
Parecer 9674/2022
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 3357/2022
AUTORIA: DEPUTADO WILLIAM BRÍGIDO
PROPOSIÇÃO QUE VISA ALTERAR A LEI Nº 14.490/2011. ELABORAÇÃO DE ESTATÍSTICA. CONTAMINAÇÃO POR AGROTÓXICOS. FUNÇÃO FISCALIZATÓRIA DO PARLAMENTO. COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA COMUM DA UNIÃO, ESTADOS E DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS PARA COMBATER OS FATORES DE MARGINALIZAÇÃO (ART. 23, X, CF/88). PUBLICIDADE E TRANSPARÊNCIA. FISCALIZAÇÃO. PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS. AUSENCIA DE VÍCIOS DE INCONSTITUCIONALIDADE OU ILEGALIDADE. PELA APROVAÇÃO, NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO.
1. RELATÓRIO
É submetido a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária (PLO) nº 3357/2022, de autoria do Deputado William Brígido, que visa alterar a Lei nº 14.490, de 29 de novembro de 2011, a fim de estabelecer que o Centro de Apoio Toxicológico do Estado – CEATOX encaminhe à Comissão de Saúde da Alepe os números de notificações decorrentes do contato com agrotóxicos.
Nos termos da justificativa, o autor da proposição destaca a importância de conhecer os dados referentes à contaminação por agrotóxicos, conforme se observa:
São alarmantes os números de trabalhadores rurais contaminados pelo uso de agrotóxicos em todo país. Todos sabemos que nem sempre o uso dos EPI´s é respeitado. Muitos dos proprietários de terra deixam de fornecer esses equipamentos aos funcionários que trabalham no campo ou mesmo em jardins, quando estes manuseiam produtos.
A lista de agrotóxicos no Brasil, é cada vez mais extensa e os males causados aos homens e animais muitas vezes são irreversíveis.
Com a proposta ora apresentada, esperamos poder conhecer mais de perto a realidade dos efeitos desses venenos, na vida do homem do campo em Pernambuco.
A esta Casa, cabe a elaboração de leis que possam proteger esse trabalhador , assim como, as famílias que moram nas proximidades das propriedades que fazem uso desses produtos.
O Projeto em referência tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (Art. 223, III, Regimento Interno).
É o relatório.
2. PARECER DO RELATOR
A proposição vem arrimada no Art. 19, caput, da Constituição Estadual e no Art. 194, I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa, não estando no rol de matérias, cuja iniciativa é reservada privativamente ao Governador do Estado. Não apresentando, desta feita, vício de iniciativa.
É oportuno destacar que a proposição em apreço, essencialmente, estabelece o envio das estatísticas para a Comissão de Saúde desta Assembleia Legislativa.
Registre-se, diante do objetivo da proposição em análise, que esta CCLJ já aprovou projetos de leis de iniciativa parlamentar que dispunham sobre a elaboração de estatísticas e o envio destas às Comissões Permanentes da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco. Nesse sentido, citam-se o Parecer nº 3802/2020, referente ao PLO 1298/2020, que originou a Lei nº 17.062/2020, e o Parecer 6939/2021, referente ao PLO 2601/2021, que originou a Lei nº 17.668/2022.
Assim, entende-se que os fundamentos jurídicos utilizados para aprovar os mencionados projetos devem ser aplicados na proposição em testilha, pois não houve mudança superveniente nas concepções jurídicas ou no contexto social que propiciasse nova interpretação, a qual pudesse agora desaguar na rejeição da proposição sub examine.
Nesse contexto, observa-se que a obrigatoriedade da elaboração de dados e estatísticas pelo CEATOX sobre intoxicações já é medida imposta pela Lei Estadual nº 14.490, de 29 de novembro de 2011, que dispõe nos seguintes termos:
Art. 2º Compete ao CEATOX:
a) efetuar a coleta, tratamento, armazenamento e disseminação de dados relativos às exposições químicas e intoxicações em geral, com vistas à geração de informações epidemiológicas de interesse;
[...]
g) prestar informações a órgãos governamentais e a instituições de assistência, pesquisa, prevenção e educação na área de saúde no que tange às exposições químicas e intoxicações em geral;
[...]
i) implantar uma fonte de dados, bem como o intercâmbio de informações técnico-científicas com instituições congêneres do País e do exterior;
[...]
l) divulgar suas atividades nas unidades de saúde públicas e privadas com sede no Estado de Pernambuco, bem como aos profissionais de saúde e à população em geral.
Portanto, percebe-se que a proposição não cria atribuição para órgãos vinculados ao Poder Executivo, apenas apresenta desdobramentos destes.
Em relação ao envio das estatísticas mencionadas para Comissão Permanente desta Alepe, também não se visualiza a criação de atribuição para órgão vinculado ao Poder Executivo, pois entende-se como consequência da função fiscalizadora do Poder Legislativo, a qual permite a solicitação de informações ao Poder Executivo.
A proposição também pode ser vista como uma medida para cuidar da saúde e da assistência pública (art. 23, II, CF/88) e valorizar os fundamentos da cidadania e da dignidade da pessoa humana (art. 1ª, II e III, CF/88), bem como para atingir os objetivos de construir uma sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, I, III e IV, CF/88)
Ademais, considerando a imposição de intercambio informacional entre o Poder Executivo e o Legislativo, vale registrar que em um contexto de divisão das funções estatais, na qual vários órgãos atuam para atingir o bem comum, é importante a prática da lealdade institucional, conforme lição de Canotilho e Moreira:
um sistema de governo composto por uma pluralidade de órgãos requer necessariamente que o relacionamento entre os vários centros do poder seja pautado por normas de lealdade constitucional (Verfassungstreue, na terminologia alemã). A lealdade institucional compreende duas vertentes uma positiva e outra negativa. A primeira consiste em que os diversos órgãos do poder devem cooperar na medida necessária para realizar os objetivos constitucionais e para permitir o funcionamento do sistema com o mínimo de atritos possíveis. A segunda determina que os titulares dos órgãos do poder devem respeitar-se mutuamente e renunciar a prática de guerrilha institucional, de abuso de poder, de retaliação gratuita ou de desconsideração grosseira. Na verdade, nenhuma cooperação constitucional será possível, sem uma deontologia política, fundada no respeito das pessoas e das instituições e num apurado sentido da responsabilidade de Estado (statesmanship). (CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital. Os poderes do Presidente da República, apud, MORAES, ob. cit. p. 424)
Observa-se, portanto, que as alterações propostas visam permitir que o debate em torno das estatísticas de contaminação pelo uso de agrotóxicos ocorra de forma mais ampla e plural.
Relembre-se que a Constituição Federal de 1988 consagra o princípio da separação dos poderes no seu art. 2º: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” Além disso, atribui-lhe a condição de cláusula pétrea, a teor do art. 60, § 4º, inciso III, da Constituição.
No entanto, a separação não é absoluta, há meios de conter os possíveis abusos, dentre os quais podemos apontar o exercício da função fiscalizadora pelo Poder Legislativo. Com efeito, a Constituição Federal disciplina a função fiscalizadora exercida pelo Congresso Nacional em várias passagens, as quais, por refletirem o inter-relacionamento entre Poderes, são aplicáveis às demais esferas federativas em razão do princípio da simetria.
A título exemplificativo, destacam-se os seguintes mecanismos de controle exercidos pelo Legislativo em face do Executivo: a convocação de ministros de Estado e de titulares de órgãos subordinados à Presidência da República para prestarem informações sobre assuntos determinados (art. 50, CF); o encaminhamento de pedidos escritos de informações a autoridades do Poder Executivo (art. 50, § 2º, CF); a instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito (art. 58, § 3º, CF) e a fiscalização de contas com o auxílio do Tribunal de Contas (art. 70 e ss., CF).
Visualiza-se, desta feita, que a alteração ora analisada também é corolário da típica função fiscalizadora deste Poder Legislativo.
Assente-se, ainda, que, para o STF, o exercício da função fiscalizatória é titularizado pelos órgãos coletivos do Poder Legislativo (Plenário, Mesa Diretora, Comissões) – como é o caso ora analisado – por decorrência do princípio da colegialidade. Nesse sentido: MS 22.471, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJ de 25-06-2004; RMS 28.251 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewndowski, Segunda Turma, DJe-221 publicado em 22-11-2011; MS 23.914 AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ de 24-08-2001.
Por fim, a proposição pode ser enxergada também como uma decorrência do princípio republicano, o qual estabelece, dentre outras medidas, o dever de prestação de contas da administração pública. Transcrevo a lição de Afonso da Silva, lastreado em Ruy Barbosa:
O princípio republicano não deve ser encarado do ponto de vista puramente formal, com algo que vale por sua oposição à forma monárquica. Ruy Barbosa já dizia que o que discrimina a forma republicana não é apenas a coexistência dos três poderes, indispensáveis em todos os governos constitucionais, mas, sim, a condição de que, sobre existirem os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, os dois primeiros derivem, realmente, de eleições populares. Isso significa que a forma republicana implica a necessidade de legitimidade popular do Presidente da República, Governadores de Estado e Prefeitos Municipais (art. 28, 29, I e II, e 77), a existência de assembleias e câmaras populares nas três órbitas de governos da República Federativa (art. 27, 29, I, 44, 45 e 46), eleições periódicas por tempo limitado que se traduz na temporalidade dos mandatos eletivos (arts. cits.) e, consequentemente, não vitaliciedade dos cargos políticos, prestação de constas da administração pública (art. 30, III, 31, 34, VII, d, 35, II, e 70 a 75). (SILVA, Jose Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 105/106). (grifos acrescidos)
Pode-se concluir, portanto, que o projeto de lei em análise não apresenta vício de inconstitucionalidade ou ilegalidade.
Por fim, constata-se que a redação original da Lei Estadual nº 14.490/2011 ofende prescrições afetas à técnica legislativa, notadamente quanto ao desdobramento do artigo, que deveria ocorrer em incisos, não em alíneas, como verificado no texto legal (ofensa à articulação da lei). No entanto, com vistas à manutenção da unidade, ordem lógica, coesão e clareza da Lei ora alterada, princípios igualmente tutelados pela Lei Complementar nº 171/2011, propõe-se o Substitutivo a seguir:
SUBSTITUTIVO Nº /2022
AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 3357/2022
Altera integralmente a redação do Projeto de Lei Ordinária nº 3357/2022, de autoria do Deputado William Brígido.
Artigo Único. O Projeto de Lei Ordinária nº 3357/2022 passa a ter a seguinte redação:
Altera a Lei nº 14.490, de 29 de novembro de 2011, que cria, no âmbito da Secretaria de Saúde, o Centro de Apoio Toxicológico do Estado – CEATOX, e dá outras providências, a fim de determinar o envio, à Comissão de Saúde e Assistência Social da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco, de dados estatísticos referente às notificações decorrentes do contato com defensivos agrícolas.
Art. 1º O art. 2º da Lei nº 14.490, de 29 de novembro de 2011, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 2º ...............................................................................................
............................................................................................................
k) desenvolver parcerias com instituições que atuem na área de exposições químicas e intoxicações em geral, objetivando a integração e definição de políticas de assistência e prevenção; (NR)
l) divulgar suas atividades nas unidades de saúde públicas e privadas com sede no Estado de Pernambuco, bem como aos profissionais de saúde e à população em geral; e (NR)
m) encaminhar de ofício, semestralmente, à Comissão de Saúde e Assistência Social da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco, a estatística de notificações decorrentes de exposições químicas e intoxicações provocadas por contato com defensivos agrícolas. (AC)
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Diante do exposto, opina-se pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 3357/2022, de autoria do Deputado William Brígido, nos termos do Substitutivo apresentado.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Ante o exposto, tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 3357/2022, de autoria do Deputado William Brígido, nos termos do Substitutivo desta Comissão.
Histórico