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CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1º Fica criada a Política Estadual de Sementes Crioulas e Agrobiodiversidade no Estado de Pernambuco.
Art. 2º A Política Estadual de Sementes Crioulas e Agrobiodiversidade, será integrada e adequada às políticas e aos programas governamentais que visam assegurar o direito humano à alimentação adequada, tendo como referência os seguintes marcos regulatórios:
I - Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional - LOSAN, Lei Federal nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, que institui o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN;
II - Lei Federal nº 11.326, de 24 de julho de 2006, que estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais;
III - Programa de Aquisição de Alimentos - PAA, instituído pela Lei Federal nº 10.696, de 2 de julho de 2003, com redação alterada pela Lei Federal nº 12.512, de 14 de outubro de 2011;
IV - Programa Estadual de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar – PEAAF. Lei nº 16.888, de 3 de junho de 2020, que dispõe sobre a compra institucional de alimentos da agricultura familiar, de produtos da bacia leiteira e da economia solidária;
V - Sistema Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável - SESANS, criado pela Lei nº 13.494, de 2 de julho de 2008, com vistas a assegurar o direito humano à alimentação adequada;
VI - Política Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável – PESANS; instituída pelo Decreto nº 40.009, de 11 de novembro de 2013; e
VII - Lei Federal nº 10.711, de 5 de agosto de 2003, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Sementes e Mudas e dá outras providências.
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
I - variedade e cultivar local, tradicional ou crioula: a semente ou muda desenvolvida, adaptada ou produzida em condições in situ ou on farm, por agricultores familiares, assentado por programa de reforma agrária, quilombola, indígena ou povos e comunidades tradicionais, que apresente características fenotípicas próprias que a diferencie de variedades e cultivares comerciais e que seja assim reconhecida pela comunidade em que é cultivada; e que não seja oriunda de manipulação por engenharia genética nem outros processos de desenvolvimento industrial ou manipulação em laboratório, não contenha transgenes e não envolva processos de hibridação que não estejam sob o domínio das comunidades locais;
II - agrobiodiversidade: termo que inclui todos os componentes da biodiversidade que tem relevância para a agricultura e alimentação; incluindo todos os componentes da biodiversidade;
III - agroecossistemas: variabilidade de animais, plantas e microrganismos nos níveis genético, de espécies e de ecossistemas, necessários para sustentar as funções-chave dos agroecossistemas, suas estruturas e processos;
IV - cultivar: a variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior que seja claramente distinguível de outras cultivares conhecidas, por margem mínima de descritores, por sua denominação própria, que seja homogênea e estável quanto aos descritores através de gerações sucessivas e seja de espécie passível de uso pelo complexo agroflorestal, descrita em publicação especializada disponível e acessível ao público, bem como a linhagem componente de híbridos;
V - híbrido: o resultado de um ou mais cruzamentos, sob condições controladas, entre progenitores de constituição genética distinta, estável e de pureza varietal definida; e
VI - área de proteção da agrobiodiversidade: área/terreno/região/território onde há produção de sementes locais, tradicionais ou crioulas, ficando proibido o cultivo de qualquer material genético (sementes transgênicas e híbridas) que venha a ameaçar as características fenotípicas e genotípicas das sementes locais, tradicionais ou crioulas.
§ 1º Aplicam-se, também, no que couber e no que não dispuser em contrário a esta Lei, os conceitos constantes da Lei Federal nº 10.711, de 5 de agosto de 2003 e o art. 1º do Decreto Presidencial nº 5.153, de 23 de julho de 2004.
§ 2º Pela sua própria natureza e tradição histórica, as cultivares locais, tradicionais ou crioulas, constituem patrimônio sociocultural das comunidades, não sendo aplicável patente, propriedade e nenhuma forma de proteção particular para indivíduos, empresas ou entidades.
Art. 4º As atividades de conservação e utilização sustentável da Agrobiodiversidade no Estado de Pernambuco são consideradas de interesse social e essenciais para as estratégias de desenvolvimento rural sustentável, de promoção da segurança alimentar e nutricional e de sustentabilidade ambiental no Estado.
Parágrafo único. São atividades de conservação e utilização sustentável da Agrobiodiversidade, entre outras:
I - resgate e utilização de variedades locais, tradicionais ou crioulas assim como a promoção da expansão do uso de variedade locais, tradicionais ou crioulas;
II - melhoramento participativo descentralizado, realizado em parceria entre as comunidades e instituições públicas de pesquisa; e
III - fortalecimento da pesquisa que promova e conserve a diversidade biológica.
CAPITULO II
DA POLÍTICA ESTADUAL DE SEMENTES CRIOULAS E AGROBIODIVERSIDADE
Art. 5º Fica instituída, a Política Estadual de Sementes Crioulas e Agrobiodiversidade - PESEMCA, com o objetivo de promover o resgate, conservação e proteção das sementes crioulas e da agrobiodiversidade.
Art. 6º Constituem objetivos específicos da PESEMCA:
I - proteger a Agrobiodiversidade e os Biomas;
II - incentivar o resgate e perpetuação de espécies, variedades e cultivares produzidos em unidade familiar ou tradicional, prioritariamente as espécies vegetais para alimentação;
III - incentivar o respeito, a preservação e manutenção do conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a repartição equitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas;
IV - incentivar a organização comunitária com a criação de bancos comunitários de sementes crioulas;
V - respeitar os conhecimentos tradicionais;
VI - fortalecer valores culturais;
VII - incentivar o mapeamento da Agrobiodiversidade em Pernambuco; e
VIII - incentivar a pesquisa agroecológica e tecnológica e processos de diagnóstico participativo relacionados à sensibilização e ao resgate da agrobiodiversidade junto aos camponeses.
Art. 7º Serão instrumentos da PESEMCA:
I - Programa Estadual de Bancos Comunitários de Sementes Crioulas - Sementes que Alimentam; e
II - Plano Estadual de Resgate e Proteção das Sementes Crioulas e Conservação da Agrobiodiversidade.
Parágrafo único. Ficará a cargo do Poder Executivo designar o órgão da administração direta que será responsável pela coordenaçao e execução do Programa Estadual de Bancos Comunitários de Sementes Crioulas, cabendo-lhe:
I - implantar o Programa Estadual de Bancos Comunitários de Sementes Crioulas;
II - incluir os Bancos já existentes no Estado no programa e ampliar o número de Bancos, conforme disponibilidade orçamentária;
III - planejar as ações de abastecimento, capacitação e funcionamento dos Bancos de Sementes;
IV - manter o controle dos estoques de sementes existentes em cada banco;
V - organizar um sistema de informações e de articulação entre o programa e as comunidades assistidas por ele; e
VI - desenvolver atividades de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) junto às famílias participantes do Programa.
Art. 8° Para implantação do Programa Estadual de Bancos de Sementes Crioulas, o poder público estadual deverá buscar:
I - o estabelecimento de parcerias com organizações sociais com personalidade jurídica, representativa da agricultura familiar, pescadores artesanais, povos e comunidades tradicionais e beneficiários da reforma agrária e crédito fundiário, do Estado de Pernambuco, e entidades de assistência técnica, celebrando convênios com vista a desenvolver habilidades locais nos processos de seleção e armazenamento de sementes crioulas, bem como na implantação e gestão dos bancos de sementes;
II - a inclusão produtiva, através do desenvolvimento de atividades de organização comunitária, objetivando a capacitação e a interação das comunidades interessadas em implantar Bancos de Sementes Comunitários;
III - a sustentabilidade do programa, através da implementação de um sistema de reposição das sementes e do uso de variedades locais;
IV - a melhoria das sementes produzidas e armazenadas através do monitoramento da qualidade física das sementes; e
V - a descentralização do programa através de levantamento de demanda de cada banco de sementes.
Art. 9º O Plano Estadual de Resgate e Proteção das Sementes Crioulas e Conservação da Agrobiodiversidade, é o principal instrumento de planejamento, gestão e execução da PESEMCA.
CAPITULO III
DOS MECANISMOS DE FINANCIAMENTO DA POLÍTICA ESTADUAL DE SEMENTES CRIOULAS E AGROBIODIVERSIDADE
Art. 10. O financiamento da PESEMCA é de responsabilidade do Poder Executivo Estadual, e deve advir das seguintes fontes:
I - Fundo Estadual De Combate A Pobreza Rural - FECEP;
II - dotações orçamentárias, destinadas aos diversos setores que compõem o sistema de apoio a agricultura do estado; e
III - recursos específicos para gestão e implantação da Política Estadual de Sementes Crioulas e Agrobiodiversidade, consignados nas respectivas leis orçamentárias anuais.
Art. 11. O Poder Executivo regulamentará a presente Lei em todos os aspectos necessários à sua efetiva aplicação no prazo de 90 (noventa) dias.
Art. 12. Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
Justificativa
O presente Projeto de Lei, que dispõe sobre a criação da Política Estadual de Sementes Crioulas e Agrobiodiversidade e dá outras providências, confere ao Estado de Pernambuco a sua função normativa e complementar no âmbito do Sistema Nacional de Sementes e Mudas, conforme Lei Federal nº 10.711, de 5/08/2003.
A semente é o início da cadeia produtiva de alimentos e por isso tem um valor estratégico. Uma política estadual que reconheça sua importância e incentive à propagação da cultura de sementes crioulas e da agrobiodiversidade produzirá, entre outros ganhos, a diversidade na agricultura, ajudando a enfrentar as abruptas mudanças climáticas causadoras de desastres ambientais. Além disto, quaisquer outras adversidades ecológicas, como o ataque de uma nova praga, representam uma grande ameaça aos plantios uniformes, sem base genética para reações, colocando a segurança alimentar em risco.
Ao longo do tempo, com o processo de modernização da agricultura, foram introduzidas sementes híbridas, e agora, em especial, sementes transgênicas, o que promoveu uma drástica redução das variedades tradicionais, fazendo com que praticamente desaparecessem, causando o que chamamos de erosão genética. Isto segue a lógica econômica da produção focada no número relativamente pequeno de espécies usadas na alimentação humana, em relação às plantas comestíveis, sendo utilizado atualmente um número limitado de cultivares, com base em maiores índices de produtividade.
Consequentemente, essa prática reduz a diversidade genética, aumentando a vulnerabilidade da agricultura.
Além disso, mitos e informação equivocadas, como a de que sementes crioulas não são seguras por não passarem por testes laboratoriais, são reproduzidas diariamente, levando os agricultores e agricultoras a comprarem frequentemente novas sementes produzidas por empresas do agronegócio, que exploram esse segmento.
Entretanto, o plantio e a produção alimento funcionaram, no mundo inteiro, com base em sementes crioulas, até a metade do século passado. Mas, a partir do momento em que a semente vira mercadoria, cria-se todo um imaginário falacioso, nutrindo a ilusão de que a semente não comercial tem qualidades inferiores.
Em nosso Estado existem diversas iniciativas de agricultores familiares e de comunidades tradicionais, no sentido do cultivo de sementes crioulas e de mudas nativas. Porém, essas iniciativas, partícipes de uma realidade ecológica bastante presente e tradicional, não dispõem de uma política que os reconheça e incentive, como já vem sendo realizado em outros Estados da Federação, com legislação própria, como em Minas Gerais, São Paulo, Paraíba, Ceará, Sergipe e Alagoas.
Pernambuco não pode ignorar as iniciativas agroecológicas desenvolvidas pela agricultura familiar, no que diz respeito às sementes crioulas e à agrobiodiversidade. Ao invés de promover a distribuição de sementes adquiridas de empresas, estimulando apenas uma clientela agricultora, deve assumir o papel de fomentador na produção de sementes e de mudas tradicionais, ampliando ainda mais as disponibilidades governamentais e sua capilaridade para este segmento.
Um banco de sementes possui, grosso modo, uma lógica bastante parecida a de uma caderneta de poupança do campo. As sementes são "depositadas" em um armazém, podendo ali ficar meses, anos e até séculos, e "sacadas" quando for preciso, ou seja, serão usadas no replantio em caso de algumas culturas destruídas. O Brasil tem o quinto maior banco genético do mundo, na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), com cerca de 150 mil amostras.
Em diversas regiões do mundo os bancos comunitários de sementes e mudas têm criado resultados importantíssimos para a sustentabilidade da agricultura familiar, promovendo a recomposição ambiental de vários ecossistemas e biomas, contribuindo para a manutenção da agrobiodiversidade.
Dessa forma, apresento essa proposição a esta Casa Legislativa, expondo-a à apreciação e contribuições dos meus nobres pares, aos quais solicito a aprovação da matéria em tela, por considerar se tratar de uma proposição de extrema relevância para o desenvolvimento da agricultura familiar e para a manutenção da agrobiodiversidade em nosso Estado.
Histórico
Doriel Barros
Deputado
Informações Complementares
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Situação do Trâmite: | ENVIADO_PARA_REDACAO_FINAL |
Localização: | SECRETARIA GERAL DA MESA DIRETORA (SEGMD) |
Tramitação | |||
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1ª Publicação: | 04/04/2023 | D.P.L.: | 21 |
1ª Inserção na O.D.: |