobre os impactos das apostas para a saúde mental e financeira dos cidadãos, cujos resultados nortearão a promoção de políticas públicas.
Art. 6º Fica o estado autorizado a criar mecanismos de arrecadação sobre os sites ou aplicativos de apostas, a fim de recolher fundos suplementares para maximizar o alcance das ações previstas nesta Lei, sob as recomendações das normativas federais.
Art. 7º As despesas decorrentes desta Lei correm à conta das dotações consignadas no orçamento do Estado de Pernambuco.
Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Justificativa
O aumento significativo de sites e aplicativos de apostas no Brasil tem levantado sérias preocupações sobre seus impactos sociais, financeiros e na saúde pública. Não há legislação suficiente para lidar com os efeitos prejudiciais, como o vício e o endividamento excessivo. Essa situação afeta especialmente jovens e pessoas de baixa renda, agravando problemas já presentes de vulnerabilidade social e financeira. Assim, é essencial que o Estado de Pernambuco implemente medidas eficazes para minimizar esses impactos e proteger sua população.
Em 2018, o governo de Michel Temer legalizou o mercado de apostas no Brasil, determinando que as “bets” seriam uma nova modalidade de loterias e que, entre 2019 e 2022, o governo federal deveria regulamentar essa atividade. No entanto, tal regulamentação não ocorreu durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Pelo contrário, sem regras claras, estima-se que 2 mil empresas entraram no mercado brasileiro. A regulamentação tão necessária só foi introduzida em dezembro de 2023, já no governo do atual presidente Lula. A partir de então, somente as empresas de apostas autorizadas poderão operar no Brasil, sendo obrigadas a se credenciar junto ao Ministério da Fazenda e a obter a devida outorga.
Uma reportagem da Folha de S. Paulo, publicada em 30 de agosto de 2024, aponta que cerca de 63% dos apostadores relataram perdas financeiras significativas, como a dificuldade de pagar contas básicas ou até comprar alimentos. Além disso, 64% dos apostadores utilizam sua renda principal para apostar, o que frequentemente resulta em sacrifícios financeiros, como deixar de adquirir itens essenciais. Dos apostadores, 54% pertencem à classe C e 44% são jovens, evidenciando a vulnerabilidade desses grupos. Nas famílias de baixa renda, as apostas podem representar até 20% do orçamento familiar, configurando um sério problema de gestão financeira que impacta diretamente a sobrevivência dessas famílias (https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/08/a-publicidade-das-apostas-online-deveria-sofrer-restricoes-mais-severas-sim.shtml ).
O gasto médio mensal entre os apostadores é de R$ 263, o que equivale a 20% do salário mínimo de 2023. Um estudo do Datafolha indica que três em cada dez apostadores afirmam gastar mais de R$ 100 por mês (https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2024/01/apostas-atraem-jovens-e-chegam-a-15-da-populacao-que-diz-gastar-r-263-por-mes-mostra-datafolha.shtml ).
Em setembro de 2024, o Banco Central divulgou um estudo que mostra os gastos dos brasileiros em apostas online nos primeiros oito meses de 2024. Aproximadamente 24 milhões de pessoas fizeram transferências via Pix para jogos de azar. O gasto total foi de 160 bilhões de reais durante o período. Apenas em agosto, o valor das transferências chegou a R$ 20,8 bilhões, superando em mais de dez vezes a arrecadação das loterias oficiais.
No ICL Notícias, Eduardo Moreira apresentou dados preocupantes em relação ao mercado de apostas brasileiro. Desde 2018, o número de acessos a sites dos chamados ‘bets‘ no Brasil ultrapassou os EUA e Reino Unido, que lideravam o ranking desde 2010. (https://iclnoticias.com.br/eduardo-moreira-apostas-problema-do-brasil/ ).
Além dos prejuízos financeiros, estudos indicam que o número de indivíduos que buscam tratamento para problemas relacionados ao vício em apostas tem aumentado de maneira alarmante. Uma pesquisa do Instituto de Psiquiatria da USP revelou crescimento significativo no número de jovens entre 20 e 25 anos em busca de tratamento para dependência em jogos de azar. Esse aumento está diretamente relacionado à facilidade de acesso às plataformas digitais e à exposição constante à publicidade dessas plataformas. A pesquisa destaca que as campanhas publicitárias criam um ambiente propício para que indivíduos em situação de vulnerabilidade sejam levados a participar compulsivamente das apostas, gerando sérios prejuízos à sua saúde mental e ao seu bem-estar (https://ipqhc.org.br/2023/06/14/apostas-esportivas-chegam-a-jovens-e-medicos-veem-crescer-busca-por-tratamento/ ).
Segundo Rodrigo Machado, psiquiatra do Programa de Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, dados de países que já adotaram a legalização desses dispositivos mostraram que a procura por atendimento especializado pode aumentar em até quatro vezes, impondo um desafio significativo para o sistema de saúde (https://jornal.usp.br/radio-usp/legalizacao-de-jogos-de-azar-online-pode-causar-um-caos-no-sistema-de-saude-publica/ ).
A publicidade de sites e aplicativos de apostas é um dos principais motores por trás do aumento dessa prática. Essa publicidade frequentemente promove uma imagem irreal de ganhos fáceis e diversão, desconsiderando os riscos envolvidos. A falta de regulamentação permite que essas propagandas alcancem jovens e outros grupos vulneráveis, estimulando o desenvolvimento de comportamentos compulsivos relacionados ao jogo.
O presente Projeto de Lei visa coibir os efeitos prejudiciais da propaganda de sites e aplicativos de apostas e conscientizar a população sobre os riscos que essas plataformas podem trazer para a saúde mental, financeira e o bem-estar social. Conforme aponta o jornalista Leonardo Sakamoto, as chamadas bets viciam mais do que o crack, devendo ser encaradas como uma questão de saúde pública (https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2024/08/19/bets-viciam-mais-do-que-o-crack-com-produto-anunciado-no-horario-nobre.htm ).
O PL também prevê a criação de campanhas educativas voltadas à população do Estado de Pernambuco, em especial, ao público jovem e às populações mais vulneráveis. Essas campanhas terão como objetivo conscientizar a população sobre os riscos associados ao uso de sites e aplicativos de apostas, promovendo uma abordagem preventiva para evitar o agravamento dos problemas de saúde mental e financeira causados pelas apostas.
Ainda, o Projeto propõe a disponibilização de assistência terapêutica especializada na rede pública de saúde para aqueles que já se encontram em situação de dependência. Como observado em diversos estudos, a dependência em jogos de azar tem efeitos devastadores na vida das pessoas e de suas famílias. Portanto, a criação de um canal de teleatendimento 24 horas e a capacitação de profissionais da saúde para tratar esses casos são ações imprescindíveis para garantir o suporte adequado a essas pessoas.
Histórico
Rosa Amorim
Deputada
Informações Complementares
Status | |
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Situação do Trâmite: | PUBLICADO |
Localização: | SECRETARIA GERAL DA MESA DIRETORA (SEGMD) |
Tramitação | |||
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1ª Publicação: | 22/10/2024 | D.P.L.: | 6 |
1ª Inserção na O.D.: |