
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA 1301/2020
Adota o compositor José de Souza Dantas Filho (ZÉ DANTAS) como Patrono dos Compositores Pernambucanos da Música Regional Nordestina.
Texto Completo
Art.1º Fica declarado o compositor José de Souza Dantas Filho (ZÉ DANTAS) como Patrono dos Compositores Pernambucanos da Música Regional Nordestina.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
Justificativa
José de Souza Dantas Filho, o conhecido ZÉ DANTAS, nasceu em Carnaíba de Flores, Pernambuco, em 27 de fevereiro de 1921. Filho de José de Souza Dantas e Josefina Alves de Siqueira Dantas.
Ainda garoto, mudou-se para o Recife, lugar onde teve efetiva participação em jornais estudantis. Na maioridade, participou de programas na Rádio Jornal do Commercio, considerada a mais expressiva em todo o Nordeste, ainda que sua participação fosse às escondidas, já que seu pai não concordava com tal postura. Depois, influenciado pela família, ingressou na Faculdade de Medicina da Universidade do Recife, em 1942.
Aquele que viria a ser um dos maiores compositores brasileiros, era dotado de um vasto conhecimento no que diz respeito às tradições e as raízes sertanejas, temáticas utilizadas em suas músicas, até então não gravadas. Seu encontro com Luiz Gonzaga ocorreu no Recife, no Grande Hotel, em 1947, onde o homem tímido mostrou suas composições ao ilustre Gonzagão. O Rei do Baião, encantado, decorou algumas músicas e prometeu gravá-las, atendendo a uma única exigência do compositor: não deixar transparecer seu sobrenome “Dantas”, por temer que seu pai – fazendeiro rígido – cortasse a sua mesada, que o mantinha estudando na capital.
A canção “Vem Morena” foi a sua primeira parceria com Luiz Gonzaga, lançada em 78 rpm, em 1950. Nessa mesma época, recém-formado, Zé Dantas mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro para trabalhar como residente do Hospital dos Servidores do Estado, ao qual se vinculou mais tarde como funcionário público. Na bagagem, levou de Pernambuco muitas ideias para a composição de baiões, tais como “A Volta da Asa Branca”, “A Dança da Moda” e “Forró de Mané Vito”. O sucesso das gravações por Luiz Gonzaga fez com que Zé Dantas, Humberto Teixeira e o Rei do Baião participassem do programa “No Mundo do Baião”, nos estúdios da Rádio Nacional, em 1951. Nele, o compositor contava histórias e imitava personagens típicos do sertão nordestino.
Exibia semanalmente, na Rádio Nacional, em horário nobre, seu talento como contador de casos pitorescos e imitador de personagens do sertão. Essa habilidade foi registrada em uma versão do baião “O Forró de Mané Vito” (parceria com Luiz Gonzaga), gravada em 1959. A canção é um depoimento ao delegado, cuja voz é gravada por Zé Dantas, de um sertanejo acusado de envolver-se em uma briga seguida de morte, que faz "o samba se acabar". Esse tipo de narrativa também apareceu em outras parcerias com Luiz Gonzaga, como “O Torrado” (1950) e “Derramaro o Gai” (1956).
O cotidiano popular de diferentes locais do Nordeste narrados por Zé Dantas marcou a maior parte de suas composições. Ele se destacou pelo seu interesse e disposição para pesquisar e registrar manifestações culturais populares nordestinas. Foram inúmeros aboios de vaqueiros, histórias e mitos narrados por habitantes locais, poemas e desafios nos quais violeiros improvisavam versos, muitos deles registrados em um gravador de rolo portátil com 14 kg de peso que o acompanhava em suas viagens. Um de seus destinos preferidos era a fazenda da família, Brejinho, situada no município de Carnaíba e cortada pelo Riacho do Navio, que deu nome a um xote composto com Luiz Gonzaga em 1955. Nostálgica, a canção apresenta uma paisagem geográfica e cultural isolada do mundo moderno, onde se pode: "Fazer umas caçada/ Ver as pega de boi/ andar nas vaquejada/ Dormir ao som do chocalho/ E acordar com a passarada/ Sem rádio e sem notícia/ Das terra civilizada".
Nas vaquejadas e "pegas de boi" cantam-se diversos ritmos e gêneros musicais tradicionais, porém são conhecidos genericamente pelos sertanejos como baião. Mas, como observado na canção “Tudo É Baião”, composta em parceria com Luiz Gonzaga e gravado pelos Quatro Ases e um Coringa em 1952, essa canção demonstra o conhecimento de Zé Dantas sobre a cultura popular, negando a ideia de que o baião fosse uma invenção: "Andam dizendo/ Que o baião é invenção/ Quem disse isso/ Nunca foi no meu sertão/ Pra ver os cego/ Nesse ritmo cantando/ E os violeiro/ No baião improvisando".
Essa fidelidade de Zé Dantas às fontes populares da cultura regional nordestina, chegava a causar estranhamento em parte do público do Sul do país. O maior exemplo dessa incompreensão da cultura nordestina se deu quando a canção “Siri Jogando Bola” (parceria com Luiz Gonzaga) foi tocada, na época de sua gravação (1956), no programa televisivo de Flávio Cavalcanti. Composta em ritmo de côco, gênero popular do litoral nordestino praticado em roda, na qual alternam-se um refrão fixo cantado em coro e estrofes improvisadas por solistas, ela foi classificada por aquele apresentador como uma obra de mal gosto por conter trechos como "vi um jumento/ beber vinte Coca-Cola/ ficar cheio qui nem bola/ e dá um arroto de lascá", baseados em casos colhidos por Zé Dantas. Aliás, essa é a primeira vez que a Coca-Cola, símbolo pop, foi citada numa canção brasileira.
Esse fato causou grande indignação no compositor, por entender que tal acusação recaia sobre a cultura popular nordestina, a qual defendia e procurava representar, inclusive politicamente, em canções como “Vozes da Seca”, composta em parceria com Luiz Gonzaga em 1953. Nesse ano, em que uma forte seca castiga o Nordeste, a canção reclamava ao governo a adoção de medidas que pudessem gerar emprego e renda mais eficientes do que as campanhas organizadas para coletar doações: "Seu doutô os nordestino/ Têm muita gratidão/ Pelo auxílio dos sulistas/ Nesta seca do Sertão/ Mas doutô, uma esmola/ A um home qui é são/ Ou lhe mata de vergonha/ Ou vicia o cidadão".
O discurso da canção, considerada precursora da música de protesto brasileira, estava sintonizado com o projeto desenvolvimentista defendido por parte da sociedade brasileira e por representantes políticos, como o presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976), amigo pessoal de Zé Dantas. As soluções propostas em Vozes da Seca, como "encher os rios de barrage" e não esquecer da "açudagem" para dar "serviço ao nosso povo" retornaram em outras duas parcerias com Luiz Gonzaga. Em “Algodão” (1953) os parceiros atenderam ao pedido do pernambucano João Cleofas, então ministro da Agricultura, de conclamar os trabalhadores rurais do sertão para cultivar o algodão. Em “Paulo Afonso” (1955), celebraram a construção da barragem para produção de energia elétrica no Rio São Francisco, considerada fundamental para o desenvolvimento brasileiro: "Vejo o Nordeste/ Erguendo a bandeira/ De ordem e progresso/ A nação brasileira/ Vejo a indústria gerando riqueza/ Findando a seca salvando a pobreza".
Depois dessas exaltações ao Brasil e ao Nordeste, o tom de denúncia de “Vozes da Seca” foi retomado em “A Profecia”, parceria com Luiz Gonzaga, por ele gravada em 1963, no ano seguinte à morte de Zé Dantas. Com grande dose de ironia, essa profecia anunciava um futuro de abundância, de riqueza e livre da pobreza, alcançado por meio do desaparecimento dos pobres, mortos por inanição: "Pro gosto dos doutô/ Vai o pobre se arrasá/ Pra cuzinhá/ Pra plantá todo esse chão/ Prô doutô comê feijão/ Quem será que vai ficá?". Essa canção demonstrou como Zé Dantas estava atualizado em relação à tendência da época, na qual a crítica social tornou-se tema de compositores politicamente engajados como Carlos Lyra (1939), Geraldo Vandré (1935) e Edu Lobo (1943). Artistas esses que, interessados nas tradições populares nordestinas, foram influenciados por sua obra.
Sua saúde começou a piorar quando, em fevereiro de 1961, sofreu um acidente e rompeu o ligamento do pé. Para aliviar as dores tomava cortisona, em doses cada vez maiores. O uso exagerado desse medicamento acabou comprometendo o fígado, que o levaria à morte em 11 de março de 1962, aos 41 anos. Em 1963, um ano após seu falecimento, Luiz Gonzaga gravou o compacto “Homenagem a Zé Dantas”, com duas composições do parceiro, “A Profecia” e “Xô Pavão”, e duas exaltações a ele por outros autores, “Homenagem a Zé Dantas” (Antônio Barros) e “Zé Dantas” (Onildo Almeida). J[a em 2003, foi lançado o CD “Todos Cantam Zé Dantas & Luiz Gonzaga!”, reunindo interpretações de suas obras por artistas como Chico Buarque, Elba Ramalho e Marina Elali, cantora e neta de Zé Dantas, que chegou a fazer uma versão pop em inglês para “O Xote das Meninas” (All She Wants).
Diante do exposto, a presente propositura – de adotar ZÉ DANTAS como Patrono dos Compositores Pernambucanos da Música Regional Nordestina – justifica-se, plenamente, pela sua importância cultural e pelas diversas facetas artísticas, sempre descrevendo e ressaltando o cotidiano regional nordestino.
Nada mais justo, portanto, do que o presente Projeto de Lei ser aprovado pelos nobres Pares.
Histórico
Tony Gel
Deputado
Informações Complementares
Status | |
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Situação do Trâmite: | AUTOGRAFO_PROMULGADO |
Localização: | SECRETARIA GERAL DA MESA DIRETORA (SEGMD) |
Tramitação | |||
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1ª Publicação: | 01/07/2020 | D.P.L.: | 16 |
1ª Inserção na O.D.: |
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