
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA 2032/2021
Dispõe sobre a Política Estadual de Enfrentamento ao Assédio e à Violência Política Contra Mulher, no âmbito do Estado de Pernambuco.
Texto Completo
Art. 1º Fica instituído no âmbito do Estado de Pernambuco a Política Estadual de Enfrentamento ao Assédio e à Violência Política Contra Mulher.
Parágrafo único. Para os fins do disposto no caput, considera-se:
I - assédio político: entende-se por assédio político o ato ou o conjunto de atos de pressão, perseguição ou ameaças, cometidos por uma pessoa ou grupo de pessoas, diretamente ou através de terceiros, contra a mulher e/ou seus familiares, com o propósito de reduzir, suspender, impedir ou restringir as funções inerentes ao seu cargo, seja ele de natureza efetiva, eletiva, em comissão ou terceirizado, para induzi-la ou forçá-la a realizar, contra a sua vontade, determinada ação ou incorrer em omissão, no desempenho de suas funções ou no exercício dos seus direitos político; e
II - violência política: entende-se por violência política as ações, condutas ou agressões físicas, morais, psicológicas, patrimoniais e sexuais cometidas por uma pessoa ou grupo de pessoas, diretamente ou através de terceiros, contra a mulher ou seus familiares, com o propósito de reduzir, uspender, impedir ou restringir as funções inerentes ao seu cargo, seja ele de natureza efetiva, eletiva, em comissão ou terceirizado, para induzi-la ou forçá-la a realizar, contra a sua vontade, determinada ação ou incorrer em omissão, no desempenho de suas funções ou no exercício dos seus direitos político
Art. 2º A Política Estadual de Enfrentamento ao Assédio e à Violência Política Contra Mulher tem como finalidade dispor sobre os mecanismos de prevenção, cuidados e responsabilização contra atos individuais ou coletivos de assédio e qualquer outra forma de violência política contra mulheres.
Art. 3º A Política Estadual de Enfrentamento ao Assédio e à Violência Política Contra Mulher visa garantir o cumprimento das seguintes metas:
I - eliminar atos, comportamentos e manifestações individuais ou coletivas de assédio e violência política, que, direta ou indiretamente, afetam as mulheres no exercício de suas atividades parlamentares e de funções públicas;
II - assegurar integralmente o exercício dos direitos políticos das mulheres, sejam elas filiadas a partidos políticos ou não, candidatas ou não, eleitas ou nomeadas ou não, independente de sua raça, cor, etnia, sexo, idade e religião, deficiência, origem nacional ou regional; e
III - promover, desenvolver e implementar políticas e estratégias públicas para a erradicação de todas as formas de assédio e violência política contra as mulheres.
Art. 4º Serão considerados atos de assédio ou violência política contra as mulheres candidatas, eleitas e/ou nomeadas para o exercício de cargo ou função pública, aqueles que:
I - imponham, por razões de gênero, a realização de atividades e tarefas não relacionadas com as funções e competências do seu cargo, interseccionados ou não com questões de raça, cor, etnia, sexo, idade e religião, deficiência, origem nacional ou regional;
II - atribuam responsabilidades irrazoáveis que tenham como resultado a limitação do exercício da função parlamentar ou dos direitos políticos;
III - proporcionem informações falsas, incorretas ou imprecisas, que conduzam ao exercício inadequado das funções e direitos políticos da mulher;
IV - impeça, por qualquer meio, que as mulheres eleitas, titulares ou suplentes, durante sessões ordinárias ou extraordinárias, ou qualquer outra atividade que envolva a tomada de decisões, exerçam o direito de falar e votar em igualdade de condições com os homens;
V - forneçam à justiça eleitoral informações falsas, imprecisas ou incompletas da mulher;
VI - impeçam ou restrinjam a reintegração de mulheres ao seu cargo, após o gozo de licença justificada;
VII - restrinjam, por qualquer meio, que as mulheres eleitas, titulares ou suplentes, exerçam o direito de uso da palavra em sessões ou reuniões de comissões, solenidades e outras instâncias inerentes ao exercício político/públicos previstos nos regulamentos estabelecidos;
VIII - imponham sanções injustificadas, impedindo ou restringindo o exercício dos direitos políticos;
IX - apliquem sanções pecuniárias, descontos arbitrários e ilegais ou retenção de salários;
X - discriminem, por razões que se relacionem raça, cor, etnia, sexo, idade e religião, sexualidade, deficiência, origem nacional ou regional, idioma, ideologia, filiação política ou filosófica, estado civil, identidade cultural, condição econômica, social ou de saúde, profissão ou ocupação, aparência física, vestimenta, apelido, ou qualquer outra, com objetivo ou resultado de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais legalmente reconhecidas, dos direitos políticos da mulher;
XI - discriminem a mulher por estar em estado de gravidez, de adoção, parto, puerpério, período de adaptação ao filho adotado ou de lactação, impedindo ou negando o exercício do seu mandato e o gozo dos seus direitos sociais reconhecidos por lei;
XII - divulguem ou revelem informações pessoais e privadas de mulheres, com o objetivo de ofender a sua dignidade perante os eleitores e/ou, contra a sua vontade, obter a renúncia ou licença do cargo exercido ou postulado;
XIII - pressionem ou induzam as mulheres eleitas ou nomeadas a renunciarem ao cargo exercido; e
XIV - obriguem as mulheres eleitas ou nomeadas, mediante o uso de força ou intimidação, a assinar documentos ou endossar decisões contrárias à sua vontade e ao interesse público.
Art. 5º Será nulo o ato praticado por mulheres em decorrência de situação de assédio ou de violência, devendo ser instaurado procedimento administrativo para responsabilização do autor.
Art. 6º O Estado de Pernambuco instituirá, através de seus órgãos competentes, mecanismos de concepção, implementação, monitoramento e avaliação das políticas, estratégias e meios de prevenção, cuidados contra o assédio e a violência política contra as mulheres, podendo estabelecer parcerias e convênios com a União e os municípios, órgãos de classe e outras instituições privadas.
Art. 7º O Poder Executivo estadual fica autorizado a instituir e desenvolver ações e campanhas internas de informação e conscientização sobre os princípios e conteúdos da presente Lei.
Parágrafo único. Para os fins do disposto no caput, poderão ser firmados convênios com os demais entes da federação, órgãos de classe e outras instituições privadas.
Art. 8º As denúncias de violações ao disposto nesta Lei poderão ser apresentadas pela vítima, pelos seus familiares, ou por qualquer pessoa física ou jurídica, verbalmente ou por escrito, perante as autoridades competentes, devendo ser observado, em todo momento, o desejo e anuência das mulheres denunciantes em todo o processo.
Art. 9º Os servidores públicos, que tenham conhecimento de atos de assédio ou violência política contra mulheres candidatas, eleitas ou nomeadas em função ou cargo público, deverão comunicar o fato às autoridades competentes, ficando preservada a identidade do denunciante.
Art. 10. Em caso de ocorrência de ato de assédio ou violência política, conforme descrito no art. 3º desta Lei, a vítima poderá optar pela via administrativa e denunciar o caso perante a instituição a que pertencer(em) o(s) agressor(es) ou agressora(as), a fim de que seja instaurado processo e aplicadas sanções disciplinares ou administrativas correspondentes, de acordo com o procedimento estabelecido pela Lei nº 6.123, de 20 de julho de 1968.
Art. 11. O descumprimento do disposto nesta Lei e/ou a prática das condutas descritas no art. 4º sujeitará o infrator, quando pessoa física ou jurídica de direito privado, às seguintes sanções administrativas:
I - multa; e
II - proibição de contratar com o Poder Público Estadual, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.
§ 1º A multa prevista neste artigo será fixada entre R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), a depender das circunstâncias do fato e das condições do infrator, devendo o seu valor ser atualizado anualmente pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ou outro índice que venha substituí-lo.
§ 2º O não pagamento integral da multa ao órgão responsável sujeitará o infrator à inscrição em Dívida Ativa Estadual.
§ 3º Os valores arrecadados com a aplicação da multa serão revertidos em favor do Fundo de Desenvolvimento Social - FDS, instituído pela Lei nº 16.595, de 27 de junho de 2019.
Art. 12. O descumprimento do disposto nesta Lei e/ou a prática das condutas descritas no art. 4º pelos estabelecimentos ou agentes públicos ensejará a sua responsabilização administrativa ou de seus dirigentes, em conformidade com a legislação aplicável.
Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Justificativa
Apresentamos o presente Projeto de Lei, para deliberação desta Egrégia Assembleia Legislativa, cuja competência legislativa encontra respaldo no art. 19, da Magna Carta do Estado de Pernambuco, e no art. 194, I, do Regimento Interno desta Casa, uma vez que seu conteúdo não esbarra no rol de matérias a qual a iniciativa é reservada privativamente ao Governador do Estado.
Cumpre salientar, desde já, que sob o aspecto financeiro e orçamentário, a execução normativa desta iniciativa não implicará em aumento de despesas para o Poder Público, e nem implicará na criação de atribuições para Secretarias de Estado, órgãos e entidades da administração pública.
Ademais, a proposição não viola os limites estabelecidos pela Constituição Federal, no que tange a competência remanescente dos Estados-membros para legislar sobre matérias que não foram incluídas nas competências enumeradas ou implícitas da União e dos Municípios, bem como não incidam nas vedações constitucionais que balizam a atuação dos entes federados, conforme previsto no §1º do art. 25 da Constituição Federal.
No mérito a proposta objetiva instituir no âmbito do Estado de Pernambuco a Política de Enfrentamento ao Assédio e Violência Política contra a Mulher. Ela tem por objetivo dispor sobre os mecanismos de prevenção, cuidados e responsabilização contra atos individuais ou coletivos de assédio e qualquer outra forma de violência política contra mulheres, consideradas em sua diversidade, assegurando-lhes o pleno exercício dos seus direitos, tendo como base a Constituição Federal, e os tratados e instrumentos internacionais de direitos humanos das mulheres, entre eles a Comissão sobre o Estatuto das Mulheres da Organização das Nações Unidas (CSW/ONU).
Em 2018, foram eleitas apenas 77 mulheres contra 436 homens na Câmara Federal, sendo que apenas 13 são mulheres negras. No Senado, são apenas 12 mulheres parlamentares. Nas Assembleias Legislativas, apenas 15,4% (163) de parlamentares mulheres, e na ALEPE, oficialmente, apenas 11 das 49 cadeiras do plenário são ocupadas por mulheres.
Das 230 vagas nas câmaras municipais disponíveis na Região Metropolitana do Recife, apenas 26 são atualmente ocupadas por mulheres vereadoras. É pouco mais de 11,3%, um pequeno aumento em relação às eleições de 2016, quando 21 mulheres ocuparam as 223 vagas nos 14 municípios da RMR. Os dados foram levantados pelo projeto Adalgisas, da Marco Zero Conteúdo, na base de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Apesar das mulheres negras serem maioria, representando 28% do total da população brasileira, elas estão sub representadas nas instâncias de poder e vivenciam a face mais perversa da intersecção entre as discriminações de raça, gênero e classe, sofrendo inúmeros ataques racistas e misóginos.
No caminho da construção da equidade, destacam-se algumas recentes transformações: em 2019, ocorreu a instituição da obrigatoriedade de cota mínima de 30% de candidaturas de mulheres; e recentemente foi aprovada a consulta pública protocolada pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que aborda distribuição do financiamento e do tempo de TV e rádio proporcionais às candidaturas negras.
Contudo, tais mudanças ainda não foram suficientes para promover alterações estruturais no sistema político brasileiro, especialmente para coibir os atos de violência política contra as mulheres. O assassinato da vereadora Marielle Franco e a falta de esclarecimento sobre o crime exemplificam a vulnerabilidade das mulheres na política institucional, em especial as mulheres negras.
Essa situação pode ser visualizada no processo eleitoral de 2020, conforme pesquisa detalhada no relatório “Violência Política Contra Mulheres Negras”, coordenada pelas organizações Instituto Marielle Franco, Terra de Direitos e Justiça Global.
Foram entrevistas 142 mulheres negras candidatas (95% cisgeneras e 5% trans e travestis) cujo resultado demonstrou que 78% sofreu violência virtual; 62% violência moral e psicológica; 55% violência institucional; 44% violência racial; 42% violência física; 32% violência sexual; 28% violência de gênero e LGBTQIA+. Em suma, quase 100% das candidatas ao pleito eleitoral de 2020 consultadas pela pesquisa sofreram mais de um tipo de violência política. E 60% dessas mulheres foram insultadas, ofendidas e humilhadas em decorrência da sua atividade política nestas eleições.
Após as eleições foram notificados casos que materializam essa realidade: a vereadora Ana Lúcia Martins (PT), primeira mulher negra eleita à vereança na cidade de Joinville (SC), sofreu ameaças de morte e o hackeamento de suas redes sociais. Igualmente, Suéllen Rosim (Patriota), primeira mulher negra eleita prefeita na cidade de Bauru (SP), foi vítima de ofensas racistas e ameaças de morte logo que se confirmou sua eleição.
Para as eleitas, a violência eleitoral torna-se violência política. As intimidações, ameaças de morte, ataques virtuais, verbais e físicos irão acompanhar essas mulheres antes da posse e por todo o exercício do mandato. Por exemplo, a deputada Taliria Petrone (PSOL-RJ), após sofrer inúmeras ameaças, inclusive de morte, foi obrigada a solicitar escolta da polícia legislativa e tem denunciado essa violência em busca de proteção e responsabilização dos agressores. Em São Paulo, a deputada Erica Malunguinho, logo no início de seu mandato da ALESP, diante das declarações transfóbicas proferidas em plenário, entrou com um pedido de cassação do parlamentar cujo processo culminou com a advertência ao deputado no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.
No âmbito legislativo, é fundamental criar leis que responsabilizem os perpetradores da violência, bem como construir um ambiente seguro para as parlamentares eleitas. Estatutos, regulamentos, regimentos e outros documentos legislativos devem fazer menção explícita ao compromisso com os direitos humanos, promoção da igualdade de gênero e combate ao racismo nos seus objetivos e princípios fundamentais, comprometendo-se com a adoção de ações concretas para garantir a igualdade e a não-discriminação, criando ambientes livres de assédio e intimidação para as mulheres políticas.
Diante o exposto, estando presente o interesse público que motiva e legitima esse Projeto, solicito o valoroso apoio dos Nobres Parlamentares desta Assembleia Legislativa para sua aprovação.
Histórico
Delegada Gleide Angelo
Deputada
Informações Complementares
Status | |
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Situação do Trâmite: | PUBLICADO |
Localização: | SECRETARIA GERAL DA MESA DIRETORA (SEGMD) |
Tramitação | |||
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1ª Publicação: | 02/04/2021 | D.P.L.: | 23 |
1ª Inserção na O.D.: |